O final de contas (I)

Depois da entrega na Assembleia da República de todas as subscrições, com posteriores acrescentos, o contador (ver na coluna à direita) está agora fechado e é esta a ocasião, portanto, para o fecho de contas.

Vejamos então os resultados mais relevantes obtidos com os dados das assinaturas da ILC-AO.

grupo etário, sexo e tipo de identificação

Atravessando três regimes de regras ao longo do tempo,  as validações incluíram 1251 subscrições sem número de eleitor, quando estes dados não eram exigidos (como agora não o são de novo).

  • Afinal, os “Velhos do Restelo” — um “argumento” repetido até à exaustão pelos acordistas — têm maioritariamente de 34 a  57 anos.
  • Os jovens (18 a 33 anos) são muito mais do que os seniores.

A distribuição por sexo é maioritariamente feminina: mais 1982 assinaturas do que os homens.  
Os casos “ND” (não disponível) correspondem, neste caso, a nomes próprios que podem aplicar-se tanto a homens como a mulheres. Geralmente, trata-se de cidadãos nacionais nascidos no estrangeiro.

tipo de suporte físico/digital e arquivamento por caixa

[Nota: as diferenças nos totais por caixa/Digital/Web  devem-se a não disponíveis (ND) que variam ligeiramente entre suportes.]
  • Papel: impressos individuais (enviados por carta) e/ou “em série” (até 10 subscrições por página)
  • Email: impressos digitalizados que o subscritor preenche, assina, digitaliza e envia em PDF ou imagem.
  • Online: subscrições através de formulário electrónico, com validação dupla.

A distribuição por caixa/suporte corresponde à respectiva entrega na Assembleia da República.  Além das caixas com assinaturas em papel, foram entregues também os ficheiros digitais de imagem (subscrições em PDF/imagem como anexo a email), cópia com as subscrições “online” e o ficheiro geral de todos os dados em conjunto.

assinaturas por Distrito

Todos os 18 distritos estão representados. De um total de 308, apenas 25 concelhos não tiveram qualquer subscrição (registada). Estes 25 concelhos são todos do interior do país, em zonas com escassa população.

recolha de dados por operador e por caixa/suporte/tipo de subscrição

material entregue na A.R.:

  • 22047 subscrições validadas
  • 2185 subscrições invalidadas
  • 7 caixas (mais “extra”) com subscrições em papel [P]
  • 1 ficheiro com dados de subscrições electrónicas [W] (11 a 1900)
  • 1 ficheiro com as mensagens de email contendo subscrições digitalizadas
  • 2032 ficheiros de imagem das subscrições digitalizadas enviadas por email [D]
  • 1 ficheiro de validação e detecção  de subscrições repetidas
  • 1 ficheiro com todas as subscrições válidas e inválidas

(este quadro não inclui as validadas e as invalidadas sem número sequencial).

sumário:

  • 24232 subscrições processadas
    • 2185 subscrições invalidadas
    • 22047 subscrições validadas
  • 8 operadores de recolha de dados
  • 2756 subscrições por operador
  • minutos por subscrição: 4 (estimativa)
  • subscrições total: 88188  minutos
  • operador total:11024 minutos, 184 horas, 3 dias

(continua)

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Audiência na Comissão de Cultura

No passado dia 19 de Novembro a ILC-AO foi ouvida pela Comissão de Cultura e Comunicação da Assembleia da República. Esta audição decorre da admissão desta Iniciativa Legislativa no Parlamento e é um dos passos a percorrer até ao agendamento para debate e votação do nosso Projecto de Lei em plenário.

Esta audiência obedeceu a um protocolo rígido. A ILC-AO dispôs de dez minutos para uma intervenção inicial, seguindo-se as intervenções dos deputados com assento na Comissão de Cultura.

