A ILC-AO responde à Conferência de Líderes


No seguimento do compromisso assumido no final da última sessão legislativa, o Presidente da Assembleia da República abordou a questão da ILC-AO em sede de Conferência de Líderes, no passado dia 16 de Setembro.

De acordo com a nota que recebemos do Gabinete da Presidência, o próprio Presidente da Assembleia da República manifestou, perante os Líderes dos diversos Grupos Parlamentares, a sua dificuldade em compreender que a AR não possa debater uma sua decisão.

Infelizmente, como vimos, a Conferência de Líderes decidiu tomar como boa a opinião do Comissão de Assuntos Constitucionais, segundo a qual a ILC-AO/Projecto de Lei n.º 1195/XIII será inconstitucional.

Como não podia deixar de ser, a Comissão Representativa da ILC questionou essa decisão, em mensagem enviada ao Presidente da Assembleia da República, nos seguintes termos:

Exmo. Sr. Presidente,

Gostaríamos, antes de mais, de agradecer a exposição deste assunto na Conferência de Líderes do passado dia 16 de Setembro e, muito particularmente, a estranheza que manifestou junto dos representantes dos diversos Grupos Parlamentares perante a impossibilidade de a Assembleia da República discutir uma sua decisão.

Na sequência das deliberações tomadas nesse encontro, solicitamos que o conteúdo desta mensagem seja lido, ou de alguma forma transmitido aos Líderes dos Grupos Parlamentares numa próxima reunião desse Órgão.

Em primeiro lugar, devemos dizer que também nós, Comissão Representativa da ILC-AO, temos dificuldade em compreender que a Assembleia da República não possa reavaliar uma decisão que tomou há doze anos, à luz do conhecimento que hoje tem sobre a matéria em questão.

Hoje sabemos que o Acordo Ortográfico não unificou a ortografia no espaço lusófono. Pelo contrário, constituiu-se simplesmente como mais uma “norma” (chamemos-lhe assim), contrariando frontalmente a putativa boa intenção de quem o promoveu. Certamente não seria esse o cenário pretendido — embora pudesse ter sido antecipado, pois não faltaram avisos nesse sentido.

Sendo certo que o Acordo Ortográfico é, por si só, um instrumento de mérito duvidoso, ter-se-ia pelo menos evitado o “desastre acrescido” da sua implementação fragmentada no seio da CPLP se a RAR n.º 35/2008 não tivesse sido aprovada. Infelizmente, nessa fatídica manhã do dia 16 de Maio de 2008, poucos foram os deputados que, a exemplo de Manuel Alegre ou de Matilde Sousa Franco, souberam estar acima da disciplina partidária, ou apreender na totalidade as consequências dessa aprovação. Na falta dessa clarividência, soçobrou o princípio, que já então nos parecia do mais elementar bom senso, de que um Tratado desta natureza só pode vigorar quando ratificado por todos os países envolvidos e não apenas por três.

É disto, apenas disto, que trata o Projecto de Lei n.º 1195/XIII — revogação da RAR n.º 35/2008. Este Projecto de Lei poderia eventualmente ser inconstitucional se revogasse um Tratado Internacional, mas, como sempre dissemos, esta Iniciativa não revoga o Tratado do II Protocolo Modificativo do A090 e muito menos revoga o próprio Acordo Ortográfico. Se a Assembleia da República entender rever a sua posição, revogando a RAR n.º 35/2008, estará a enviar uma mensagem ao Governo e não aos diferentes países da CPLP. A verificar-se, essa decisão da Assembleia da República não colidirá com as competências do Governo para a negociação de tratados, porquanto este pode, se assim o entender, submeter à Assembleia da República um novo Projecto de Resolução no mesmo sentido, não necessitando, para tal, de se sentar novamente à mesa de negociações com os restantes países.

Se é nisto que se baseia a Comissão de Assuntos Constitucionais para apor ao Projecto de Lei n.º 1195/XIII o rótulo de inconstitucionalidade, este simples raciocínio mostra que não basta a CACDLG dizer que uma Iniciativa Legislativa é inconstitucional para que esta efectivamente o seja.

