«Uma questão de responsabilidade colectiva» [Maria José Abranches versus TIAC]

meuselonAO1—– Original Message —–

From: Maria Abranches
Sent: Tuesday, July 15, 2014 7:09 PM
Subject: CPLP e AO90

Ex.mos Senhores,

Esta nossa troca de correspondência, que segue com conhecimento para a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (ILCAO), começou faz hoje um ano e um mês exactamente e não perdeu nada da sua actualidade. Dela dei na altura conhecimento à ILCAO, pelo que aí se encontra já publicada: https://ilcao.com/?p=11373

O que me motiva agora é o texto recentemente publicado no sítio “Transparência e Integridade – Associação Cívica“, com o título «CPLP: o consenso da corrupção e do petróleo», que acabo de ler: http://transparencia.pt/?p=2902

É pois neste novo contexto que volto a dirigir-me a essa prestigiada instituição, na esperança de que os últimos desenvolvimentos no âmbito da CPLP tornem mais evidente a gravidade de que se reveste o desrespeito pela língua materna dos portugueses, o Português europeu, que o “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” de 1990 (AO90) representa. Talvez os alertas que enviei no ano passado obtenham agora maior eficácia.

Permito-me dirigir agora à “Transparência e Integridade – Associação Cívica” a pergunta e as reflexões que formulei em carta enviada a 10/07/2014 à Directora do jornal “Público”, motivada pelos artigos e recente editorial sobre a questão da adesão da Guiné Equatorial à CPLP:

[excertos]
«()

A “irresponsável diluição de princípios” e a “diplomacia da subserviência e da permissividade”, a que se refere o “Público”, já vêm de longe. Nunca entendi como foi possível conceber e fazer assinar pelos oito países da CPLP o texto inqualificável do “Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, “feito e assinado em São Tomé em 25 de Julho de 2004”.

(…)

«Artigo 3.º

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa.»

E a Assembleia da República aprovou isto em nosso nome! E há por aí quem se diga “democrata”, e se proponha salvar o nosso país, escrevendo ao mesmo tempo assumida e orgulhosamente com o AO90: mostra-me como escreves, dir-te-ei quem és!

()
[/excertos]

Conforme já anteriormente referi, simples cidadã que sou, não abdico nem deixo por mãos alheias a minha parte de responsabilidade na defesa dos princípios e dos valores humanos em que acredito. É assim que entendo a democracia.

Com os meus respeitosos cumprimentos,

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

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Date: Thu, 27 Jun 2013 11:38:48 +0100
Subject: Re: Formulário de Contacto Site TIAC
From: secretariado@transparencia.pt

Cara Maria José Santos,

Respeitamos inteiramente as suas posições e as suas críticas e celebramos o seu ativismo na defesa da sua causa. A posição da TIAC e as razões que a sustentam ficaram explícitas na comunicação anterior.

Sinta-se à vontade para, se o entender, divulgar esta correspondência pelas formas que entender.

Melhores cumprimentos,
TIAC

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No dia 26 de Junho de 2013 às 23:47, Maria Abranches escreveu:

Ex.mos Senhores,

Começo por agradecer terem respondido tão prontamente à minha mensagem. Mas, porque tenho consciência da minha responsabilidade pessoal, que me não autoriza a descansar à sombra da responsabilidade alheia, sinto-me impelida a partilhar convosco alguma coisa da minha já longa preocupação com a necessidade de defender a língua de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).

Como subscrevi e publicamente tenho apoiado e defendido a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico ( https://ilcao.com/) de que tomei conhecimento, por um artigo do “Público”, a maior parte dos meus textos já aí se encontram publicados, em nome de Maria José Abranches, pelo que utilizarei o link respectivo, sempre que for caso disso. E igual procedimento usarei para outros textos aí publicados.

O direito de qualquer povo à sua língua materna, seu património identitário soberano, inscreve-se à cabeça dos direitos humanos fundamentais. Por isso, ao longo dos tempos, sempre as línguas dos povos foram objecto da repressão dos poderes totalitários. A este propósito, veja-se o “Manifesto de Girona sobre os Direitos Linguísticos” ( http://proximidade.penclubeportugues.org/2011/09/manifesto-de-girona-sobre-os-direitos.html) e a posição do PEN Clube Português e Internacional relativamente ao AO90 (https://ilcao.com/?p=10222). Recorde-se ainda o que, neste contexto, estabelece a Constituição da República Portuguesa.

