A ILC-AO e o Bloco de Esquerda [reunião de 8 de Maio, 17:30h]

A pedido da Comissão Representativa da ILC-AO deslocámo-nos na passada quarta-feira à Assembleia da República, para um encontro com representantes do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. Tratou-se de um primeiro contacto, a propósito do Projecto-de-Lei 1195/XIII, apresentado por esta ILC, que, como se sabe, advoga a revogação da RAR 35/2008 e a consequente suspensão da entrada em vigor do Acordo Ortográfico em Portugal.

Acontece que, nesta altura, estão ainda frescas as declarações dos diversos partidos políticos no âmbito de uma reportagem do jornal Expresso, a propósito do Acordo Ortográfico. No caso do Bloco de Esquerda, registámos a declaração: “Luís Monteiro assinala que existem críticas a fazer ao AO e tem muitas reservas em alguns pontos. O bloquista considera “pertinente uma iniciativa legislativa sobre o acordo e apoia a sua discussão em plenário”. “O AO pode ser melhorado”, diz, advertindo, no entanto, que a posição do BE é contra a revogação.”

Como não podia deixar de ser, era forçoso abordarmos estas declarações. O tom taxativo desta posição “contra a revogação” não é exclusivo do Bloco e pareceu-nos ver aqui uma oportunidade para percebermos este fenómeno. Porque é que a existência de um Acordo Ortográfico, em certos meios, é vista como inquestionável? Porque é que tem de haver (mais) um Acordo Ortográfico?

As teses oficiais para a “invenção” do AO90 só fazem sentido no universo ficcional criado por Malaca Casteleiro. Ninguém, no seu perfeito juízo, pode levar a sério o “desprestígio” sofrido pela existência de duas variantes da mesma Língua, a “teimosia” da preservação de consoantes mudas, ou a dificuldade de aprendizagem que essas mesmas consoantes introduzem no ensino.

Assim, ainda que não sejamos adeptos de teorias da conspiração, somos muitas vezes levados a pensar que existem outras razões, inconfessáveis mas muito mais plausíveis, capazes de justificar o disparate. A alternativa seria acreditarmos que a grande maioria dos nossos políticos sofreu, em 1990, um acesso de insanidade mental, que se repetiu — desta vez ainda mais forte, qual paroxismo de loucura furiosa — em 2008, com a aprovação do II Protocolo Modificativo.

Hoje em dia, a persistência da “revogação, não” parece-nos ainda mais estranha, a raiar a patologia clínica terminal. Em vez de duas normas ortográficas passámos a ter três — e aqui, sim, podemos falar em desprestígio da Língua. Já a suposta “facilidade” de aprendizagem resultou em cAOs ortográfico generalizado. Será possível que, face a esta realidade, políticos e linguistas não despertem do seu estranho torpor?

Foram estas as dúvidas que expressámos perante o representante do Bloco de Esquerda. E acrescentámos: a posição do Bloco irá manter-se mesmo que Angola e Moçambique nunca ratifiquem o Acordo? E no caso de o Brasil se retirar, revogando-o unilateralmente?

O encontro com Luís Monteiro decorreu de forma bastante cordial. Ao longo da reunião fomos desmontando a confusão recorrente entre “evolução da Língua” e “evolução da norma utilizada para a representar graficamente”, assinalámos a completa inutilidade deste Acordo e sustentámos a impossibilidade da sua revisão sem que se piore ainda mais, se tal é possível, por absurdo, um cenário já de si desastroso.

Com frontalidade, o deputado disse-nos que, em ano de eleições, eram grandes as probabilidades de este assunto ser remetido para a próxima legislatura. Assim sendo, o Acordo Ortográfico não é uma das preocupações imediatas do BE. Por outro lado, o próprio Luís Monteiro só recentemente substituiu Jorge Campos (anterior representante do Bloco na 12ª Comissão (Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto), tendo “herdado” as anteriores disposições do partido nesta matéria.

