«Recusa de assinaturas pela Língua Portuguesa na Feira do Livro do Porto» – “Abril Abril”

Recusa de assinaturas pela Língua Portuguesa na Feira do Livro do Porto

Na Feira do Livro do Porto homenageia-se Eduardo Lourenço e cabe «salvar o planeta» mas deixa-se à porta uma iniciativa de cidadãos contra o Acordo Ortográfico de 1990 e em defesa da Língua Portuguesa.

Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, e Nuno Artur Silva, comissário da edição de 2019 da Feira do Livro do Porto, durante a apresentação da iniciativa. Porto, 26 de Agosto de 2019. Créditos / Câmara Municipal do Porto

 

A Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação da entrada em vigor do Acordo Ortográfico (ILC-AO) foi impedida de levar a cabo acções de recolha de assinaturas nos jardins do Palácio de Cristal, local onde desde sábado decorre a Feira do Livro do Porto.

A situação foi denunciada em comunicado de imprensa da Comissão Representativa (CR) da ILC-AO, que protesta contra «a forma arbitrária e prepotente» como a Câmara Municipal do Porto (CMP) inviabilizou as acções no interior da Feira do Livro, negando os «os direitos previstos e garantidos pela Lei (17/2003)» aos voluntários daquela iniciativa cívica contra o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).

A ILC-AO não desarma e anunciou a montagem da sua banca («uma simples mesa de campismo», sublinha) no exterior do recinto, «em pleno passeio, na rua, que é um espaço público, tão público como o local onde se realiza o evento organizado pela CMP», lê-se no referido comunicado.

Câmara do Porto muda de argumento mas repete proibição de 2018

Em notícia publicada na sua página na Internet, a ILC-AO recorda «a situação absurda» vivida durante a Feira do Livro do Porto em 2018, quando, ao quinto dia da iniciativa, «a Polícia Municipal, a pedido da Câmara do Porto, decretou o fecho» da sua banca de recolha de assinaturas, sob a alegação municipal de que «as áreas destinadas a bancas de divulgação e venda de produtos eram exíguas, sujeitas a rateio e fonte de receitas para a Feira do Livro».

A Iniciativa Legislativa de Cidadãos e a Lei

Artigo 5.º
Garantias
O exercício do direito de iniciativa é livre e gratuito, não podendo ser dificultada ou impedida, por qualquer entidade pública ou privada, a recolha de assinaturas e os demais actos necessários para a sua efectivação, nem dar lugar ao pagamento de quaisquer impostos ou taxas.

Na altura a ILC-AO deplorou a «confusão (propositada?) entre iniciativa cívica e espaço comercial» e apresentou ao Município as explicações necessárias para que a sua legítima actividade pudesse ser desenvolvida, nomeadamente dando a conhecer o conteúdo da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, «Iniciativa legislativa de cidadãos», cujo Artigo 5.º, «Garantias», que obriga entidades públicas e privadas a facilitar as acções destas excepcionais iniciativas cidadãs (ver caixa), e informando a CMP da exiguidade do espaço a ocupar, «sem qualquer transtorno para a logística e para a gestão camarária do evento a ocorrer nos Jardins do Palácio de Cristal».

«Infelizmente», afirma a ILC-AO, as diligências encetadas «serviram apenas para demonstrar o completo desprezo da Câmara Municipal pela Lei, ao mesmo tempo que, por via de tal expediente, se esgotaram os restantes dias do evento».

Em 2019

Este ano a ILC-AO decidiu «evitar essas estranhas confusões» e, em 28 de Maio passado, deu conta à organização da iniciativa da sua «intenção em prosseguir a recolha de subscrições na edição do ano corrente», e de evitar «o conflito verificado em 2018», disponibilizando-se para «para, em conjunto com a organização do evento, encontrarmos um local adequado para a recolha de assinaturas».

A resposta do município portuense chegou em Julho e voltou a ser negativa, desta vez com o pretexto de, como transcreve a ILC-AO, evitar «um precedente para promover no recinto da Feira do Livro uma campanha de iniciativa cidadã, que poderá abrir portas a muitas outras igualmente legítimas e estimáveis, o que inevitavelmente provocaria constrangimentos à organização do certame e a todos os que dele usufruem, público e expositores».

