É no mínimo irónico que a Câmara Municipal do Porto tenha decidido homenagear um combatente da Liberdade na edição deste ano da Feira do Livro da “invicta”.
Liberdade foi tudo o que não houve ontem, dia 12 de Setembro, quando três elementos da Polícia Municipal cercaram a “banca” da ILC contra o Acordo Ortográfico, obrigando à sua desmontagem e à cessação imediata da recolha de assinaturas.
De nada serviu invocarmos a Lei 17/2003, que diz expressamente que a recolha de assinaturas é livre e gratuita, e não pode ser impedida por quaisquer entidades públicas ou privadas. A isto responderam os agentes da autoridade que o espaço em questão — em plena Avenida das Tílias, nos Jardins do Palácio de Cristal — é um “espaço privado”.
Vale a pena recuar um pouco para contarmos esta história desde o princípio, ainda que sumariamente.
Muito antes do início da Feira do Livro contactámos a Câmara Municipal do Porto, solicitando apoio para levarmos a cabo mais uma campanha de recolha de assinaturas. A Organização da Feira do Livro respondeu-nos dizendo ter levando o assunto “à consideração superior” mas, “lamentavelmente“, o nosso pedido não foi deferido.
Argumentámos em resposta que, precisamente por se tratar de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos, a recolha de assinaturas está salvaguardada por Lei, ao que a Organização da Feira respondeu de novo, desta feita considerando que, efectivamente, “o exercício do direito de iniciativa não pode ser obstaculizado, razão pela qual não podemos impedir a recolha de assinaturas em questão durante o período da Feira do Livro”. Simplesmente, não podia ceder-nos um espaço para procedermos a essa recolha, visto “não dispor de condições técnicas e logísticas para o efeito“.
Neste contexto, optámos por levar a cabo a recolha de assinaturas numa das alamedas, junto a um banco de jardim, ainda que, por não termos um espaço na Feira, nos víssemos obrigados a recolher e a transportar connosco todos os nossos materiais no final de cada dia. Assim fizemos durante quatro dias seguidos, sem recurso a quaisquer “condições técnicas e logísticas da CMP” e sem introduzir qualquer espécie de perturbação no bom funcionamento da Feira. Pelo contrário, fomos sempre bem recebidos por parte dos visitantes. De resto, sendo a própria Feira do Livro um espaço de cidadania e de cultura, a nossa presença naquele ambiente, ainda que de forma improvisada, foi sempre percebida como perfeitamente lógica e natural.
Afinal, ao fim de cinco dias, parece que o Direito de Iniciativa pode mesmo ser obstaculizado e a recolha de subscrições impedida. Nem que, para tal, a Câmara Municipal do Porto tenha de se comportar como uma empresa privada, assumindo a propriedade privada de um espaço público.
Como é evidente, não podemos abdicar do direito que assiste a qualquer ILC. Desde logo, importa esclarecer o que entende a Polícia Municipal por “recinto”. É que não há “recinto”. A Feira do Livro do Porto não é vedada e a ILC já estava, literalmente, na rua. Não ocupámos um espaço na Biblioteca Almeida Garrett ou num dos pavilhões da Feira. Se o espaço onde estávamos é privado, então é a própria rua que a Câmara Municipal está a privatizar.
Estando na rua, não é possível ir “mais para a rua”. O que a CMP pretende é, pois, mandar-nos para longe, pôr-nos a milhas, meter-nos nas traseiras, esconder-nos. Ou seja, silenciar-nos.
Pois não nos calaremos. Não baixaremos os braços. De uma forma ou de outra, continuaremos a recolher assinaturas. Mas não podemos deixar de denunciar a dupla tirania a que nos querem submeter. À tirania de um Acordo Ortográfico imposto à força junta-se agora a tentativa de silenciamento ou, no mínimo, de afastamento.
Não vamos desistir. Como é sabido, a defesa Língua Portuguesa é indissociável da defesa da Liberdade de expressão.
