Na nossa boa-fé, julgávamos ter entregue na Assembleia da República uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos capaz de suscitar o debate sobre o Acordo Ortográfico e, especificamente, sobre o facto de o Parlamento viabilizar, com a aprovação da Resolução n.º 35/2008, a implementação do AO90 em Portugal, bastando, para tal, a ratificação desse mesmo AO90 por apenas três países (num universo de oito).
Para nossa grande surpresa, verificamos que, afinal, o nosso Projecto de Lei suscitou um intenso debate, sim, mas sobre coisas que nada têm que ver com Ortografia.
Para tudo esta ILC tem servido de mote: desde a própria razão de ser de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos, até à noção de constitucionalidade de uma Lei, passando por questões tão díspares como o Regimento da Assembleia da República ou a velha dicotomia entre democracia participativa e democracia representativa. Não se pode dizer que, por parte do Parlamento, não tenha havido argumentação.
Não foi, infelizmente, a argumentação que esperávamos. A Grande Questão, aquela que verdadeiramente importa debater, continua arredada do Plenário.
Não é fácil percebermos o que aconteceu.
Uma explicação possível poderá ser esta: no que ao Acordo Ortográfico diz respeito, os dois maiores partidos portugueses estão convencidos de que as reformas ortográficas são um fenómeno natural que acontece desde sempre — e desde sempre deram azo a resistências.
Por esta ordem de ideias, toda a contestação que um Acordo Ortográfico possa merecer não passa, também ela, de uma sequela natural, que desaparecerá com o tempo — mesmo que essa contestação chegue ao ponto de se constituir como Iniciativa Legislativa de Cidadãos, mesmo que esse tempo de rejeição pareça, afinal, não ter fim.
PS e PSD acreditam tão cegamente nesta “verdade absoluta” que nada nem ninguém consegue demovê-los. É uma crença que raia a alucinação, como se vê pelas palavras do ainda ministro dos Negócios Estrangeiros que assegura ver no Acordo Ortográfico “um dos Tratados de maior sucesso na história dos Tratados”.
Há quem avance outras explicações, porventura mais realistas. De facto, não é fácil associar Augusto Santos Silva a tamanha dose de lirismo e a tanto fervor lusófono. As verdadeiras razões para o Acordo Ortográfico serão outras, com a ortografia e o Português Europeu sacrificados e servidos de bandeja, usados como respaldo de uma Comunidade de Estados mais vocacionada para o comércio e para a circulação de pessoas e bens do que para a promoção de um verdadeiro encontro entre culturas.
Seja qual for a verdadeira “raison d’être” do Acordo Ortográfico, o facto é que, para o chamado “bloco central”, o AO90 é considerado intocável. Neste contexto, a tramitação desta Iniciativa Legislativa foi sempre vista, no Parlamento, como um aborrecimento, uma provocação legislativa que se suporta com maior ou menor paciência, mas à qual em circunstância alguma se deverá permitir que produza resultados.
Pelo contrário: a haver resultados, estes serão o exacto oposto daquilo que pretendem os subscritores desta Iniciativa. Ficará esta ILC-AO como aviso para que nunca mais os opositores do Acordo Ortográfico tenham a veleidade de recorrer a esta via na sua luta em defesa do Português Europeu.
Para atingir este objectivo — o objectivo de anular uma ILC — tem valido tudo: dilatação absurda de prazos, num teste à paciência dos subscritores e ao arrepio da Lei, desvio do debate do essencial para o acessório, alterações cirúrgicas da Lei que rege as ILC. No palácio dos Passos Perdidos, a Assembleia da República “abriu o livro” e presenteou-nos com a sua proverbial capacidade para responder a alhos com bugalhos.
Por este motivo, muito nos penitenciamos, nós, Comissão Representativa da ILC-AO, por andarmos desde 2019 a consumir o tempo e os recursos dos representantes da Nação com assuntos que nada importam à Ortografia e que, acima de tudo, não são os que levaram os apoiantes desta Iniciativa Legislativa a confiarem-nos a sua assinatura.
É em nome desses mais de vinte mil subscritores, aos quais devemos uma explicação, que aqui deixamos uma pequena cronologia desta Iniciativa Legislativa de Cidadãos.
A exposição que se segue serviu de base a uma queixa apresentada junto da Provedoria de Justiça — da qual, esperamos, resultará uma recomendação para que a Assembleia da República, no cumprimento da Lei, agende esta Iniciativa Legislativa.
Dupont & Dupond
INTRODUÇÃO
Não é possível dissociar a existência desta Iniciativa Legislativa de Cidadãos da luta contra o Acordo Ortográfico de 1990. Não terá havido um único dos mais de 20.000 subscritores desta ILC que não tivesse presente, no momento da sua assinatura, o carácter pernicioso do Acordo Ortográfico enquanto instrumento de descaracterização da nossa Língua e, consequentemente, da nossa identidade. Porventura, alguns talvez não tivessem adivinhado, nessa altura, a verdadeira extensão desse agravo. Hoje, é cada vez mais evidente o uso descuidado da Língua, fruto da noção instalada de facultatividade, que resvala frequentemente para o “tanto faz” ou para o “está bem das duas maneiras” — a já célebre mistura normativa, a que não escapa a maior parte da comunicação social e o próprio Diário da República.