Subsiste, por fim, a questão da inconstitucionalidade formal: será um Projecto de Lei a forma adequada para a revogação de uma Resolução? Trata-se de uma questão que também não é consensual, visto que é possível defender que a figura do Projecto de Lei representaria apenas um “excesso de forma” relativamente ao fim em vista. Não tendo a Nota Técnica da Assembleia da República assinalado este — ou qualquer outro — indício de inconstitucionalidade, quererá a Assembleia da República impedir o debate sobre esta matéria com base num argumento que, aos olhos da esmagadora maioria da população, se afigura como um simples tecnicismo?

Com base nesta argumentação, reiterámos a nossa convicção de que a via mais expedita para permitir que o assunto seja apreciado em Plenário continua a ser a do simples agendamento do Projecto de Lei n.º 1195/XIII — tendo em conta que, como demonstrado, nada impede esse agendamento. Recordámos ainda que o agendamento do nosso Projecto de Lei configura também um imperativo legal e, acima de tudo, moral da Assembleia da República, tendo em conta que se ultrapassou largamente o prazo de 30 dias para esse mesmo agendamento, nos termos do n.º 1 do Art. 10º da Lei 17/2003 de 4 de Junho.

Por outro lado, acrescentámos, o simples agendamento do Projecto de Lei n.º 1195/XIII, abre também a possibilidade da apresentação de outras iniciativas legislativas por parte dos deputados. Se o único óbice à aprovação do nosso Projecto de Lei é a questão da forma, qualquer deputado poderá, se assim o entender, apresentar uma iniciativa legislativa que vá ao encontro das nossas pretensões, mas adoptando a forma do Projecto de Resolução.

Por fim, nesta mensagem para o Presidente da Assembleia da República permitido-nos ainda destacar a importância desta ILC enquanto barómetro da própria democracia participativa em Portugal:

Mas há que ter em conta, também, um outro aspecto, porventura ainda mais importante: mantermos o agendamento desta iniciativa enquanto ILC é, de facto, uma questão que transcende a própria ILC. Com a ILC-AO é a Assembleia da República que está em causa, por variadíssimas razões.

Em primeiro lugar, ao agendar a ILC, o Parlamento estará também a dizer ao país que não abdica das suas competências, nomeadamente na sua obrigação de fiscalizar a acção governativa numa matéria tão importante e identitária como a Língua Portuguesa.

Por outro lado, agendar a ILC é um imperativo de cidadania e de democracia participativa. Vivemos um tempo em que a Assembleia da República é acusada, quase diariamente, de dar “sinais negativos” e de “revelar um desconforto perante a participação dos cidadãos que não ajuda, antes desajuda, o fortalecimento da democracia“.

Caixas e "pen" com dados

Assinaturas da ILC no dia 10 de Abril de 2019, data da sua entrega na AR

Um desses sinais foi precisamente o da alteração cirúrgica introduzida na Lei n.º 17/2003, feita à medida de uma Iniciativa Legislativa como a que temos em mãos. Para a ILC-AO, essa alteração é o culminar de uma via-sacra já longa, desde a entrega da ILC no Parlamento no dia 10 de Abril de 2019. Depois de sucessivos atrasos e de uma “dança” de pareceres centrados no assessório em detrimento do essencial, esta alteração pretende liquidar não apenas esta ILC, mas todas as que futuramente se debrucem sobre o Acordo Ortográfico. É por demais evidente que a Comissão de Assuntos Parlamentares não pode outorgar-se um poder com esta dimensão — o de transformar simples pareceres em sentenças, sobrepondo-se à própria Conferência de Líderes na definição do que pode e não pode ser agendado.

Independentemente de todos os pareceres, a palavra final sobre a agenda do Plenário pertence à Conferência de Líderes e, em última instância ao Presidente da Assembleia da República — as alterações introduzidas na Lei n.º 17/2003 não beliscam esta competência. Estamos certos de que saberão, Líderes e Presidente da Assembleia da República, estar à altura desta responsabilidade.