11 comentários
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Isto é demonstrativo da repressão a que são sujeitas as pessoas que lutam pela democracia. Não é admissível estas actuações da CMP e especialmente da Polícia que se devia explicar para a opinião pública. É uma vergonha esta chantagem para que permaneça um acordo ortográfico que a grande maioria dos portugueses não aceita e também a maioria dos que aceitam é por outros interesses que não a defesa da língua de CAMÕES.
Estimados Srs. parabenizo a acção e apoio-a incondicionalmente;
ontem mesmo enviei por email o link para que uma centena de amigos se pudessem expressar se o acharem pertinente.
Continuem, pois a nossa lingua e a nossa bandeira são sagradas.
Abaixo com os Brasileirismos e outros ismos militantes.
Portugal Sempre
Cumprimentos,
Rui Parada
Que podemos fazer para apoiar?
Author
A maneira mais simples de ajudar, e que está ao alcance de todos, é divulgar o link para a subscrição electrónica da ILC junto de familiares e amigos:
https://ilcao.com/subscricoes/subscrever/
Mas, já agora, e porque a experiência já nos vai dizendo alguma coisa, sugerimos que essa divulgação seja feita com algum critério. Em vez de enviarmos uma mensagem para toda a nossa lista de contactos, tipo “fire and forget”, é preferível escolhermos cinco ou dez dos nossos amigos mais próximos e que sabemos serem sensíveis a esta causa. E não deixar cair o assunto. Cinco dirão “sim, claro”, um diz que não quer assinar e quatro não respondem à primeira. Sendo amigos próximos, podemos cordialmente dizer-lhes “então, assina” ou pedir uma resposta. E quando finalmente eles disserem “já assinei”, sugerir-lhes que façam o mesmo aos cinco ou dez melhores amigos deles.
Em alternativa, quem estiver pelo Porto, pode sempre passar pela Feira do Livro (até 23 de Setembro) e, durante as tardes, procurar a pessoa ou as pessoas da ILC que lá estiverem. Um sorriso cúmplice e dois dedos de conversa contra o AO são sempre bem-vindos.
Gostei muito especialmente do vosso parágrafo onde se lê que [Muito antes do início da Feira do Livro contactámos a Câmara Municipal do Porto, solicitando apoio para levarmos a cabo mais uma campanha de recolha de assinaturas. A Organização da Feira do Livro respondeu-nos dizendo ter levando o assunto “à consideração superior” mas, “lamentavelmente“, o nosso pedido não foi deferido.] Ora eu, que já cá ando há uma data de tempo e já vi, já ouvi e também já fui obrigado a cheirar muita merda, apesar de tomar banho todos os dias – et pour cause – nunca consegui deixar de, mesmo à distância, identificar a sobredita merda seja onde quer que a encontre. No caso vertente, esta submissão à “consideração superior” e este “lamentavelmente” são sobremaneira nauseabundos. E são-no especialmente porque não inventam nada, não inovam nada e nem sequer se dão ao trabalho de disfarçar. Estas expressões parecem copiadas de um qualquer manual do velho Estado Novo e a “missiva” aqui em causa só por acaso não terá integrado a locução “A bem da Nação” antes da assinatura do “chefe” lá do sítio. De resto, está lá tudo:
1. A submissão à “consideração superior” para, matando os coelhos todos de uma cajadada, ameaçar com um vago mas indiscutível poder discricionário que tudo pode e tudo decide, poder que tanto pode marimbar-se na petição, como inscrever numa qualquer lista negra o pobre do peticionário, como pode ainda, se necessário e/ou conveniente, borrifar-se para o preceituado numa Lei da República, qual seja, no caso em apreço, a Lei 17/2003, de 4 de Junho;
2. As lágrimas de crocodilo que tudo lamentam mas se estão borrifando, de alto e de repuxo, na vertical exacta dos interesse do cidadão que (vagamente) os elegeu mas que em qualquer caso vai tolerando que se mantenham em funções.
Há que dizer basta!