Neste contexto, parece-nos que é de saudar o compromisso, assumido pelo deputado, de apresentar novamente esta questão numa próxima reunião do seu grupo parlamentar. Já depois da reunião, numa breve troca de mensagens, Luís Monteiro assegurou-nos ter já “aflorado o tema” junto dos colegas de bancada e manifestou a intenção de manter o contacto com esta Iniciativa Legislativa.

Só o futuro dirá qual o verdadeiro alcance desta primeira audiência. No entanto, tudo somado, cremos que o saldo final é positivo. Fazemos votos para que as questões que introduzimos nesta reunião possam ser o pretexto para uma nova reflexão no seio do BE sobre o assunto. Com sorte, talvez o tempo jogue a nosso favor, fazendo com que a existência de um Acordo Ortográfico deixe de ser um dogma incontornável e inquestionável aos olhos do Bloco.

Em alternativa, a hipótese de o partido conceder liberdade de voto aos seus deputados nesta matéria poderá ser outra via aberta para o bom senso possa prevalecer.

Vamos falando

 

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Operação Pelourinho – 5


A ILC-AO já foi entregue no Parlamento mas vai continuar “na estrada” até ao debate e votação do respectivo Projecto-de-Lei na Assembleia da República. Hoje, dia 6 de Maio, foi mais um dia de recolha de assinaturas em pleno Rossio, revisitando um local onde já estivemos anteriormente.

O pretexto até pode ser a necessidade de repormos subscrições, tendo em conta que algumas poderão eventualmente ser rejeitadas pelo Parlamento, na validação por amostragem. Mas a presença da ILC-AO nas ruas pretende ir um bocadinho mais longe.

A verdade é que os cidadãos continuam a querer associar-se a esta Iniciativa Legislativa. Sempre que montamos uma destas bancas as pessoas acorrem espontaneamente. Há quem assine e vá chamar amigos ou familiares que estão por perto. Outros aproveitam para desabafar e ficam à conversa, dizendo-nos das suas razões para não suportarem o Acordo Ortográfico.

Hoje, um jovem com cerca de vinte anos pediu para consultar o Projecto-de-Lei antes de assinar. Era bom que houvesse mais gente com essa preocupação, mas também é compreensível que muitos não o façam: a oportunidade de “assinar por baixo” uma Iniciativa Legislativa contra o AO é empolgante e, regra geral, as pessoas apressam-se a fazê-lo.

Naturalmente, sendo o AO90 uma questão política, também conta o peso das assinaturas. A pertinência de um Projecto-de-Lei mede-se, acima de tudo, pela justeza do seu conteúdo. Mas, inevitavelmente, o número de assinaturas acabará por ter uma leitura e, desse ponto de vista, quantas mais, melhor.

Mas essa não é a nossa primeira motivação. No fundo, a verdadeira razão para estarmos nas ruas é esta: as pessoas querem que a sua voz seja ouvida e que a sua opinião sobre o Acordo Ortográfico seja tida em conta. E agradecem a oportunidade para o fazer, através da ILC. Hoje, como sempre acontece, voltaram a perguntar-nos “quantas assinaturas temos”. Desde o passado dia 10 de Abril, a nossa resposta passou a ser diferente. Assinaturas, já temos. Mas, estando em causa a Língua Portuguesa, mantermos em aberto a possibilidade de subscrição da ILC é quase um dever.

Estão na calha mais sessões como a de hoje. Mas renovamos o desafio: organizar uma Operação Pelourinho na sua cidade não é difícil. Contacte-nos e saiba como proceder. A Língua Portuguesa agradece.

