Os fora-da-lei


O relato que se segue, escrito na primeira pessoa do singular, foi-nos enviado por uma das pessoas que se voluntariaram para recolher subscrições da ILC-AO na Feira do Livro do Porto de 2018, à semelhança do que já tinha sucedido em eventos similares dos quais temos dado aqui igualmente conta.

O texto refere uma ocorrência absolutamente inaudita — e a este assunto voltaremos com mais detalhe, naturalmente, porque o caso é de facto muito estranho, para dizer o mínimo — que aqui fica desde já como verdadeiro testemunho do espírito de cidadania activa que a todos nós move e também da coragem que demonstram cidadãos e cidadãs nacionais, portuguesas e portugueses que não se rendem nem desistem, não vacilam nem recuam na defesa da sua Língua.

De todas essas raras qualidades é este um exemplo flagrante.


Como já tinha sido relatado no “site” oficial da ILC-AO, começámos no último Sábado, dia 8 de Setembro, a nossa campanha de recolha de assinaturas contra o AO90 na Feira do Livro do Porto. Tudo decorreu muito bem, sem quaisquer incidentes, nos primeiros quatro dias.

Ontem, 12 de Setembro, pouco depois das 16 horas, encontrando-me a fazer, como habitualmente, a recolha de assinaturas, dirigiram-se a mim três agentes da Polícia Municipal do Porto, que, solicitando-me a identificação, me disseram que não podia permanecer no recinto da Feira do Livro com uma banca montada a recolher assinaturas porque, segundo disseram, estava em espaço privado e a Organização da Feira não permitia a minha presença dentro do recinto.

Apresentando a devida identificação e dizendo o motivo da minha presença ali e o que fazia, mostrei o articulado da Lei 17/2003 e destaquei a importância do artigo 5.º, que diz expressamente que não devem ser colocados obstáculos à recolha de dados para Iniciativas Legislativas de Cidadãos.

Mesmo assim, disseram que teria de desmontar a banca que utilizava e, se quisesse continuar o processo de recolha de assinaturas, tinha de montar a dita banca fora do recinto da Feira. Essa “banca” consiste numa mesinha de campismo, desmontável, com um tampo de 60 cm por 80 cm. Apenas isto, sem sequer uma cadeirinha para as pessoas poderem assinar… sentadas!

Porém, recebida a ordem policial de “expulsão”,  não poderia obviamente oferecer resistência (isso seria desobediência à autoridade) e acatei de imediato o que me foi solicitado. Desmontei a mesinha da ILC-AO, juntei os papeis e os cartazes, fiquei com aquilo tudo nos braços, literalmente, mas não deixei que me pusessem “na rua”, fora de portas. Afinal, a Feira do Livro do Porto é um espaço público, aberto (não são cobradas entradas nem existe uma portaria propriamente dita), o evento que ali está a decorrer é público, promovido e gerido por uma entidade pública — a Câmara Municipal do Porto.

Pois ali fiquei. Sem saber o que fazer a seguir, aturdida por momentos, pensei, embora a medo, continuar mesmo assim, no espaço da Feira do Livro, a recolher assinaturas; mas agora já só com os dois instrumentos de mudança mais poderosos que existem: um papel (neste caso, alguns impressos) e uma caneta.

Tendo tido o cuidado de perguntar ao responsável pelo “stand” em frente ao local onde me encontrava se poderia continuar no seu espaço a recolha de assinaturas, junto ao pavilhão,  e não tendo sido colocados obstáculos nesse sentido, retomei o contacto directo com o público.

E foi assim, em pé, com uma placa de plástico rígido na mão, a fazer as vezes da mesinha, que ainda recolhi mais 40 subscrições para a nossa Iniciativa cívica.

 

(Foram adicionados links, imagens e destaques ao texto original.)

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