Naturalmente, durante a nossa intervenção, reiterámos os objectivos do Projecto de Lei 1195/XIII/4ª, que resultou da ILC-AO. Começámos por recordar o erro que constituiu a aprovação do II Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico através da RAR 35/2008, que o nosso Projecto de Lei pretende revogar, e fundamentámos essa posição: não faz qualquer sentido que um Acordo Ortográfico que pretende unificar a Ortografia entre todos os países signatários possa entrar em vigor sendo ratificado apenas por três e valendo — estranha matemática! — esses três por oito.

Referimos, também, que o Acordo Ortográfico parte de um princípio errado, em que se tenta aproximar variantes ortográficas em vez de povos. Num Acordo, cada uma das partes deve poder contribuir com aquilo que verdadeiramente é seu. No AO90, pelo contrário, criou-se uma norma artificial, na qual ninguém se reconhece e que consiste, basicamente na “adoção” da forma brasileira de escrever. Ao invés de unir, o AO90 tornou-se um corpo estranho no seio da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

Daí que o objectivo desta Iniciativa Legislativa seja simplesmente o de criar uma oportunidade para que esse erro possa ser corrigido. A ILC-AO é uma oportunidade, também, para o Parlamento enviar ao País a mensagem de que o Acordo Ortográfico não faz sentido, pois a riqueza da nossa Língua está precisamente na sua diversidade. As variantes que existem são perfeitamente inter-intelegíveis.

Claro que, nesta audição, tão importante quanto a apresentação do nosso Projecto de Lei era conhecermos a posição dos partidos sobre esta matéria.

E o que ouvimos, na maior parte dos casos, não foi bom.

A primeira intervenção foi do Partido Socialista, pela voz do deputado Pedro Cegonho, que será também o deputado-relator do nosso Projecto de Lei. Em primeiro lugar, o deputado referiu ter dúvidas quanto à “forma” desta Iniciativa Legislativa, tendo em conta que está em causa um tratado internacional. Volta a agitar-se, mais uma vez, o fantasma da não-conformidade da ILC-AO, considerando que as relações exteriores não são matéria da competência da Assembleia da República. Por antecipação, já havíamos dito, na nossa intervenção inicial, que a revogação da RAR 35/2008 não revoga o Acordo Ortográfico, apenas anula o instrumento legal que possibilita a sua aplicação em Portugal.

Sobre o Acordo Ortográfico propriamente dito, Pedro Cegonho disse apenas uma coisa: “o PS tem a perspectiva de que um acordo une, e não separa”. Em teoria, não podemos deixar de concordar, pois esta é praticamente a entrada no dicionário para a palavra “acordo”. No entanto, temos de reconhecer que o Acordo Ortográfico não se encaixa na definição. O AO90 não é um “acordo”, no sentido em que uma das partes se limita a acatar as imposições da outra e as demais são olimpicamente ignoradas.

Entre os PALOP, por exemplo, o entendimento geral é o de que o Acordo Ortográfico é uma coisa “lá entre eles” (leia-se, entre Portugal e Brasil). Ainda hoje, metade dos países interessados no Acordo não o ratificou — não fora o II Protocolo Modificativo, com os tais três a valer por oito, e o AO90 já teria desaparecido há muito. De resto, a contagem de quem ratificou ou deixou de ratificar importa pouco. Até podiam já ter ratificado todos — a verdade é que nenhum destes países sente o AO como “coisa sua” e a sua efectiva implementação é vista com indiferença pela maior parte. Ao invés de aproximar, o Acordo Ortográfico tem sido visto, invariavelmente, como um assunto constrangedor. A nível interno, o cenário não é melhor, com o Acordo Ortográfico a dividir fortemente a sociedade portuguesa.

