Em defesa da ortografia IV (por João Esperança Barroca)

 

Em defesa da ortografia IV

João Esperança Barroca

Em Portugal, as pessoas são imbecis ou por vocação, ou por coacção, ou por devoção”.”
Miguel Torga, Diário III

 

Em 13 de Fevereiro de 2012, Pedro Santana Lopes escrevia: “Agora ‘facto’ é igual a ‘fato’ (de roupa). Mas também ‘caso’ (de Justiça) é igual a ‘caso’ (do verbo casar) e ‘falta’ (no desporto) é igual a ‘falta’ (de carência)”.  Convém também lembrar que, no passado, a mesma personagem afirmou que usar a norma ortográfica anterior ao Acordo Ortográfico ou a nova norma era o lado para que dormia melhor. Convém também ter presente que Pedro Santana Lopes é, desde sempre, um acordista e convém também não esquecer que esta personagem assinou, em 16 de Dezembro de 1990, em nome da República Portuguesa, enquanto Secretário  de Estado da Cultura, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Vinte e oito anos depois do facto (afinal ‘facto’ não é igual a ‘fato’), mencionado no final do parágrafo anterior e  seis anos e meio depois da citação com que se inicia este texto, como anda a ortografia do fundador da Aliança?

Num artigo de opinião, publicado no Jornal de Negócios, em 5 de Setembro deste ano, com indicação, no final do texto, de que este se encontra em conformidade com o AO90, Santana Lopes escreve palavras como: “electricidade”, “transacto”, “reflectiam”, “actual”, “Outubro” e “exactamente”. Isto é, num texto aparentemente em conformidade com o AO90, nem uma única palavra surge alterada por esse documento. Como se explica tal facto? (Afinal ‘facto’ não é igual a ‘fato’!) Santana Lopes terá tido uma recaída e terá retomado a grafia anterior ao AO90, como acontece com alguns órgãos da comunicação social portuguesa? Ou terá tido uma avaria no corrector ortográfico, ferramenta indispensável para escrever em acordês?

Cerca de duas semanas depois deste artigo, é divulgado o Projecto de Estatutos da Aliança. Que norma ortográfica terá sido utilizada?

Ao longo das 16 páginas do documento, encontramos (e já não ficamos pasmados!) o seguinte: ação, duas vezes, nas páginas 6 e 11; acção, duas vezes, nas páginas 6 e 12; ações, sete vezes, nas páginas 4, 5, 8 e 10;  actos, duas vezes, nas páginas 2 e 11; activa, na página 15; actividade, duas vezes, nas páginas 12 e 15; adopta e adota, na página 2; adotar, duas vezes, nas páginas 2 e 13; afectos, na página 10;ativa, duas vezes, nas páginas 2 e 15; atas, três vezes, nas páginas 9 e 12; atividade e atividades, nas páginas 2 e 14; atos, doze vezes, nas páginas 2, 4, 5, 8, 9, 10, 12, 14 e 15; atualidade, atualização, e atualizados, respectivamente, nas páginas 5, 10 e 4; carácter, quatro vezes, nas páginas 2, 8, 10 14; caráter, na página 14; Direção e direção, dezassete vezes, nas páginas 3, 7, 8, 9, 11, 12 e 16; Direcção, catorze vezes, nas páginas 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 11; Directa, directa e directo, nas páginas 2 e 5; Director e Diretor (quatro vezes) na página 12; efetiva, na página 6; exceto, na página 8; infrações, na página 14; Projecto, na página 1; objetivo, na página 6; receção, na página 4; respectivas, na página 10.

Como se pode verificar, há aqui uma mistura incoerente das duas normas ortográficas, como se o documento tivesse sido escrito a várias mãos (quatro, pelo menos). Este facto (afinal ‘facto’ não é igual a ‘fato’) ilustra na perfeição a trapalhada ortográfica (presente na maior parte dos catequistas da nova ortografia), em que as  multigrafias, como na Idade Média, estão a cada esquina. Se, na Aliança, perceberem tanto de política como de  ortografia, será melhor dedicarem-se à pesca, como diz o povo.

Gosta deste caos ortográfico? Não? Então, subscreva a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico em https://ilcao.com/subscricoes/subscrever/.

João Esperança Barroca

(artigo publicado no jornal Cidade de Tomar de 12 de Outubro de 2018)

(ver artigo(s) anterior(es) do autor: I, II, III.)

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