No entanto, se a dimensão do desastre pode surpreender, o desastre em si era previsível. O Acordo Ortográfico é conhecido pela quantidade de pareceres negativos que reuniu, com a notável excepção do parecer do autor do próprio Acordo. Muitas foram as vozes que, avisadamente, alertaram para a falta de coerência da norma proposta, para a total ausência de sustentação académica, para a sua completa desadequação ao sistema vocálico português e para a falta de debate que envolveu a implementação do Acordo Ortográfico.
Para cúmulo, assistimos hoje em dia ao absurdo da não vigência do AO90 na maior parte do espaço lusófono, contrariando a toda a linha o objectivo (impossível) da união ortográfica. Se a Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 não tivesse sido aprovada, ter-se-ia evitado este fiasco completo. Também por este motivo, a ILC-AO propõe a revogação desta Resolução e a realização de estudos complementares que atestem a viabilidade económica, o impacto social e a adequação do Acordo Ortográfico ao contexto histórico, nacional e patrimonial em que se insere.
No caso português, os efeitos nocivos do AO90 fazem-se notar ainda no crescente apagamento do Português Europeu em favor do Português do Brasil. As especificidades do Português Europeu que, na letra do Acordo, ficaram salvaguardadas (tais como “facto” ou “contacto”) são, na prática, constantemente esquecidas, varridas pela enorme pressão do Português do Brasil sobre o Português Europeu. Esta pressão, que já existia mesmo sem Acordo Ortográfico, deixou agora pura e simplesmente de ser estancada. No campo da tradução, o cenário é ainda mais desastroso. À boleia da ortografia, a própria sintaxe e o vocabulário do Português Europeu são ignorados — sendo agora uma Língua “universal”, nada impede que filmes e livros nos cheguem, pura e simplesmente, legendados ou traduzidos em Português do Brasil.
Há, de facto, uma luta que é preciso travar e um resgate da nossa identidade que tem de ser feito.
No entanto, na sua quase candura, o Projecto de Lei preconizado por esta Iniciativa Legislativa é surpreendentemente inócuo do ponto de vista ortográfico. A ILC-AO não revoga o Acordo Ortográfico e não anula sequer o 2º Protocolo Modificativo desse mesmo Acordo. Pretende, simplesmente, a revogação da RAR n.º 35/2008 de 29 de Julho — a Resolução em que a Assembleia da República aceita como bom o princípio contido no 2º Protocolo Modificativo, segundo o qual três países serão suficientes para dar vida a um Acordo que prevê a sua utilização por oito.
ENTREGA DA ILC-AO
Esta Iniciativa Legislativa foi entregue na Assembleia da República no dia 10 de Abril de 2019. Nesse mesmo dia, recebeu a designação de Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª e foi publicada no Diário da Assembleia da República n.º 85 — II Série-A.
Como se percebe pela consulta desse documento, constata-se que o texto da ILC foi “acordizado” nesta sua reprodução no Diário da Assembleia da República. Tratou-se de uma medida abusiva porquanto, como é evidente, o texto de um Projecto de Lei, seja ele qual for, deve ser mantido na íntegra, ao abrigo de “edições” ou “correcções” que não as dos seus autores ou as que forem acordadas em sede de debate parlamentar. Só assim será possível proteger o processo legislativo, evitando a sua contaminação por factores estranhos, passíveis de influenciar as fases seguintes, do debate e da votação sobre a matéria em questão. A ILC-AO solicitou ao Presidente da Assembleia da República a reposição do texto original invocando a condição “ne varietur” que deve estar subjacente a qualquer proposta de Lei mas esta mensagem não obteve resposta.
Infelizmente, a ausência de resposta por parte da Assembleia da República, ou a resposta apenas a parte das questões levantadas, viria a revelar-se uma constante ao longo de toda a tramitação da ILC-AO.
Depois de entregue, a apreciação da ILC-AO, numa primeira fase, ficou a cargo da Divisão de Apoio ao Plenário (DAPLEN). Competiu a esta Divisão a validação das assinaturas entregues, bem como a elaboração de uma nota técnica e de uma nota de admissibilidade.
Esta Divisão deu início a um processo rigoroso, tendo-nos exigido, por duas ocasiões, a entrega de mais assinaturas. Numa primeira ocasião, em Junho de 2019, foram-nos solicitadas mais 1.024 assinaturas, tendo a ILC-AO entregue 1.694. Em Setembro de 2019, já depois da análise do Instituto de Registos e Notariado, são-nos pedidas mais 86 subscrições, tendo a ILC-AO entregue 1.385. Nas duas ocasiões, a Divisão de Apoio ao Plenário definiu prazos de 30 dias úteis para a entrega das assinaturas em falta, o que explica a morosidade desta fase do processo. Oficialmente, a ILC-AO passou a contar com 21.206 subscritores.