O deputado Paulo Oliveira, do Partido Social Democrata, preferiu salientar o relatório que saiu do último Grupo de Trabalho sobre o Acordo Ortográfico, comparando-o com a nossa proposta. O relatório propunha que se encetassem negociações com os restantes países signatários, ao passo que o nosso Projecto de Lei, ao suprimir a via legal para a aplicação do AO, funcionará, na prática, como uma suspensão. Segundo o deputado, será talvez mais fácil encontrar um consenso em torno da ideia de aproveitarmos o que o AO tem de bom e eliminarmos o que tem de pior. Preconizou, no fundo, uma revisão do actual Acordo, sem necessidade de o suspendermos. Infelizmente, o Acordo Ortográfico não é passível de ser remendado. Enquanto continuar a ser encarado como uma simples questão de ortografia, a polémica não irá desaparecer. Mais uma vez, o problema não se limita às imposições deste AO90. Estas são intoleráveis, sim, mas o constrangimento começa logo na forma como o AO foi cozinhado, à margem e à revelia de povos e de países, indiferente a críticas e pareceres, para nos ser servido depois como facto consumado.

A intervenção seguinte esteve a cargo de Beatriz Dias, do Bloco de Esquerda. Referiu a deputada que “a aproximação meramente gráfica, não interferindo sobre o léxico ou na sintaxe, é reconhecida como positiva no mundo global”. Vieram-nos à memória as palavras de Gabriela Canavilhas, segundo a qual “foi identificada a necessidade de um Acordo Ortográfico”. Foi identificada por quem? É reconhecida por quem? Esta formulação vaga, que atira a responsabilidade do Acordo Ortográfico para uma entidade misteriosa (superior?, divina?, ocultista?) nunca deixará de nos surpreender. Em resposta, teríamos oportunidade de dizer que “aproximação meramente gráfica” é coisa que não existe. Não é possível que um choque ortográfico como o introduzido pelo Acordo Ortográfico não tenha efeitos retroactivos noutros aspectos da Língua, a começar pela pronúncia. Todavia, a parte mais preocupante do discurso de Beatriz Dias situou-se na defesa de uma Comissão Técnica de Revisão do Acordo Ortográfico. Beatriz Dias parece querer ir além do próprio Governo, que responsabiliza por “considerar o AO90 um tabu que não pode ser mudado” e por não ter ainda tomado a iniciativa de “abrir canais diplomáticos” e de “contactar a comunidade científica e académica” para, em conjunto com os restantes Estados signatários, promover a revisão do Acordo. Se considerarmos que qualquer tentativa de revisão irá piorar ainda mais o caos que já hoje enfrentamos, esta perspectiva não deixa de ser assustadora. Tentando identificar o que correu mal nesta “transição gráfica” — talvez a falta de um Vocabulário Ortográfico Comum, previsto para Janeiro de 1993, talvez a inexistência de acordantes, uma das condições necessárias para que possa haver um acordo — Beatriz Dias acaba por não reconhecer que o que correu mal foi o AO90 como um todo.

A intervenção seguinte coube à representante do PCP. A deputada Ana Mesquita reiterou as críticas deste partido, já de longa data, à forma como todo este processo tem sido conduzido, sem nunca se ter em conta a opinião de quem mais lida com a Língua. Segundo disse, o Acordo Ortográfico é uma questão política que parte desse princípio errado, e em que se tem vindo a insistir, sem se atender às consequências nefastas que a realidade demonstra. O PCP assumiu no seu programa eleitoral que interviria nesta matéria e, existindo ILC-AO, esta será uma oportunidade para o fazer, seja acompanhando a nossa proposta, seja apresentando uma Iniciativa Legislativa própria.

Seguiu-se a intervenção da deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa, que teve o mérito de reconhecer que a ideia de uma ortografia unificada foi um projecto falhado e que as consequências disso e a definição de eventuais remédios deve ser feita pela comunidade científica. Apesar de tudo, considerou que o Acordo está em vigor, envolve países amigos, e uma das formas de tratar este assunto é também pela via diplomática. Aquilo que o CDS-PP tem no seu programa é a recomendação para que o Governo use as vias diplomáticas para eventualmente melhorar o Acordo em vigor ao mesmo tempo que se desenvolvem estudos que possam indicar o melhor caminho — seja esse caminho de retrocesso, seja de continuidade.