Para a ILC-AO a CMP «persiste na confusão entre uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos e iniciativas cívicas de género, índole, finalidades, requisitos e enquadramento legal em absoluto diversos». Na resposta, enviada «de imediato» à autarquia, assinalou que a sua presença «não abre portas» a «muitas outras iniciativas» porque apenas as Iniciativas Legislativas de Cidadãos (ILC), na sua figura jurídica específica, estão protegidas pela Lei n.º 17/2003.

«Em rigor, a Câmara Municipal dá-nos permissão para que duas pessoas, num espaço público, possam encetar uma conversa. Ora, como é evidente, para despachar semelhante “determinação”, a Câmara Municipal não era precisa para nada, nem a Lei que protege o Direito de Iniciativa Legislativa serviria fosse para o que fosse. “Autorizar” que duas pessoas conversem na Feira equivale na prática a não “autorizar” coisa alguma, mimetizando um procedimento oficial afinal inexistente»

Rui Valente (ILC-AO)

Para não dizer que, desde a aprovação da Lei, «houve, até hoje, menos de uma dezena de ILC» e destas «apenas uma, pela natureza do seu objecto, julgou por bem recolher assinaturas em Feiras do Livro», o que leva os promotores da iniciativa a considerarem que são os únicos contemplados por «uma decisão arbitrária da Câmara Municipal do Porto que, disfarçada de “medida genérica”, nos é afinal dedicada em exclusivo».

Regresso à estaca zero

Finalmente, o município da Invicta autorizou a recolha de assinaturas, desde que não fosse instalada uma «banca ou outro equipamento para esse fim». É, para os promotores da iniciativa pela revogação do Acordo Ortográfico de 1990, o «regresso às condições leoninas de 2018: a recolha de assinaturas pode ocorrer, só não podemos reunir as condições mínimas de exequibilidade para o efeito».

A Câmara Municipal, acusam, «quer poder dizer que “não impede”» sem ter em conta «que “dificultar”, recorde-se, já é uma infracção à Lei» mas, «na prática, as dificuldades impostas são de tal ordem que a Câmara Municipal, de facto, impede».

Nesse contexto, os promotores da ILC-AO não vêm outra alternativa «que não seja levar a cabo a recolha de assinaturas na rua, à porta dos Jardins do Palácio de Cristal. Não podemos aceitar uma situação de clandestinidade, em que o direito de recolha de assinaturas, apesar de legalmente previsto e protegido, passa a ser exercido sem um mínimo de dignidade — ou, em alternativa, sob a ameaça de, a qualquer momento, sermos expulsos pela Polícia Municipal. Enquanto promotores de uma ILC recusamo-nos a abdicar, num espaço público, dos direitos que nos assistem e que estão consagrados na letra da Lei».

“Abril Abril”, 10 de Setembro de 2019

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2 comentários

    • V. Borges on 11 Setembro, 2019 at 15:07
    • Responder

    obstrução ilegítima à liberdade de expressão e reunião, com uma pseudo justificação burocrática. Será porque a Porto Editora adoptou o famigerado acordo? Haverá outros interesses que justifiquem tal obstrução?

    • Maria José Abranches on 11 Setembro, 2019 at 22:55
    • Responder

    Tudo neste processo conducente à imposição do AO90 aos portugueses, desde a própria concepção do linguisticamente vergonhoso e indefensável AO90, se tem regido pelo mais escandaloso desrespeito pela democracia! O silêncio que ninguém parece interessado em quebrar, a começar pelos políticos responsáveis por esta situação, incluindo os deputados, e com destaque para os ‘media’, mas também para todos os cidadãos que se submetem e não reagem, levam-me a pensar que infelizmente o Estado Novo ainda não desapareceu… E, já agora, deixo uma pergunta: acham normal que as decisões que dizem respeito à língua portuguesa de Portugal, o português europeu, estejam entregues ao Ministério dos Negócios Estrangeiros?

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