Apesar de tudo, a apreciação da Divisão de Apoio ao Plenário foi justa, como se pode verificar pelos documentos produzidos — Nota de Admissibilidade e Nota Técnica. Chamamos a atenção para este último documento, de 14 páginas, que reuniu contributos da Divisão de Apoio ao Plenário, da Divisão de Apoio às Comissões, da Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar e da Biblioteca da Assembleia da República e que acaba por ser o único em que o Parlamento verdadeiramente aborda questões de conteúdo, salientando o que está em causa na nossa proposta de revogação da RAR n.º 35/2008. Já a Nota de Admissibilidade é taxativa na sua conclusão de que “A apresentação desta iniciativa cumpre os requisitos formais de admissibilidade previstos na Constituição, no Regimento da Assembleia da República e na Lei sobre a Iniciativa Legislativa dos Cidadãos.” O destaque a negrito é da própria Divisão de Apoio ao Plenário.
Com base nestes dois documentos, S. Excia. o Presidente da Assembleia da República admitiu formalmente a ILC-AO no dia 6 de Novembro de 2019. Nesse mesmo dia, esta Iniciativa legislativa baixou à 12ª Comissão (Comissão de Cultura e Comunicação), para elaboração do respectivo parecer. Foi designado relator o deputado Pedro Cegonho (PS).
INCUMPRIMENTO DE PRAZOS
Eis-nos chegados ao cerne da questão. Nos termos do n.º 1 do Artigo 10.º da Lei n.º 17/2003 de 4 de Junho (Iniciativa Legislativa de Cidadãos), “Recebido o parecer da comissão ou esgotado o prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o Presidente da Assembleia da República promove o agendamento da iniciativa para uma das 10 reuniões plenárias seguintes, para efeito de apreciação e votação na generalidade”. No n.º 1 do artigo anterior, relativo ao Exame em Comissão, lê-se que “Admitida a iniciativa, o Presidente da Assembleia da República ordena a sua publicação no Diário da Assembleia da República e remete-a à comissão especializada competente para, no prazo de 30 dias, elaborar o respectivo relatório e parecer”.
Sucede que, apesar dos nossos protestos, o relatório final do deputado Pedro Cegonho só seria publicado no Diário da Assembleia da República no dia 16 de Julho de 2020, ou seja, oito meses e dez dias depois de ter baixado à 12ª Comissão. De referir que a página da ILC-AO no sítio do Parlamento [https://www.parlamento.pt /ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43665] apresenta como data de “envio do relatório ao Presidente da Assembleia da República” o dia 29 de Junho de 2020. No entanto, para efeitos da contagem do referido prazo de 30 dias, deve considerar-se este dia 16 de Julho, ou, quando muito, o dia da sua aprovação na Comissão de Cultura, 14 de Julho.
Como é evidente, a data de “envio do relatório ao Presidente da Assembleia da República” não pode ser anterior ao dia em que esse relatório final é aprovado na Comissão de Cultura e Comunicação. Esta Iniciativa Legislativa só viria a ser apreciada na Conferência de Líderes (órgão que decide a agenda do Plenário), no dia 16 de Setembro de 2020, ou seja, dez meses e dez dias depois da sua admissão formal pela Assembleia da República.
Mesmo que a contagem do tempo seja feita apenas em termos de dias úteis; mesmo considerando que poderão existir factores suspensivos da contagem do tempo — embora a Lei n.º 17/2003 não os refira — estamos certos de que o prazo de 30 dias prescreveu muito antes de Julho de 2020.
A ILC-AO foi recebida em audiência pela Comissão de Cultura no dia 19 de Novembro de 2019 e reuniu com o deputado-relator no dia 18 de Dezembro de 2019, naquele que seria, formalmente, o último dia do prazo previsto na Lei. Nesse encontro, Pedro Cegonho aludiu à necessidade de se deslocar ao estrangeiro como justificação para um eventual pequeno atraso na entrega do seu relatório, o que aceitámos, de boa-fé, sem cuidarmos sequer de saber se essa deslocação constituía uma suspensão legal, ou apenas informal, da contagem do tempo. Nunca foi nossa intenção saltarmos etapas no processo legislativo. Pelo contrário, considerámos sempre que a existência de um relatório consistente e enquadrador da problemática do Acordo Ortográfico seria benéfica para o debate posterior.
Somente no dia 8 de Junho de 2020, quando o atraso já se nos afigurava insustentável, tomámos a liberdade de contactar o Gabinete do Presidente da Assembleia da República, solicitando, nos termos da Lei, o agendamento do debate e votação da Iniciativa. Infelizmente, mais uma vez, esta mensagem não obteve qualquer resposta. Seria necessário aguardarmos ainda mais de três meses, até à referida reunião da Conferência de Líderes em Setembro. Nunca nos foi dada qualquer explicação sobre a contagem do tempo ou para o atraso enorme com que a ILC-AO foi apreciada naquele órgão.
Este atraso, por si só, já seria sempre prejudicial, porquanto se sabe que os tempos de espera nunca são neutros, e favorecem geralmente “a situação”. No caso vertente, os dez meses de decorridos desde a admissão da ILC-AO até à sua apreciação em Conferência de Líderes foram (mais) dez meses em que o Acordo Ortográfico continuou a implementar-se sem contraditório ou sem um debate digno desse nome — um adiamento que, na prática, continua a somar-se até ao momento presente.