A deputada do PAN interveio apenas para saudar os representantes da ILC e para dizer que no seio do partido ainda não foi definida uma posição formal sobre o Acordo Ortográfico, situação que aquele Partido irá resolver a breve trecho.

Após as declarações de cada um dos representantes partidários, a senhora Presidente da Comissão de Cultura devolveu novamente a palavra aos representantes da ILC-AO.

Em resposta à questão do deputado do PSD sobre o que poderia ser preservado deste Acordo numa revisão futura, referimos que, quando muito, se aproveita a ideia da união em torno da Língua Portuguesa — não uma união artificial, inútil e (já) impossível das duas variantes dessa Língua. Pelo contrário, o que é fundamental é acarinharmos as variações e as diferenças que existem. Se nos dissessem que havia um Acordo Ortográfico entre os países da CPLP em que cada país contribui com aquilo que é seu, isso faria certamente algum sentido. Alguém duvida que Angola e Moçambique não ratificariam de imediato um Acordo feito nesses moldes, desde que se mantivessem as variantes brasileira (no Brasil) e portuguesa (em Portugal e PALOP)? Uma das maiores objecções de Angola tem sido, precisamente, o facto de o AO90 não atender às especificidades da Língua Portuguesa naquele país. Em rigor, a posição de Portugal deveria ser idêntica, pois é certo que AO90 também não atende às especificidades do Português de Portugal.

Não quisemos terminar a nossa intervenção sem regressar à questão dos defeitos do Acordo Ortográfico de 1990. Há que reconhecer que é até difícil considerá-lo uma norma porque uma norma devia poder ser aplicada por qualquer pessoa e produzir sempre o mesmo resultado e não é isso que acontece. Sem os correctores ortográficos instalados  nos computadores a aplicação do Acordo Ortográfico seria praticamente impossível, mas com os “corretores” também não é nada fácil porque existem vários, contraditórios entre si e qualquer deles igualmente caótico. O Acordo Ortográfico não veio resolver nada, inclusivamente em termos de traduções porque, apesar desse “acordo”, continua a ser necessário produzir uma versão para o Brasil e outra para os restantes países.

Concluindo a audiência, referimos ainda alguns outros aspectos relevantes.

Por exemplo, há um pormenor que é significativo e diz bem da rejeição do AO90 na (e pela) sociedade portuguesa. À medida que os anos passam torna-se cada vez mais fácil recolher assinaturas. Basta montarmos uma banca para que as pessoas acorram em catadupa, agradecendo-nos e pedindo para continuarmos esta luta.

Também se tem dito que voltar atrás na aplicação do AO90 seria abrir a Caixa de Pandora, em particular para as crianças que já aprenderam segundo as novas regras. Há que dizer que a transição para o AO nunca se completou. Continua a haver escritores, órgãos de comunicação social e pessoas a título individual que não o utilizam, pelo que o contacto com a norma canónica sempre existiu e continua a existir. Mas verifica-se, isso sim, um aumento da dificuldade de aprendizagem de outras Línguas como o Inglês, em que os alunos passaram a escrever coisas como “projet” ou “ativities”, aplicando nas suas aulas de Inglês ou de Francês as “regras” absurdas do “acordo”, ou seja, abatendo a eito — mesmo em línguas estrangeiras — as consoantes ditas “mudas” que em Portugal foram “abatidas” consoante se escreve no Brasil.

Esse abate é indiscriminado e feroz, mas pretende-se apresentá-lo como natural e inevitável, ocultando assim a verdade. E a verdade é que a Caixa de Pandora já está aberta. Importa, agora, fechá-la.

gravação vídeo da audiência (ARTV)

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ILC-AO finalmente admitida na AR

fotografia de Rocío Ramos

Na sequência da “nota de admissibilidade” elaborada pela Divisão de Apoio ao Plenário e do respectivo despacho positivo de S. Excia. o Presidente da Assembleia da República, a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico foi finalmente admitida no Parlamento, tendo baixado à 12ª Comissão Permanente — que, nesta nova Legislatura, adopta a designação de Comissão de Cultura e Comunicação.