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“Parlamento revê (des)Acordo Ortográfico” (EXPRESSO, 04.05.2019)

Grupo de trabalho constituído pelo Parlamento recomenda alterações. PS é o único partido que não quer mexidas. Uma década depois de entrar em vigor, o acordo pode voltar à estaca zero

Parlamento revê (des)Acordo Ortográfico

ALEXANDRA CARITA E CHRISTIANA MARTINS

Dez anos depois de ter sido aprovado, em Maio de 2009, o Acordo Ortográfico (AO) deverá agora ser alterado. É isso que defende o grupo de trabalho criado pelo Parlamento para estudar a aplicação das novas regras para a Língua Portuguesa. A recomendação consta do relatório final que será entregue nas próximas semanas. Mas o polémico tratado pode mesmo vir a ser revogado, como exige um projecto-de-lei que resulta de uma petição assinada por mais de 20 mil pessoas e que deu entrada no mês passado na Assembleia da República. Tudo isto numa altura em que, no Brasil, a discussão sobre a revogação do AO está na ordem do dia e em que Cabo Verde está prestes a declarar o crioulo como língua oficial. A reviravolta, esperada por tantos ao longo da última década, pode mesmo acontecer. O Governo está contra.

Os partidos não são consensuais na análise ao AO e prepara-se um esgrimir de opiniões. PSD, CDS, PCP e Bloco de Esquerda querem alterar ou mesmo revogar o documento. O PS é o único que quer que tudo fique como está. A Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) é o mais radical dos documentos a ser alvo de votação em plenário: pretende a “suspensão” por “prazo indeterminado” com vista a serem “elaborados estudos complementares que atestem a sua viabilidade económica, o seu impacto social e a sua adequação ao contexto histórico, nacional e patrimonial em que se insere”. As 20 mil assinaturas entregues conseguiram o registo de um projecto-de-lei e aguarda-se a definição da data da votação no hemiciclo, que deverá ocorrer ainda nesta legislatura.

Os signatários exigem a revogação da Resolução da Assembleia da República que aprova o segundo protocolo modificativo do AO, no qual se decidiu que a sua ratificação por apenas três dos então sete países de língua oficial portuguesa (Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, e, mais tarde, um oitavo chamado Timor-Leste) era o bastante para que o documento entrasse em vigor (ver texto em baixo).

Mais: o projecto-de-lei designa ainda a ortografia anterior ao AO, vigente até 31 de Dezembro de 2009 e nunca revogada, como aquela a utilizar no presente. Maria do Carmo Vieira, membro da comissão representativa da ILC, defende que “não se trata de um braço-de-ferro, mas sim de uma luta pela inteligência, pelo carácter científico e pelo patriotismo”. “Aperfeiçoar o que é medíocre e está errado não me parece válido”, conclui.

Os deputados terão duas oportunidades para reflectir. O relatório conclusivo da “Avaliação do Impacto da Aplicação do Acordo Ortográfico de 1990” será apresentado na Comissão de Cultura nas próximas semanas e a sua votação parece ser mais fácil, bastando a iniciativa legislativa de um deputado ou grupo parlamentar para chegar a plenário.

O que querem os partidos

“No entendimento do grupo de trabalho, o AO carece, no mínimo, de ser aperfeiçoado”, afirma José Carlos Barros, deputado do PSD, coordenador do grupo de trabalho e relator do relatório final. “É evidente que a unificação ortográfica não se conseguiu. Na prática, o que está a acontecer é que Portugal está a aplicar o AO à força por uma resolução do Conselho de Ministros”, continua o deputado. Para o PSD, o Acordo foi um passo “não ponderado”. Na mesma linha está a deputada centrista Teresa Caeiro: “Não conheço ninguém que se reveja no AO”. O documento, afirma a representante do CDS-PP no grupo de trabalho, “foi absolutamente precipitado e levado a cabo por meia dúzia de académicos, que conseguiram levar em frente uma decisão que ninguém exigia”. Teresa Caeiro acredita que “mais vale reverter o erro do que perpetuá-lo” e defende, por isso, a revogação do Acordo. “O meu desejo é que se tenha a honestidade e a humildade para parar e rever o AO.”

O PCP, pela voz de Ana Mesquita, garante que as incongruências na aplicação do tratado são gritantes. “É a boa altura para se fazer a discussão sobre o AO e arranjar uma saída elegante do imbróglio em que estamos metidos”.