No entanto, para esta ILC-AO, o prejuízo não se limitou ao simples atraso. Analisando todo este processo em retrospectiva, parece-nos hoje evidente que o deputado- relator precisou de tempo para contrariar a Nota de Admissibilidade dos próprios serviços da Assembleia da República — e pôde tomá-lo para si, tranquilamente, sem que daí resultasse o agendamento do debate da ILC-AO, nos termos da Lei.
No dia 3 de Março de 2020 a Comissão de Cultura aprova uma proposta do deputado- relator em que este, expressando “dúvidas” sobre a constitucionalidade do Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª, solicita o apoio da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1ª Comissão).
Devemos dizer que as “dúvidas” do deputado-relator não são compreensíveis. O parecer não se limita a contrariar as conclusões da Nota de Admissibilidade, mas desafia também o simples senso comum ao declarar que a Assembleia da República não é competente para reavaliar uma sua Resolução. Recordamos que o Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª não revoga o Acordo Ortográfico nem o II Protocolo Modificativo, que permaneceria válido, nos mesmos termos em que foi acordado em São Tomé e Príncipe em 2004, no âmbito da V Conferência da CPLP. Do mesmo modo, a ILC-AO não belisca a liberdade que assiste ao executivo para, se assim o entender, submeter ao Parlamento uma nova proposta com vista à sua introdução na ordem jurídica portuguesa. Mais se infere que a reavaliação da Resolução n.º 35/2008, volvidos mais de doze anos sobre a sua aprovação, constituiria também um exercício do dever de fiscalização da acção governativa que compete à Assembleia da República.
Pelo exposto, concluímos que as “dúvidas” do deputado-relator talvez não possam ser dissipadas, mas não é possível transformá-las em “certezas”, no sentido da inconstitucionalidade. Só perante uma “certeza” seria possível — mas não obrigatório — rejeitar liminarmente o debate de uma Iniciativa Legislativa com base na sua suposta inconstitucionalidade.
Na sequência do pedido da 12ª Comissão, a 1ª Comissão nomeou, no dia 11 de Março de 2020, um novo deputado-relator, Pedro Delgado Alves (PS), com o objectivo de aprofundar a análise da conformidade constitucional da ILC-AO. Seria necessário aguardarmos mais uns meses, até ao dia 24 de Junho de 2020, para que a 1ª Comissão aprovasse este novo parecer e o remetesse à 12ª Comissão.
CONDICIONAMENTO DA OPINIÃO PÚBLICA E DA PRÓPRIA AR
A aprovação deste parecer da 1ª Comissão foi, também ela, polémica. No dia 23 de Junho, véspera da reunião da Comissão, eis que surgem na Comunicação Social informações sobre o parecer em questão, dando como certa a conclusão de que um “Acordo ortográfico não pode ser suspenso por cidadãos” (Rádio Renascença e outros) [v. compilação de notícias publicadas nessa ocasião https://cedilha.net/ap53/2020/06/ilc-no-parlamento/].
Ao apresentar o parecer da CACGLG como um facto consumado, a Comunicação Social acaba por condicionar a opinião pública e a própria Assembleia da República, a começar pelos deputados que terão de votar o relatório. A ILC-AO tentou contrariar esta abordagem da comunicação social, enviando a sua própria circular à imprensa — da qual não houve registo de qualquer eco nos vários órgãos de comunicação.
UM PARECER PARCIAL
A ILC-AO, nunca tendo sido contactada pela 1ª Comissão, desconhecia naturalmente o conteúdo do parecer de Pedro Delgado Alves e, como tal, só teve conhecimento dessa informação pela comunicação social. Atendendo à apresentação enviesada deste assunto perante o público, a ILC-AO tentou, nesse mesmo dia, esclarecer as questões vindas a lume, em carta dirigida ao Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Luís Marques Guedes. Nesse contacto, que pedimos para ser distribuído pelos deputados com assento na 1ª Comissão, manifestámos a nossa estranheza pela divulgação da informação pela Comunicação Social e tentámos, na medida do possível, esclarecer as afirmações vindas a lume. Esta mensagem não teve resposta. Desconhecemos se a nossa informação foi prestada aos deputados. O certo é que, nesse dia 24 de Junho de 2020, o relatório de Pedro Delgado Alves, não sendo consensual, foi aprovado pela 1ª Comissão.
Resumidamente, o parecer da 1ª Comissão defende que deve haver um paralelismo entre os mecanismos de aprovação e de revogação de um Tratado Internacional como é o Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico. Deste modo, se a RAR n.º 35/2008 foi aprovada através de um Projecto de Resolução de iniciativa governamental, também a sua revogação deve ser desencadeada pelo Governo. Além disso, e por conseguinte, essa proposta de revogação deve assumir a forma de Projecto de Resolução e não de Projecto de Lei. Argumenta o parecer da 1ª Comissão que “o consenso doutrinal e a prática parlamentar consolidada apontam [nesse] sentido”.