Depois da entrega da ILC em Abril e de dois pedidos de entrega de assinaturas suplementares (em Maio e em Setembro), a ILC-AO/Projecto de Lei 1195/XIIIª deixou de estar simplesmente “entregue” na AR, para passar finalmente à condição de “admitida”. E, por consequência, apenas aguardando agora o seu agendamento.

É certo que, desde Abril, a ILC-AO deu já alguns passos concretos. A simples entrega da ILC permitiu-nos colocar o tema do Acordo Ortográfico na ordem do dia, quer em reuniões com Partidos Políticos quer na campanha eleitoral que entretanto decorreu. Mas a actual mudança de estatuto é, sem dúvida, ainda mais importante. Desde logo, ao ser admitida a ILC, a Assembleia da República afasta de vez qualquer cenário de rejeição liminar, reconhecendo que esta Iniciativa cumpriu todos os requisitos formais e que o respectivo Projecto de Lei incide sobre matéria da competência do Parlamento. Outra coisa não seria de esperar mas é sempre bom vermos este passo concretizar-se expressamente.

Além disso — e isto será talvez o mais importante — torna-se claro, neste momento, que só algo muito (mas mesmo muito) estranho poderá agora impedir o debate e votação da ILC-AO em sessão plenária.

O regresso da questão ortográfica ao Parlamento deixou finalmente de ser uma possibilidade e passou a ser uma certeza. Graças à nossa ILC, os deputados passam a dispor da oportunidade de corrigir o colossal erro histórico ocorrido naquele mesmo plenário, em 2008, quando os deputados de então aprovaram o II Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico — uma aberração partidária fabricada à medida para fazer passar à força o AO90, uma aberração política.

Não caberá aqui recapitular toda a nossa longa luta contra ambas as aberrações, lá chegaremos, mas para já conviria dizer que ainda não ultrapassámos todas as barreiras.

Estes serão os próximos (e derradeiros) passos de tramitação: a Comissão de Cultura irá nomear um dos seus membros como “deputado relator” para, num prazo de trinta dias, elaborar um relatório sobre o nosso Projecto de Lei. Durante esta fase, a nossa Comissão Representativa será naturalmente ouvida na Comissão de Cultura. Quando receber o relatório, o Presidente da Assembleia da República promoverá o agendamento da apreciação da ILC-AO para uma das dez sessões plenárias subsequentes.

Não deixa de ser um momento simbólico para uma Iniciativa Legislativa que se viu muitas vezes obrigada a atravessar o deserto, sempre sem o apoio de quaisquer Partidos, sindicatos, estruturas organizadas (ou mesmo desorganizadas), organismos (públicos ou privados), ordens de qualquer tipo ou entidades profissionais de qualquer género ou sequer de grupos organizados de apoiantes e voluntários.

Esta foi desde sempre e continuará a ser enquanto for preciso uma verdadeira Iniciativa Legislativa de Cidadãos — Causa nacional, transversal, independente e livre.

(fotografia de Rocío Ramos)

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A ILC-AO e o PS

Depois da entrega da ILC-AO no Parlamento, no passado dia 10 de Abril, uma das nossas primeiras medidas foi a de pedirmos audiências com todos os partidos políticos com representação parlamentar na XIII Legislatura, que agora termina.

De todos aqueles Partidos, apenas o PS não respondeu.

Em Junho, numa altura em que a maior parte das reuniões já se tinha realizado, renovámos o pedido de contacto formal, salientando que, das forças políticas contactadas, “o confronto de ideias com o Partido Socialista a propósito do Acordo Ortográfico é um dos que aguardamos com maior expectativa”.

