Diz a Lei n.º 17/2003 que, quando a Assembleia da República nada decide sobre uma Iniciativa Legislativa no prazo de 30 dias, deve “passar a bola” ao Plenário, agendando o debate e votação do respectivo Projecto de Lei.
É claro que ninguém gosta de ganhar na secretaria. Por este motivo, fomos permitindo que o Parlamento, árbitro e parte interessada neste jogo, fosse somando sucessivos “descontos de tempo”. Assim temos estado, desde Novembro do ano passado (!) a aguardar pacientemente a passagem de… 30 dias.
Nem tudo se perdeu. Como o “problema”, aos olhos da Assembleia da República, se centrava numa questão formal — pode uma ILC revogar uma Resolução? — aproveitámos esse compasso de espera para demonstrarmos, com dois pareceres independentes, que sim, uma Resolução pode ser revogada por uma ILC. Nada que a Nota de Admissibilidade da própria AR não tivesse já declarado.
Só passados seis meses, quando o incumprimento da Lei se tornou insuportável, solicitámos ao Senhor Presidente da Assembleia da República o agendamento do Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª.
Foi remédio santo. Passados apenas mais um ou dois pequenos adiamentos e eis que surge, resplandecente, a posição oficial da Comissão de Assuntos Constitucionais: “é impossível suspender o Acordo Ortográfico através de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos”.
É caso para dizermos que a Assembleia da República foi coleccionando pareceres até finalmente produzir um, à medida daquilo que julga serem os seus interesses.
Registamos a palavra “impossível”, para que ninguém ouse sequer questionar tão douto parecer. E registamos também o facto de as notícias sobre este parecer terem vindo a lume da Comunicação Social — obviamente sem qualquer contraditório — numa altura em que este relatório ainda nem sequer tinha sido debatido naquela Comissão Permanente.
Bem, mais vale tarde do que nunca: que contraponto podemos nós apresentar em face deste parecer? O mais evidente é este: estamos inteiramente de acordo. De facto (e infelizmente, acrescentamos nós), uma ILC não pode revogar um Tratado Internacional como é o caso do Acordo Ortográfico. Por isso mesmo, tivemos o cuidado, já lá vão uns anos, de nos cingirmos à Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 de 29 de Julho.
É verdade. A ILC-AO não revoga o Acordo Ortográfico. A ILC-AO não revoga sequer o II Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico, celebrado em 2004, quatro anos antes da aprovação da RAR 35/2008.
Em que ficamos? Neste momento, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias enviou já este parecer à entidade que o solicitou — a Comissão de Cultura e Comunicação. Esta Comissão deverá agora, se não o fez ainda, enviar toda a documentação atinente ao Projecto de Lei 1105/XIII/4ª ao Presidente da Assembleia da República que, em sede de Conferência de Líderes, decidirá sobre o agendamento (ou não) desta Iniciativa Legislativa.
Esperamos que a Conferência de Líderes decida pelo agendamento, ignorando o sentido do parecer produzido pela Comissão de Assuntos Constitucionais.
Porque esse parecer, como é evidente, não tem pés nem cabeça. Na verdade, mais parece ter sido desenhado para assegurar o chumbo liminar da ILC-AO, fora das quatro linhas do debate parlamentar. Nós não gostamos de vitórias na secretaria mas, aparentemente, parece haver quem goste.
Para não tornarmos este artigo absurdamente extenso, o nosso próximo texto será integralmente dedicado a este parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais.
Entretanto, nunca é demais lembrar: a ILC-AO não revoga o Acordo Ortográfico.
Votos de um bom domingo.
3 comentários
Desculpem repetir-me: «um povo corrompido que atinge a liberdade tem a maior dificuldade em mantê-la» – Maquiavel, em epígrafe, no poema «O Grito do Silêncio», de Jorge de Sena.
É caso para perguntar: os deputados que nós elegemos, para que nos representem na Assembleia da República (AR), têm ‘medo’ de abrir as portas da dita AR à discussão da nossa Iniciativa Legislativa de Cidadãos – Projecto de Lei n.º 1195/XIII/4ª ? Ainda não se cansaram de ‘inventar’ empecilhos a que essa discussão possa ter lugar, no respeito pela liberdade, responsabilidade e dignidade cívicas que a própria Lei n.º 17/2003 nos reconhece? Pessoalmente não quero deixar de acreditar que o meu país vive em democracia – uma democracia duramente conquistada, que devemos ao 25 de Abril de 1974, e que está nas nossas mãos todos os dias fortalecer ou defraudar!
Que acordo? Há algum acordo ? Que eu saiba um acordo faz-se com um ou vários intervenientes. O que acontece quando um todo ou parte dos intervenientes não ratificam o acordo? O acordo pode ser denunciado por quaisquer das partes. Se não revogam é porque não querem, mas pelo menos digam porquê sem mandarem senhores juristas com pareceres e mais pareceres que não dizem o que parecem ser .
Se este “acordo” é ilegal e os cidadãos querem a revogação qual é a dúvida dos políticos? — Não ouvem O POVO, pois eles que esperem porque o povo não dorme e há-de castigá-los! O 25 de Abril está traído há muito tempo, os portugueses estão traídos e não podem ficar quietos nem calados.