O simples enunciado desta premissa é suficiente para a rebater: não pode haver “paralelismo” entre os processos de aprovação e de revogação de um Tratado, porquanto a figura da revogação de um Tratado nem sequer existe. Por conseguinte, temos alguma dificuldade em identificar o “consenso doutrinal” e a “prática parlamentar” a que se refere o deputado-relator. Ainda assim, permitimo-nos lembrar que “apontar no sentido” não é o mesmo que “obrigar”. O facto de as propostas de adesão a Tratados surgirem geralmente do executivo não significa que tenha de ser sempre dessa forma, nem que se crie uma obrigação de paralelismo para o processo, não de revogação, mas de denúncia ou de cessação da vigência de um Tratado. E muito menos se cria a “reserva de iniciativa do Governo” nesta matéria, sob pena de a Assembleia da República, numa matéria que é da sua competência — a aprovação ou reprovação de Tratados Internacionais — passar a estar atada de pés e mãos, transformando-se numa mera câmara de eco do executivo.
Todavia, ainda que, por mera hipótese académica, consideremos este raciocínio, o que importa termos presente é o facto de o Segundo Protocolo Modificativo continuar a existir, como já tivemos oportunidade de referir — ou seja, toda esta argumentação é lateral ao caso em apreço. Com a aprovação do Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª, Portugal não ficaria em pior situação do que outros países que ainda não ratificaram esse Tratado ou mesmo o próprio Acordo Ortográfico. Aí, sim, o reiterado incumprimento do AO90 por parte de quase todos os países de Língua Oficial Portuguesa deveria constituir factor de extinção da vigência dessa convenção.
Subsiste, por fim, a questão da forma, isto é, Projecto de Lei versus Projecto de Resolução. Sobre este assunto diremos apenas que não faz sentido que o debate sobre esta matéria seja travado por uma questão formal, tanto mais que, também aqui, e como veremos adiante, não há consenso entre os especialistas.
Nesta altura, considerando o completo desrespeito pelo prazo e pela letra da Lei n.º 17/2003 (taxativo na abertura das ILC a todas as matérias da competência da AR, salvaguardadas as excepções que a Lei também tipifica e nas quais a ILC-AO não incorre), o teor do parecer produzido pela CACDLG e o condicionamento da opinião pública através das notícias veiculadas à comunicação social, tornou-se evidente a intenção de evitar a todo o custo o debate sobre o nosso Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª. Numa tentativa de contrariarmos esse destino anunciado, solicitámos à Comissão de Cultura e Comunicação um esclarecimento sobre os próximos passos na tramitação da ILC-AO. Como esta mensagem não obteve resposta, deduzimos que o assunto estaria já nas mãos do Presidente da Assembleia da República.
Nesse pressuposto, enviámos ao Presidente da Assembleia da República, no dia 3 de Julho de 2020, uma primeira contestação ao parecer emitido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, um envio que repetimos dias depois, a 7 de Julho de 2020, com uma pequena adenda. Estas mensagens não obtiveram resposta.
Afinal, no dia 14 de Julho de 2020, já com base neste parecer da 1ª Comissão, o deputado-relator da 12ª Comissão reformula e faz aprovar, nessa mesma Comissão, uma nova versão do seu relatório — a já referida versão final do seu parecer, publicada em Diário da Assembleia da República dois dias depois, em 16 de Julho de 2020. Nesta nova versão, Pedro Cegonho propõe o não-agendamento da ILC-AO com base na sua suposta inconstitucionalidade.
Gostaríamos de salientar o facto de Pedro Cegonho, tanto no seu primeiro parecer como neste último, se escusar a apresentar a sua posição pessoal sobre o nosso Projecto de Lei. Todavia, enquanto no primeiro relatório remetia a posição do “grupo parlamentar em que se insere” para o “debate posterior”, nesta versão final propõe simplesmente a eliminação desse “debate posterior”.
A ILC-AO, perante este novo relatório, escreve novamente ao Presidente da Assembleia da República e a todos os líderes parlamentares com assento na Conferência de Líderes. Nessa mensagem, onde mais uma vez recordámos a existência de um prazo por cumprir, chamámos a atenção para os erros contidos no relatório e solicitámos novamente o agendamento do debate e votação em Plenário do Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª.
Por uma vez, esta mensagem obteve resposta. Em ofício datado de 24 de Julho de 2020, o Presidente da Assembleia da República faz saber que “é sua intenção levar as questões suscitadas à apreciação da Conferência de Líderes, no início da próxima Sessão Legislativa”.
Esta carta, aparentemente reveladora de algum acolhimento dos nossos protestos, é na verdade desastrosa. Recordamos que a nossa exposição tocava vários aspectos, desde a vertente da constitucional à questão central dos prazos definidos na Lei para o agendamento de Iniciativas Legislativas de Cidadãos. Ora, se a maior ou menor conformidade com a Lei Fundamental pode ser alvo de divergência e de discussão alargada, a Lei n.º 17/2003, na sua simplicidade, dispensa interpretações — deve apenas cumprir-se. E, como é evidente, o incumprimento da Lei não pode ser levado à conta de uma mera “questão suscitada”.