A tendência de voto do Bloco de Esquerda parece ir no mesmo sentido. Luís Monteiro assinala que existem críticas a fazer ao AO e tem muitas reservas em alguns pontos. O bloquista considera “pertinente uma iniciativa legislativa sobre o acordo e apoia a sua discussão em plenário”. “O AO pode ser melhorado”, diz, advertindo, no entanto, que a posição do BE é contra a revogação.

Sozinho, aparece o Partido Socialista. Diogo Leão, o deputado que acompanhou as reuniões do grupo de trabalho, diz, que “o PS não tem qualquer iniciativa em vista”. Para o partido do Governo, o acordo está em vigor e o “Estado respeita-o, as novas gerações já foram educadas com a nova ortografia e toda a Administração Pública o utiliza”. “Sendo assim, não temos motivos para o questionar”, conclui Diogo Leão.

Ao Expresso, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, diz que “os sistemas de ensino, editorial, jurídico e científico estão hoje sintonizados e a concertação político-diplomática com os outros países de língua portuguesa nesta matéria é ainda significativa”. Por isso, conclui o ministro que tutela o Acordo Ortográfico, “não se afigura a necessidade ou a oportunidade de, no momento, efectuar uma reversão”.

No entanto, feitas as contas, se o PS ficar isolado na votação do relatório conclusivo do grupo de trabalho, o AO será mesmo revisto e discutido com os votos do PSD, CDS, PCP e BE. O PAN não teve assento neste grupo de trabalho.

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“Aprovado no Brasil requerimento para discutir a revogação do AO90” (Nuno Pacheco, PÚBLICO, 26.04.2019)

A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados do Brasil aprovou um requerimento para “realização de Audiência Pública a fim de discutir a revogação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.” O requerimento, aprovado no dia 25 de Abril, foi apresentado pelo deputado Jaziel Pereira de Sousa, do Partido da República (PR, centro-direita) e ali subscrito pela deputada Paula Belmonte, do partido Cidadania, nome adoptado em Março deste ano pelo Partido Popular Socialista (PPS), que antes se chamava Partido Comunista Brasileiro (PCB). Já o Partido da República (PR) nasceu em 2006 da fusão do Partido Liberal (PL) com o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona).

No requerimento, a que foi dado o número 119/2019 (na 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura), diz-se textualmente o seguinte: “Após uma década de efetividade [do acordo ortográfico], o presidente Jair Bolsonaro expressou a possibilidade de revogação desse Acordo. Antecipando o debate sugiro essa discussão aqui na Câmara dos Deputados para elaboramos uma proposta de Lei que altere esse Decreto.” Para isso, propôs o deputado Jaziel Pereira de Sousa (que no registo corrente da Câmara surge como “Dr. Jaziel”):

“Requeiro, com fundamento no art. 255 do Regimento Interno desta Casa, a realização de reunião de audiência pública para debater a possível revogação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Para isso, gostaríamos de contar, entre outros, com a presença dos seguintes convidados: – Ministro da Educação – Abraham Weintrau – Ministro das Relações Exteriores – Embaixador Ernesto Henrique Fraga Araújo; – Sr. Sergio, De Carvalho Pachá – ex- lexicógrafo-chefe da Academia Brasileira de Letras; – Prof. Sidney Silveira – professor e – Marco Lucchesi – Presidente da Academia Brasileira de Letras.”

Promulgado por Lula em 2008

Recorde-se que este requerimento surge depois de Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, ter escrito isto no Twitter, no dia 6 de Abril: “Depois de nos livrarmos do horário de verão, temos que nos livrar da tomada de três pinos, das urnas electrônicas inauditávris [inauditáveis] e do acordo ortográfico.”

O Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), alterado com dois protocolos modificativos em datas posteriores, foi tornado lei no Brasil pelo Decreto n.º 6.583 de 29 de Setembro de 2008, que o promulgou, assinado pelo então presidente Lula da Silva. Antes (segundo o texto do próprio decreto), tinha sido aprovado no Congresso Nacional “por meio do Decreto Legislativo no 54, de 18 de abril de 1995”, sendo depositado “o instrumento de ratificação do referido Acordo junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, na qualidade de depositário do ato, em 24 de junho de 1996.”