De novo, o PS não respondeu a este nosso segundo apelo e, entretanto, a ronda de contactos com os restantes seis Partidos completou-se mesmo, com a última reunião a ter lugar com o PAN no dia 17 de Setembro.

Em maior ou menor grau, todas as audiências foram produtivas — mesmo para os partidos que “adotaram” o Acordo Ortográfico o assunto está longe de estar encerrado. Pelo contrário, parece mesmo haver um interesse renovado por esta questão, como se viu na recente campanha eleitoral. Na verdade, a ILC-AO sugeriu, em todas estas reuniões, que o problema do AO fosse referido nos respectivos Programas Eleitorais para as eleições de 6 de Outubro. Coincidência ou não, o facto é que uma parte significativa destes Partidos acabou por salientar o tema, com destaque para o CDS-PP e para o PSD. O PCP não o fez, expressamente, mas é conhecido o historial deste Partido na luta contra o Acordo Ortográfico. Sem surpresas, o AO90 esteve mais presente nesta campanha eleitoral do que nas de 2015 e 2011.

O que pensam os deputados do Grupo Parlamentar do PS quanto a esta questão? Alguma vez foram consultados? Houve debate interno? Quando aprovaram a RAR 35/2008 limitaram-se a seguir as ordens da sua direcção partidária? Saberão, ao certo, o que é o AO90, ou tê-lo-ão lido, ao menos em parte?

Na falta de uma reunião, dada a total obscuridade do PS nesta matéria (que nele se reveste da aura misteriosa de um verdadeiro tabu), vemo-nos obrigados a ler nas entrelinhas dos documentos e a interpretar os raríssimos sinais que de vez em quando transpiram do Largo do Rato.

Em 2013, a ILC-AO foi a primeira entidade a ser recebida no âmbito do Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico. A representante do PS neste Grupo de Trabalho era, à data, a deputada Gabriela Canavilhas.

Na sua intervenção Gabriela Canavilhas disse que “foi identificada a necessidade de um Acordo”, mas acrescentou que “se ele [o AO90] não serve a sociedade portuguesa, cá estaremos para fazer a avaliação política dessa posição da sociedade civil”. De caminho, perguntou-nos ainda se a ILC era contra a ideia de um Acordo, seja ele qual for, ou apenas contra este Acordo.

Como se imagina, estas declarações dariam pano para mangas, a começar pela “necessidade de um acordo”. Foi identificada a necessidade de um Acordo? Por quem? E como foi esse diagnóstico validado?

Na verdade, esse debate quase acontecia ali, na própria sala de audiências. No final da reunião, já em conversa informal, a deputada não escondeu o seu interesse no aprofundamento destas questões e a sua apetência, que nos pareceu genuína, pelo confronto de ideias e pelo diálogo. Gabriela Canavilhas chegou mesmo a lamentar que outros compromissos já assumidos não lhe permitissem ficar mais tempo à conversa no final da audiência.

Fast forward” para 2017 e para nova audiência, desta feita com outro Grupo de Trabalho cuja inovadora denominação era “Avaliação do Impacto da Aplicação do Acordo Ortográfico de 1990”. O representante do PS é agora o deputado Diogo Leão, que se limitou a dizer que a posição do PS é conhecida (?) e, portanto, não acompanha o nosso Projecto de Lei. Em resposta à nossa menção do cAOs que vigora actualmente disse apenas que este já era esperado e acontece, naturalmente, sempre que há mudanças na Ortografia.

O contraste com a sua antecessora foi flagrante: sem nunca olhar de frente os interlocutores (nós), Diogo Leão (certamente por motivos de força maior) abandonou a reunião logo após o seu discurso, não tendo chegado a ouvir a segunda parte da nossa intervenção nem o resto do encontro. Uma flagrante (e ostensiva) atitude de menosprezo por uma questão de evidente interesse nacional, atitude esta que tomamos a liberdade de interpretar como estritamente pessoal.