Com este ofício, o Presidente da Assembleia da República, que podia e devia promover por si só o agendamento do debate da ILC-AO, cumprindo a Lei, preparou-se para, em sede de Conferência de Líderes, abdicar dessa sua responsabilidade.
Devemos dizer que, durante largos meses, a Comissão Representativa da ILC-AO confiou na instituição Assembleia da República. Chegámos, inclusivamente, a participar na “dança de pareceres”, quando a questão da inconstitucionalidade do nosso Projecto de Lei foi levantada.
Por simples boa-fé — na qual reconhecemos hoje uma boa dose de ingenuidade — tentámos dar o nosso contributo para o debate, fazendo chegar às Comissões e aos deputados-relatores pareceres de nomes como Francisco Ferreira de Almeida ou José Lucas Cardoso, professores universitários de Direito que concluem, sem margem para dúvidas, que a ILC-AO é válida do ponto de vista constitucional e que o seu debate e votação em Plenário deve ser agendado. Vale a pena consultar, também, no “sítio” da ILC-AO, várias intervenções sobre esta matéria, com destaque para a recensão crítica ao parecer da 1.ª Comissão [https://ilcao.com/2020/07/08/o-parecer-da-comissao-de-assuntos-constitucionais-uma-obra-de-ficcao-juridica/].
À luz do que sabemos hoje, muito lamentamos não termos insistido, as vezes que fossem necessárias, no simples agendamento do debate e votação da ILC-AO/Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª, a partir do momento em que se esgotou o prazo de 30 dias previsto na Lei.
ALTERAÇÕES À LEI N.º 17/2003 (INICIATIVA LEGISLATIVA DE CIDADÃOS)
Infelizmente, o “atropelo processual” sofrido pela ILC-AO não se ficou pela inobservância do prazo para o seu agendamento. Em Julho de 2020, como vimos, é aprovado na Comissão de Cultura e Comunicação o parecer que considera a ILC-AO inconstitucional. Em Agosto de 2020 entra em vigor uma alteração cirúrgica ao n.º 1 do Artigo 10.º da Lei n.º 17/2003 (Iniciativa Legislativa de Cidadãos), nos seguintes termos:
Onde se lia
1 – Recebido o parecer da comissão ou esgotado o prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o Presidente da Assembleia da República promove o agendamento da iniciativa para uma das 10 reuniões plenárias seguintes, para efeito de apreciação e votação na generalidade.
Passa a ler-se
1 – Recebido o parecer da comissão ou esgotado o prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o Presidente da Assembleia da República promove o agendamento da iniciativa para uma das 10 reuniões plenárias seguintes, para efeito de apreciação e votação na generalidade, salvo se o parecer da comissão tiver concluído pela não reunião dos pressupostos para o respectivo agendamento.
Dada a coincidência temporal, é difícil não vermos neste acrescento uma alteração feita à medida desta Iniciativa Legislativa. Esta e outras medidas limitadoras da democracia participativa foram propostas nesta altura e levaram mesmo a um veto do Presidente da República. Nessa ocasião, Marcelo Rebelo de Sousa diria mesmo que “num tempo já complexo para a reforma e a actualização dos partidos políticos e de aparecimento de fenómenos inorgânicos sociais e políticos de tropismo anti-sistémico, tudo o que seja revelar desconforto perante a participação dos cidadãos não ajuda, ou melhor, desajuda a fortalecer a democracia. Com o devido respeito, afigura-se-me que o passo dado representa um sinal negativo para a democracia portuguesa e pode ser visto como um sinal de fechamento na Assembleia da República, na participação dos cidadãos e na vitalidade da própria democracia”.
Permitimo-nos ir um pouco mais longe: na sua nova redacção, o referido Artigo desafia a própria noção de “parecer”, transformando-o numa sentença, mesmo que não tenha merecido, como foi o caso da ILC-AO, a unanimidade da Comissão que o aprovou.
Em rigor, a Conferência de Líderes está agora legalmente condicionada a aceitar como válido qualquer parecer negativo remetido pelas Comissões, sob pena de incumprir a Lei. No caso de os “pressupostos” se enquadrarem no campo constitucional, esta alteração à Lei n.º 17/2003 poderá ela mesma ser inconstitucional, pois outorga às Comissões e em especial à 1ª Comissão, um poder que estas não podem nem devem deter — o poder de se substituírem ao próprio Tribunal Constitucional.
A APRECIAÇÃO EM CONFERÊNCIA DE LÍDERES
Apesar da polémica, esta alteração foi aprovada e é neste contexto de alteração cirúrgica da Lei — a que se soma o condicionamento da opinião pública e a total desconsideração pelo prazo legal para o seu agendamento — que, no mês seguinte, a ILC-AO/Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª chega finalmente à Conferência de Líderes.
A reunião da Conferência de Líderes teve lugar no dia 16 de Setembro de 2020. De acordo com o ofício recebido dias depois, a 21 de Setembro, o Presidente da Assembleia da República — apesar de manifestar, também ele, uma compreensível “dificuldade em compreender o motivo pelo qual uma iniciativa como esta, que põe em causa uma decisão da Assembleia da República, não possa ser discutida por esta” — acaba por confirmar os nossos piores receios, deixando nas mãos da Conferência de Líderes os destinos da ILC-AO.