O artigo 3.º do decreto deixava, no entanto, esta ressalva: “São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.”

Só quatro países ratificaram o AO

Meses antes do Decreto assinado por Lula, foi aprovado em Portugal, na Assembleia da República, em 29 de Julho de 2008, a resolução n.º 35/2008, que estabeleceu que o Acordo Ortográfico poderia entrar em vigor com apenas três ratificações, de entre as sete exigidas no início (Timor-Leste, acabado de entrar para a CPLP, seria o oitavo país da lista).

Com a referida Resolução, foi dado aval a uma “nova redacção” do artigo 3.º do AO: “O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa.” A resolução estabelecia que o “Protocolo Modificativo entrará em vigor no 1.º dia do mês seguinte à data em que três Estados membros da CPLP tenham depositado, junto da República Portuguesa, os respectivos instrumentos de ratificação ou documentos equivalentes que os vinculem ao Protocolo.”

Passada mais de uma década, e até hoje, o Acordo Ortográfico foi ratificado por apenas quatro países: Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Não o ratificaram Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste.

ILC-AO passa a Projecto de Lei 1195/XIII

Em Portugal, entretanto, a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (ILC-AO), que entregou oficialmente na Assembleia de República as mais de 20 mil assinaturas recolhidas para revogar o Segundo Protocolo Modificativo do AO90 (o que reduz a três o número de países necessários para validar a entrada em vigor do acordo), já foi registada como Projecto de Lei 1195/XIII, conforme se pode ler na respectiva página:

“Menos de 24 horas depois da entrega da ILC-AO na Assembleia da República [a 10 de Abril] já a Divisão de Apoio ao Plenário havia atribuído um número à nossa Iniciativa Legislativa. A ILC-AO é agora o Projecto de Lei 1195 da XIII Legislatura.” Segue-se agora, lê-se também no texto ali publicado, “a validação da Iniciativa do ponto de vista formal, pela assessoria do Presidente da Assembleia da República, que assinará o respectivo despacho, nos termos previstos na Lei 17/2003 (Art.º 8.º).

nuno.pacheco@publico.pt

https://www.publico.pt/2019/04/26/culturaipsilon/noticia/aprovado-brasil-requerimento-discutir-revogacao-acordo-ortografico-1870566 (conteúdo exclusivo para assinantes)

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“O Brasil quer livrar-se do acordo ortográfico? Também nós” (Nuno Pacheco, PÚBLICO, 18.04.2019)

Numa semana de perdas para a Cultura (o terrível incêndio que desfigurou a Notre-Dame de Paris, ou as mortes de Maria Alberta Menéres e Bibi Andersson) pode parecer desajustado falar disto. Mas não é possível ignorar um certo tweet brasileiro que prenuncia a extinção do “acordo ortográfico”, em coincidência temporal com a entrega, na Assembleia da República, das mais de 20 mil assinaturas da iniciativa de cidadãos (ILC-AO) que batalha para revogar a decisão que reduziu a três os países necessários para viabilizar o acordo.

Mas o que se passou, afinal? Isto: o jovem Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República [do Brasil] para Assuntos Internacionais, publicou dia 6 de Abril no Twitter (agora governa-se por Twitter) o seguinte textinho: “Depois de nos livrarmos do horário de verão, temos que nos livrar da tomada de três pinos, das urnas electrônicas inauditávris [sic; seria ‘inauditáveis’, mas as teclas “r” e “e” estão lado a lado e ele devia ter pressa] e do acordo ortográfico.” Somou, em pouco tempo, 706 comentários, 6100 likes e 1100 partilhas.

Filipe Martins, 30 anos, é tudo menos um sujeito recomendável. Antes da segunda volta que deu a vitória a Bolsonaro, afirmou: “O que está acontecendo no Brasil é uma revolução – a fucking revolution– e não há meios de pará-la.” Os seus gestos, declarações e provocações, muitas vezes em tom de pilhéria, valeram-lhe, segundo a imprensa brasileira, os epítetos de “revolucionário de Facebook”, “líder da direita jacobina” ou “Robespirralho”, referência ao temível Robespierre, propagador do terrorismo de Estado durante a Revolução Francesa.