De 2013 para 2017 o PS parece ter cristalizado nesta ideia fixa: a Língua sempre “evoluiu”, e é natural que as pessoas tenham dificuldade em adaptar-se. O PS — ou, melhor dizendo, alguns deputados do PS — continuam a confundir evolução da Língua com evolução da Ortografia e esquecem-se de que já não vivemos na Idade Média: a Ortografia já não é decidida por monges copistas em mosteiros. Em 1911, para o bem e para o mal, procedeu-se pela primeira vez à fixação de uma norma ortográfica e dessa fixação resulta (ou devia resultar) a estabilidade — uma das maiores virtudes e razão de ser de qualquer norma.

O Acordo Ortográfico é actualmente um problema grave que afecta sobretudo as crianças e jovens, a população estudantil. Recordamos que, historicamente, o ensino do inglês sempre foi um drama no Brasil, enquanto Portugal parece exibir uma propensão quase genética para o multi-linguismo. Este fenómeno tem uma explicação simples: a maior proximidade entre a estrutura do Português Europeu e a das principais Línguas da Europa. As mesmas raízes culturais, uma História milenar em comum, referências identitárias que se interligam. Portanto, a mesma matriz greco-latina. Aos alunos ensina-se actualmente gato por lebre: um arremedo de norma ortográfica isolacionista, que descarta o seu próprio património histórico e não augura boas (ou quaisquer) perspectivas para o futuro.

Estamos de facto com um problema em mãos, que o PS não pode continuar a ignorar. Pelo contrário, seria de todo o interesse termos o PS a fazer parte da solução e não do problema. É claro que resolver o AO sem o Partido Socialista não é impossível. Mas essa via está longe de ser desejável. O PS tem, no seu historial, um passado de resistência ao Acordo Ortográfico, personificado em nomes como Manuel Alegre, Manuel Maria Carrilho e Francisco Assis, entre muitos outros. A ILC-AO, enquanto estrutura completamente apartidária, conta certamente com largos milhares de militantes socialistas entre os seus subscritores, que veriam com bons olhos um novo olhar do PS sobre este assunto.

A origem do Acordo Ortográfico de 1990 perde-se na noite dos tempos. Há quem recue a Cavaco Silva, há quem aponte o dedo à Academia Brasileira de Letras, há quem recue ainda mais, até Lindley Cintra e aos colóquios luso-brasileiros dos anos sessenta. Entre os campeões do recuo, encontramos o próprio Malaca Casteleiro, para quem o AO90 resolve (diz ele) o cisma criado (diz ele) pela reforma de 1911. Pela nossa parte, dispensamos o exercício.

Contamos com todos, PS incluído, para que se tenha a humildade de reconhecer que algures, alguém, certamente animado por boas intenções, cometeu um erro, gerou um monstro, inventou um problema. Hoje, o Acordo Ortográfico é um insuportável estorvo: uma armadilha para as nossas crianças, uma força de bloqueio no seio da CPLP, um corpo estranho na literatura em Português, no jornalismo, na tradução, no intercâmbio cultural por extenso, no Ensino a todos os níveis. É tempo de eliminarmos esse estorvo e de seguirmos em frente. Oportunidades não faltarão — a começar pela apreciação da própria ILC-AO na próxima Legislatura.

Respondendo, à distância de quatro anos, a Gabriela Canavilhas: pronunciarmo-nos sobre qualquer outro Acordo que não o AO90 cairia fora do âmbito desta ILC. Contudo, parece-nos que será do mais elementar bom senso garantir que, num Acordo, cada país possa contribuir com aquilo que verdadeiramente lhe pertence. Só assim a troca será realmente enriquecedora. Com o AO90 não há troca alguma, há apenas imposição. E perdemos todos um património intangível para que meia dúzia ganhe sabe-se lá o quê.

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A ILC-AO na XIV Legislatura

Depois da entrega de (mais de) 20.000 assinaturas no passado dia 10 de Abril, como tem sido o percurso da ILC-AO na Assembleia da República?