Esta foi, no essencial, a mensagem que dirigimos ao Presidente da Assembleia da República e à Conferência de Líderes. Esperamos que esta saiba ter em boa conta as nossas razões, optando por devolver esta questão ao Plenário. Acreditamos que estão criadas condições políticas para uma tomada de posição concreta por parte dos Deputados, enquanto representantes de todos os portugueses, mas desta vez em conformidade com aquilo que é a vontade expressa destes e não com uma conjuntura política que se acreditava existir em 2008.

Pequena nota de rodapé
A título de curiosidade, devemos referir que a Conferência de Líderes, na mesma reunião em que assume a validade do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, “mostrou abertura” à “convolação” da ILC-AO em petição solicitando ao Parlamento a aprovação de uma “Recomendação ao Governo” para que este promova “as medidas desejadas”. Tratou-se de uma sugestão infeliz, desprovida de qualquer sentido e que, naturalmente, rejeitámos. Quanto ao essencial da nossa carta, continuamos a aguardar a resposta da Conferência de Líderes e/ou do Presidente da Assembleia da República.
Imagem no topo — fonte: animação sobre a Conferência de Líderes disponível em www.parlamento.pt

Print Friendly, PDF & Email
Share

Link permanente para este artigo: https://ilcao.com/2020/10/13/a-ilc-ao-responde-a-conferencia-de-lideres/

1 comentário

    • Maria José Abranches G. dos Santos on 25 Outubro, 2020 at 18:36
    • Responder

    A Assembleia da República tende a fechar-se cada vez mais sobre si mesma, ignorando os cidadãos que a elegeram e que tem obrigação de ouvir, respeitar e representar. A democracia constrói-se ou destrói-se todos os dias, e a ‘Casa da Democracia’ tem neste incansável processo uma responsabilidade insubstituível. Não podemos esquecer que Portugal viveu muitos anos em ditadura e que, como diz Maquiavel, e eu gosto de recordar, «um povo corrompido que atinge a liberdade tem a maior dificuldade em mantê-la»! Temos de ser duplamente vigilantes, porque há vícios ‘velhos’ que permanecem activos, embora ardilosamente disfarçados!… E o recurso a estratagemas diversos, com a finalidade de não atender ao apelo responsável e legal dos cidadãos, é a perpetuação do exercício de um poder que visa evitar e silenciar o debate democrático.
    No ‘site’ do Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, pode ler-se:
    «Enquanto órgão de soberania, à Assembleia da República exige-se que assegure o cumprimento dos seus deveres constitucionais, prestando a informação necessária acerca da sua actividade, bem como dos seus titulares, e promovendo uma progressiva aproximação aos cidadãos.
    A Democracia representativa não exclui, antes requer, o envolvimento dos Portugueses com o Parlamento e a actividade dos seus representantes.»
    Hoje, domingo 25 de Outubro de 2020, Ferro Rodrigues assume e salienta o primeiro aniversário da actual legislatura e os seus cinco anos de presidência do Parlamento:
    «(…) Num momento tão difícil para todos nós, para a sobrevivência da nossa vida em sociedade, e, mesmo, para a nossa própria existência individual, os Portugueses esperam dos seus representantes que estejam à altura das suas responsabilidades.
    Mais do que nunca, esperam que, embora fiéis aos seus princípios e valores, os seus representantes possam abdicar de interesses particulares e convergir no que é absolutamente essencial: enfrentarmos, em conjunto, os muitos e exigentes desafios que temos pela frente. (…)»
    E Ferro Rodrigues conclui:
    «No que me diz respeito, tudo farei para que as Portuguesas e os Portugueses possam continuar a orgulhar-se do seu Parlamento.»
    Quero deixar aqui um apelo confiante ao Presidente da Assembleia da República, para que a nossa ILC-AO / Projecto de Lei n.º1195/XIII, entregue no Parlamento a 10 de Abril de 2019, veja enfim democraticamente agendado o seu debate em plenário!
    E termino citando Hannah Arendt: «sempre que a linguagem está em jogo, a situação torna-se política por definição, porque é a linguagem que faz do homem um ser político.» (citação que traduzi do francês, feita por Martin Rueff, no prefácio de “Pourquoi je hais l’indifférence”, de Antonio Gramsci, ed. Rivages poche – Petite Bibliothèque).

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.