Ora, como se sabe, a competência para o agendamento de uma Iniciativa Legislativa por esgotamento do prazo para a produção do respectivo relatório é do Presidente da Assembleia da República, e não da Conferência de Líderes. Apesar de as actas deste órgão não serem do domínio público, é lícito concluir que a questão do prazo, sendo ignorada pelo Presidente da Assembleia da República, também o foi pela Conferência de Líderes.
Tudo se resumiu, portanto, à apreciação de um relatório enviesado, entregue fora do prazo, num órgão em que as decisões são tomadas por votação e onde a influência dos diversos líderes parlamentares é proporcional ao peso da respectiva bancada. A ILC-AO, apesar de ter sido entregue na XIII Legislatura, está a ser escrutinada na XIV, na qual o Partido Socialista, o único que sempre recusou qualquer diálogo com esta Comissão Representativa, se tornou o Grupo Parlamentar mais expressivo. A ele pertencem os dois deputados que, julgamos que por sorteio, foram chamados a pronunciar-se sobre esta Iniciativa Legislativa.
A PROPOSTA DE CONVOLAÇÃO EM PETIÇÃO
Curiosamente, como se pode ler no Anexo 18, a Conferência de Líderes “mostrou abertura” à convolação da ILC-AO em petição, desde que nos termos indicados no relatório sobre o nosso Projecto de Lei, isto é, “petição junto da Assembleia da República, para que esta recomende ao Governo as medidas desejadas”.
Seria difícil conceber um exercício mais absurdo do que uma petição solicitando à Assembleia a aprovação de um Projecto de Resolução mediante o qual a AR resolve “recomendar ao Governo” as “medidas desejadas” — sendo que as “medidas desejadas” são, neste caso, a apresentação à Assembleia da República de um Projecto de Resolução que promova a revogação da RAR n.º 35/2008.
Trata-se de um jogo de “recomendo-te que me recomendes” desprovido de qualquer sentido, naturalmente condicionado à eventualidade de um qualquer deputado ou Grupo Parlamentar entender por bem corresponder à petição, materializando o respectivo Projecto de Resolução que, mesmo assim, estaria condenado ao fracasso, a exemplo do sucedido com todas as outras petições sobre o Acordo Ortográfico no Parlamento.
Na prática, e para todos os efeitos, a Conferência de Líderes rejeita o debate da ILC- AO. O aparecimento desta proposta, que a Conferência de Líderes sabia ser inaceitável, só se explica pela necessidade de diluir, junto da opinião pública, o ónus da opção pelo bloqueio liminar desta Iniciativa Legislativa.
Esta Comissão Representativa, em mensagem para o Presidente da Assembleia da República, respondeu à Conferência de Líderes no dia 8 de Outubro de 2020, nos seguintes termos:
1) Lembrando mais uma vez o imperativo moral do agendamento puro e simples da ILC-AO, tendo em conta os prazos previstos na Lei;
2) Propondo que, a haver convolação, se optasse pela convolação da ILC-AO, sim, mas directamente em Projecto de Resolução da própria AR, nos mesmos termos do nosso Projecto de Lei;
3) Recusando a convolação da ILC-AO em petição, explicando os motivos dessa recusa.
A resposta do Gabinete da Presidência não se fez esperar. Em ofício datado de 9 de Outubro de 2020, o Gabinete da Presidência identifica a nossa mensagem como a “missiva em que informamos declinar a pretensão de proceder à convolação da iniciativa em petição” e informa que foi dado conhecimento “da decisão” aos Grupos Parlamentares, Deputados Únicos Representantes de um Partido e Deputadas Não inscritas.
Naturalmente, protestámos, no dia 11 de Outubro de 2020, tendo em conta que a recusa da convolação em petição era o que menos importava na nossa mensagem.
Em resposta, o Gabinete do Presidente da Assembleia da República assegurou-nos que toda a nossa informação tinha sido transmitida aos Grupos Parlamentares, Deputados Únicos Representantes de um Partido e Deputadas Não inscritas.
À ESPERA DA CONFERÊNCIA DE LÍDERES
Desta troca de correspondência resulta que pelo menos o PAN e o PCP ponderam abordar novamente a questão da ILC-AO na Conferência de Líderes. Todavia, independentemente das eventuais iniciativas dos diversos Grupos Parlamentares, a própria Conferência de Líderes, pelas mais elementares regras de civilidade, teria de dar resposta à nossa última carta.
O facto é que essa resposta, até agora, não chegou.
