A pedido da Comissão Representativa da ILC-AO deslocámo-nos na passada quarta-feira à Assembleia da República, para um encontro com representantes do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. Tratou-se de um primeiro contacto, a propósito do Projecto-de-Lei 1195/XIII, apresentado por esta ILC, que, como se sabe, advoga a revogação da RAR 35/2008 e a consequente suspensão da entrada em vigor do Acordo Ortográfico em Portugal.
Acontece que, nesta altura, estão ainda frescas as declarações dos diversos partidos políticos no âmbito de uma reportagem do jornal Expresso, a propósito do Acordo Ortográfico. No caso do Bloco de Esquerda, registámos a declaração: “Luís Monteiro assinala que existem críticas a fazer ao AO e tem muitas reservas em alguns pontos. O bloquista considera “pertinente uma iniciativa legislativa sobre o acordo e apoia a sua discussão em plenário”. “O AO pode ser melhorado”, diz, advertindo, no entanto, que a posição do BE é contra a revogação.”
Como não podia deixar de ser, era forçoso abordarmos estas declarações. O tom taxativo desta posição “contra a revogação” não é exclusivo do Bloco e pareceu-nos ver aqui uma oportunidade para percebermos este fenómeno. Porque é que a existência de um Acordo Ortográfico, em certos meios, é vista como inquestionável? Porque é que tem de haver (mais) um Acordo Ortográfico?
As teses oficiais para a “invenção” do AO90 só fazem sentido no universo ficcional criado por Malaca Casteleiro. Ninguém, no seu perfeito juízo, pode levar a sério o “desprestígio” sofrido pela existência de duas variantes da mesma Língua, a “teimosia” da preservação de consoantes mudas, ou a dificuldade de aprendizagem que essas mesmas consoantes introduzem no ensino.
Assim, ainda que não sejamos adeptos de teorias da conspiração, somos muitas vezes levados a pensar que existem outras razões, inconfessáveis mas muito mais plausíveis, capazes de justificar o disparate. A alternativa seria acreditarmos que a grande maioria dos nossos políticos sofreu, em 1990, um acesso de insanidade mental, que se repetiu — desta vez ainda mais forte, qual paroxismo de loucura furiosa — em 2008, com a aprovação do II Protocolo Modificativo.
Hoje em dia, a persistência da “revogação, não” parece-nos ainda mais estranha, a raiar a patologia clínica terminal. Em vez de duas normas ortográficas passámos a ter três — e aqui, sim, podemos falar em desprestígio da Língua. Já a suposta “facilidade” de aprendizagem resultou em cAOs ortográfico generalizado. Será possível que, face a esta realidade, políticos e linguistas não despertem do seu estranho torpor?
Foram estas as dúvidas que expressámos perante o representante do Bloco de Esquerda. E acrescentámos: a posição do Bloco irá manter-se mesmo que Angola e Moçambique nunca ratifiquem o Acordo? E no caso de o Brasil se retirar, revogando-o unilateralmente?
O encontro com Luís Monteiro decorreu de forma bastante cordial. Ao longo da reunião fomos desmontando a confusão recorrente entre “evolução da Língua” e “evolução da norma utilizada para a representar graficamente”, assinalámos a completa inutilidade deste Acordo e sustentámos a impossibilidade da sua revisão sem que se piore ainda mais, se tal é possível, por absurdo, um cenário já de si desastroso.
Com frontalidade, o deputado disse-nos que, em ano de eleições, eram grandes as probabilidades de este assunto ser remetido para a próxima legislatura. Assim sendo, o Acordo Ortográfico não é uma das preocupações imediatas do BE. Por outro lado, o próprio Luís Monteiro só recentemente substituiu Jorge Campos (anterior representante do Bloco na 12ª Comissão (Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto), tendo “herdado” as anteriores disposições do partido nesta matéria.
Neste contexto, parece-nos que é de saudar o compromisso, assumido pelo deputado, de apresentar novamente esta questão numa próxima reunião do seu grupo parlamentar. Já depois da reunião, numa breve troca de mensagens, Luís Monteiro assegurou-nos ter já “aflorado o tema” junto dos colegas de bancada e manifestou a intenção de manter o contacto com esta Iniciativa Legislativa.
Só o futuro dirá qual o verdadeiro alcance desta primeira audiência. No entanto, tudo somado, cremos que o saldo final é positivo. Fazemos votos para que as questões que introduzimos nesta reunião possam ser o pretexto para uma nova reflexão no seio do BE sobre o assunto. Com sorte, talvez o tempo jogue a nosso favor, fazendo com que a existência de um Acordo Ortográfico deixe de ser um dogma incontornável e inquestionável aos olhos do Bloco.
Em alternativa, a hipótese de o partido conceder liberdade de voto aos seus deputados nesta matéria poderá ser outra via aberta para o bom senso possa prevalecer.