HÁ QUE AVANÇAR, DEPRESSA E EM FORÇA, PARA O
REFERENDO!
(TC)
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Caro Tempero Correia,
muito obrigado pelo seu comentário e pela análise certeira que faz da mensagem que recebemos da Câmara Municipal do Porto.
O meu amigo deduz, e bem, que tudo o que está entre aspas é citação directa da correspondência que nos foi endereçada. Lamentavelmente — e aqui é mesmo de um lamento que se trata — foram de facto essas as palavras que nos foram dirigidas, num e-mail assinado genericamente por “Feira do Livro do Porto”, sem nome. Como costuma dizer-se, são acções que ficam com quem as pratica…
Só não compreendo muito bem a conclusão final a que chega, pois não sei a que referendo se refere. Não será certamente um referendo ao AO90 pois este, enquanto Tratado Internacional já ratificado, não pode ser objecto de referendo — é, pelo menos, o que julgo concluir da leitura da Constituição da República Portuguesa. Podia-se, sim, no período da negociação entre países, ter perguntado à população se “deve o País assinar isto”. Infelizmente, os mentores do AO sempre se acharam auto-suficientes e acima de qualquer crítica, pelo que a abertura desse debate nunca lhes passou pela cabeça.
Se se refere a um referendo genérico à Língua Portuguesa, então, perdoe-me a frontalidade, creio que a sua proposta faz ainda menos sentido. “Deve o País estropiar a sua Língua” seria uma pergunta absurda, pois teria obviamente como resposta um rotundo NÃO. No entanto, o simples facto de a formularmos obrigar-nos-ia a conceber — e a legitimar, ainda que em teoria — um mundo em que a resposta poderia ser “sim”. Ora, esse “sim” hipotético autorizaria um atentado como o AO90? É claro que não. Seria um daqueles casos em que se ganhar o “não”, aceitamos, se ganhar o “sim”, não valeu. Como não podemos fazer um referendo em que só uma das respostas é legitimizadora, parece-me evidente que a Língua Portuguesa não pode ser referendada.
Mas talvez eu não tenha percebido bem as suas palavras.
Lutam pela democracia!!… … ainda não viram que democracia é isto mesmo!!! Continuem a lutar por ela…
NÂO concordo com este DESACORDO . Espanha alterou a sua língua por causa dou outros que falam espanhol. Inglaterra fez alguma alteração por causa dos que falam Inglês França fez alguma alteração? O dito acordo , DESACORDO , está a ser adoptado pelos brasileiros e países que falam a nossa língua. O PORTUGUÊS é a língua mãe não deve nunca adoptar esta palhaçada.
Vi esta semana no noticiário que Portugal é o quarto pais mais democrático da Europa. SERÁ? Se calhar enganaram-se começaram de baixo para cima.
Porque não consultar um advogado ?
Ocorre-me que este fecho foi ilegal e quem ordenou o fecho da banca é susceptível de ser processado.
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Ana Duarte, boa noite.
Falámos com várias pessoas na área do direito, solicitámos à Polícia Municipal o Auto da Ocorrência e equacionámos várias possibilidades de resposta. No entanto, tornou-se rapidamente evidente que nada do que pudéssemos fazer iria surtir qualquer efeito antes do final da Feira do Livro. Por outro lado, a CMP iria argumentar que proibiu a banca, mas não a recolha — o que é verdade. Claro que mesmo isso é ilegal — a Lei não diz apenas que a recolha de assinaturas não pode ser impedida, diz também que não pode ser dificultada. Foi o que aconteceu, até porque a CMP assumiu como “recinto” da Feira do Livro a totalidade dos Jardins do Palácio de Cristal. Ou seja, apesar de a Feira do Livro só ocupar um décimo da área dos Jardins, a Câmara mandou-nos montar a banca na Júlio Dinis. Ainda assim, pesados prós e contras, e sem prejuízo de acções futuras, decidimos concentrar-nos, por agora, na contenção de danos, tentando aproveitar ao máximo a Feira do Livro, ainda que numa situação de precariedade.