A ILC-AO, pacientemente, esperou meses por esse agendamento. Numa atitude construtiva, publicou no seu sítio oficial diversos contributos para o debate, bem como diversos apelos ao agendamento:
https://ilcao.com/2020/12/10/continuamos-a-espera/ Dezembro de 2020
https://ilcao.com/2021/02/11/o-que-esta-em-causa/ Fevereiro de 2021
https://ilcao.com/2021/03/01/um-debate-por-haver/ Março de 2021
https://ilcao.com/2021/04/12/a-ilc-ainda-existe/ Abril de 2021
No dia 12 de Abril de 2021, a ILC-AO decide finalmente questionar o Presidente da Assembleia da República sobre este atraso, chamando a atenção para a página do Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª no sítio da Assembleia da República, “parada no tempo” há largos meses (nem arquivado, nem rejeitado, nem agendado) e recordando que, não estando a ILC-AO representada na Conferência de Líderes, cabe ao Presidente da Assembleia da República o dever de suscitar este debate naquele órgão, promovendo o respectivo agendamento.
No dia 27 de Abril de 2021, numa resposta a todos os títulos chocante, diz-nos o Gabinete da Presidência que a apreciação desta Iniciativa Legislativa de Cidadãos foi concluída na reunião de 16 de Setembro de 2020. Trata-se de uma não-resposta, que deixa em aberto todas as questões de fundo levantadas por nós — desde o agendamento da ILC-AO por força do prazo previsto na Lei n.º 17/2003 até à sugestão para a simples convolação da ILC-AO em Projecto de Resolução. Mas, acima de tudo, suscita outras questões que gostaríamos igualmente de ver respondidas:
• se a Conferência de Líderes não voltou a pronunciar-se sobre a ILC-AO, em que sede foi a nossa contra-proposta apreciada?
• se a apreciação da ILC-AO foi concluída na reunião de 16 de Setembro de 2020, por que motivo nos é enviada uma proposta de convolação da iniciativa legislativa em petição, alimentando legítimas expectativas da reapreciação deste assunto em sede de Conferência de Líderes?
Refira-se, a título de curiosidade, que a página da ILC-AO no sítio da Assembleia da República
[https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas /DetalheIniciativa.aspx?BID=43665],
certamente em função das nossas observações, foi finalmente actualizada, no final de Abril de 2021, com mais uma entrada com a seguinte nota:
2020-09-16 | Aguarda agendamento pela Conferência de Líderes
Obs: Iniciativa não agendada por não estarem cumpridos os requisitos constitucionais, legais e regimentais para o efeito (cfr. reunião da Conferência de Líderes do dia 16 de Setembro de 2020).
Deste modo, ficámos a saber, no final de Abril de 2021, que a ILC-AO passou ao estado de “a aguardar agendamento” no dia 16 de Setembro de 2020 para, nesse mesmo dia, ser decidido que não cumpre os “requisitos constitucionais, legais e regimentais” para o efeito.
Ao mesmo tempo, e mais uma vez, diz-nos ainda o Gabinete da Presidência que também esta última mensagem foi encaminhada para os diversos Grupos Parlamentares, Deputados Únicos Representantes de um Partido e Deputadas não- inscritas, bem como para a Comissão de Cultura e Comunicação.
CONCLUSÃO
Como referimos na nossa última mensagem para o Presidente da Assembleia da República, as Iniciativas Legislativas de Cidadãos não estão representadas na Conferência de Líderes — ao contrário dos deputados, autores da esmagadora maioria dos Projectos de Lei que são apreciados em Plenário. Se de facto se quer acarinhar a democracia participativa, a defesa dos Projectos de iniciativa cidadã deve caber ao Presidente da Assembleia da República. O Gabinete da Presidência não pode limitar-se ao papel de simples correio entre as ILC e os Grupos Parlamentares. Quando uma boa parte das questões por nós suscitadas interpelam a própria Presidência da Assembleia da República — com destaque para o não cumprimento do prazo previsto na Lei para o agendamento de Iniciativas Legislativas de Cidadãos — a Presidência não pode dar-se por satisfeita com o encaminhamento das nossas mensagens para “os diversos Grupos Parlamentares, Deputados Únicos Representantes de um Partido e Deputadas não-inscritas”.
Neste contexto, entendeu esta Comissão Representativa que o contacto entre a ILC-AO e o Parlamento se encontra inquinado. Numa tentativa de desbloqueio deste impasse, o presente relato e respectiva cronologia foram encaminhadas para a Provedoria de Justiça no passado dia 25 de Setembro.
Esperamos que Provedora de Justiça possa recomendar à Assembleia da República o simples cumprimento da legislação em vigor, através do agendamento do debate e votação na generalidade de Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª, nos termos da Lei n.º 17/2003.
Paralelamente, e porque o processo que envolve a ILC-AO transcende o simples âmbito desta Iniciativa, antes colocando em causa os limites da Democracia Participativa no nosso país, solicitamos que a Provedoria de Justiça solicite ao Tribunal Constitucional a apreciação da conformidade das alterações introduzidas na Lei n.º 17/2003 em Agosto de 2020, nomeadamente no seu Art.º 10º.
Por fim, no mais que inverosímil cenário em que a Assembleia da República pretenda justificar, regimentalmente ou por qualquer outra via, uma tamanha suspensão da contagem do tempo, solicitamos à Provedoria de Justiça que recomende ao Parlamento o agendamento do debate e votação na generalidade do Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª tendo em conta que os pressupostos de inconstitucionalidade que estão na base do seu afastamento não são credíveis.