O primeiro passo foi bastante rápido: à ILC foi de imediato atribuída uma numeração e passámos a ser o Projecto de Lei 1195/XIII — uma designação que irá manter-se, apesar de estarmos a caminho da XIV Legislatura. Já as etapas seguintes têm levado o seu tempo. No dia 17 de Maio, foi-nos solicitado que reuníssemos “dados em falta” em 1.226 subscrições. Como os “dados em falta” eram a data de nascimento (que, de início, não era necessária) ou o Nº de Eleitor (entretanto eliminado), à Comissão Representativa desta ILC não restava outra hipótese que não a recolha de mais 1.024 novas assinaturas para que, segundo os algo voláteis critérios parlamentares, a ILC-AO atingisse o mínimo de 20.000 subscrições válidas. No dia 1 de Julho entregámos em mão um dossier com 1.694 novas assinaturas. Feitas as contas, o total acumulado subia de 20.202 para 20.830, apesar das subscrições invalidadas pelos serviços parlamentares.

Seguiu-se a fase da “validação fina” das subscrições, solicitada pela Assembleia da República ao Instituto de Registos e Notariado. Os resultados dessa análise foram-nos comunicados no passado dia 16 de Setembro: tendo o IRN determinado uma percentagem de subscrições inválidas na ordem dos 4,4%, pede-nos a Assembleia da República o envio de… mais 86 novas subscrições. Como habitualmente, foi-nos dado um prazo de 30 dias úteis para cumprirmos esta disposição.

Ora, entre 6 e 22 de Setembro, a ILC esteve em plena campanha de recolha de assinaturas na Feira do Livro do Porto, uma acção em que se juntaram à nossa iniciativa cívica mais 1.219 cidadãos. Estamos neste momento a proceder ao levantamento dos dados destas subscrições mas é seguro dizer que as 86 novas assinaturas requisitadas pela AR estão garantidas e, assim sendo, a ILC-AO ultrapassará sem problemas mais esta barreira. E, mais uma vez, o número total de subscritores voltará a subir, ultrapassando em muito as exigidas e todas as exigências.

Os próximos capítulos desta odisseia decorrerão já na próxima Legislatura. Como é do conhecimento geral, com o final de uma Legislatura caducam todos os Projectos de Lei que não tenham sido apreciados e votados. Todos… excepto os que resultam de Iniciativas Legislativas de Cidadãos. Nos termos do Art. 13 da Lei 17/2003, para que uma ILC transite para a Legislatura seguinte basta um simples requerimento dirigido a S. Excia. o Presidente da Assembleia da República, desde que não tenha ainda decorrido mais de um ano sobre a entrada dessa ILC no Parlamento. Como esta ILC deu entrada no dia 10 de Abril de 2019, teríamos até ao dia 10 de Abril de 2020 para o fazermos.

Naturalmente, não fazia qualquer sentido esperarmos pelo final do prazo: no passado dia 17 de Agosto, sendo já evidente que a ILC não iria ser votada antes das próximas eleições, a 6 de Outubro, enviámos ao Senhor Presidente da Assembleia da República esse pedido formal. No dia 23 de Agosto o Gabinete do Presidente acusou a recepção.

Esta era uma formalidade simples, mas que cumprimos com dedicação, atendendo ao seu grande simbolismo. Em vésperas de eleições, são poucas as certezas quanto ao futuro da Língua Portuguesa. Ao formular este pedido ao Sr. Presidente da Assembleia da República a ILC-AO garante que o Acordo Ortográfico irá manter-se na agenda do Parlamento. Deste modo, sabemos pelo menos que o Acordo Ortográfico continuará a estar em cima da mesa. Enquanto existir, o chamado “elefante na sala” continuará a ser um estorvo — e a ILC-AO tudo fará para que esse estorvo não passe despercebido.

Esperamos mesmo que a ILC possa ser, na próxima Legislatura, o motivo ideal para que se “abram as portas da sala”.

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