Com tais pergaminhos, poder-se-á concluir, apressadamente, que a anunciada “morte” do “acordo ortográfico” (AO) no Brasil será um golpe da direita mais radical contra a esquerda. Nada mais errado. A lista de coisas a abater, onde o AO agora se inclui, reflecte o pendor pretensamente nacionalista que o Brasil copia de Trump (género “O Brasil primeiro”), menorizando ou deitando fora tudo o que tenha um aroma de acordo externo, importação ou até de simples concertação entre pares mais distantes. Daí que a lista inclua o horário de Verão (que Bolsonaro já garantiu que não vai aplicar em 2019), as placas para matrículas de automóvel com padrão do Mercosul, a tomada eléctrica de três pinos (importada em 2000 e obrigatória desde 2011), as urnas para votação electrónica (em uso no Brasil desde 1996, o governo contesta agora a sua fiabilidade) e, finalmente, o dito “acordo ortográfico”, tendo este último uma explicação simples. Não se trata da língua, já que essa pouco dirá a tais ditames, mas de negócio. Veja-se só este delirante parágrafo da notícia que dava conta do tweet de Martins, no portal brasileiro ClickPB: “O acordo ortográfico completou 10 anos no início deste ano. A padronização do idioma permitiu um aumento do intercâmbio cultural, com livros de ficção, didáticos, paradidáticos e científicos, e documentos, escrituras, contratos e textos de todos os gêneros circulando entre os países sem necessidade de revisão.” Como se sabe, e comprova, isto é absolutamente falso; hoje, como há dez anos. Mas foi este canto de sereia que hipnotizou muitos políticos, alguns intelectuais e legiões de analfabetos.

Embalado nesta onda, esperava o Brasil ter negócios garantidos com Angola e Moçambique, os maiores países africanos, pois com Portugal já tem. Azar: nenhum destes países ratificou o acordo nem mostra vontade de o fazer (Angola, aliás, é particularmente crítica do processo). Nem eles, nem a Guiné-Bissau, nem Timor-Leste. Só Portugal, Brasil e, por arrasto, Cabo Verde (que tornou o crioulo língua primeira, não o português) e São Tomé e Príncipe. Para que quer, então, o Brasil, tal acordo? Para exibir em cimeiras multilaterais? Para a CPLP? Nem pensar. O Brasil de Bolsonaro dispensa enfeites, sobretudo se não rendem nada.

Se o Brasil cumprir o “chilrear” do passarão Filipe Martins, repetir-se-á a patética situação em que Portugal ficou quando o Presidente brasileiro Café Filho revogou por decreto, em 1955, a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira que representantes de Portugal e do Brasil haviam assinado em 1945, já depois do falhado Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 1931. Serão os mesmos dez anos, para assinar e rasgar o acordo. Só que em 1945 a ortografia consagrada no acordo respeitava o sistema vocálico português, e assim ficou – aqui e nas colónias africanas que viriam, felizmente, a tornar-se países independentes; enquanto a do “acordo” de 1990 se conforma mais ao sistema vocálico brasileiro, resultando absurdo e injustificável por cá.

Que fazer? Crescer, que já é tempo para isso. Libertados deste imenso logro “unificador”, os países nele envolvidos podem, além de definir as suas ortografias, cooperar cientificamente na feitura de um grande dicionário (deixem os vocabulários, que nada resolvem), partilhável em linha, com as variantes vocabulares e ortográficas dos vários países aí consagradas, para que todos possamos saber como se fala e escreve no espaço lusófono. Só encarando a diversidade que existe, e se pratica no dia-a-dia dos nossos países, podemos celebrar a Língua Portuguesa.

nuno.pacheco@publico.pt

https://www.publico.pt/2019/04/18/culturaipsilon/opiniao/brasil-quer-livrarse-acordo-ortografico-tambem-1869553
(conteúdo exclusivo para assinantes)

 

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