Retomando o vosso terceiro parágrafo, eu diria que os tratados internacionais não estão, nem nunca estiveram, por definição, ao abrigo de pressões, influências e até negócios de toda a ordem. Quanto ao que agora nos ocupa, sugiro a leitura deste artigo de dois Professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (https://ilcao.com/?p=7354), assim como da intervenção do ex-Ministro da Cultura, Dr. José António Pinto Ribeiro – aquando da sua audição pelo Grupo de Trabalho sobre o AO90, da 8.ª Comissão da Assembleia da República (https://ilcao.com/?p=11330) – que também já figuram na referida ILCAO. E, para concluir este aspecto da questão, aconselho também a audição da Professora Isabel Pires de Lima, no mesmo Grupo de Trabalho da AR (https://ilcao.com/?p=11164&cpage=1#comment-22829).

Reflectindo sobre o vosso quarto parágrafo, permito-me algumas observações:

– sem falar da problemática, que continua, sobre se o AO90 está ou não em vigor, nada no contexto actual “obriga” os media a aplicá-lo, antes de terem passado seis anos sobre a data do depósito do instrumento de ratificação do II Protocolo Modificativo ao AO90 (13 de Maio de 2009, segundo o Aviso do MNE n.º255/2010), resultando essa aplicação unicamente de decisões e interesses próprios, que nada têm a ver com o respeito com que deveriam tratar a língua que lhes permite existir e o público a quem se dirigem;

– por outro lado, há meios de comunicação social que, apesar da “moda”, preferem respeitar-nos e à nossa língua, mantendo a ortografia em vigor, que decorre do Acordo de 1945, que o Brasil não respeitou; e aqui merece particular destaque o “Público“, que tomou posição contra o AO90 e que se tem empenhado em manter viva a discussão que este assunto impõe;

– como explicar e “aceitar” que os media se empenhem activamente na defesa do caos ortográfico e na destruição do esforço de alfabetização dos portugueses levado a cabo nas últimas décadas?

– o que têm feito esses media para promover o debate e dar visibilidade à oposição “real” que este AO90 suscita junto das camadas mais amplas e variadas da população, a começar pelos especialistas e intelectuais que se lhe têm sistematicamente oposto?

– como se justifica que, vivendo nós em democracia, nunca o AO90 tenha sido tema de debate em nenhuma das inúmeras eleições (presidenciais, legislativas, autárquicas) que aqui ocorreram desde 1990?

– que razão pode levar uma instituição livre e independente, como a TIAC, a caucionar a opção feita por alguns meios de comunicação social (não é a “esmagadora” maioria e ainda que fosse…) de “impor” (porque é disso que se trata) o AO90 aos cidadãos portugueses, sem a isso serem legalmente obrigados e desprezando totalmente o sentir da generalidade do público a quem se dirigem?

– como é possível que uma instituição com os objectivos da TIAC possa acreditar que o caminho para a “sensibilização pública e mobilização cívica” se fará, “por razões práticas”, pactuando com este ataque à nossa língua materna, feito em nome de interesses e objectivos “políticos” e económicos obscuros e contraditórios?

A propósito do vosso último parágrafo, ocorre-me sublinhar que o que está em causa é a defesa do português, na sua versão europeia, norma partilhada – com as peculiares e enriquecedoras variantes regionais – por todos os países da CPLP, com excepção do Brasil; não se trata pois de uma simples questão de “opiniões pessoais”, mas de responsabilidade colectiva: esta língua é património nacional, europeu e universal, de que nos cabe usufruir de modo “responsável”, por respeito para com aqueles que nos antecederam e no-la legaram e para com aqueles que nos sucederem e a quem a deixaremos em herança.

Correndo o risco de abusar da vossa paciência, deixo aqui o link para um dos meus textos, que poderá ajudar a compreender o que está em jogo, embora não se possa substituir à indispensável leitura dos pareceres especializados sobre o AO90, nem à opinião inúmeras vezes expressa por universitários e outras personalidades respeitáveis da área da cultura: “A Herança”: https://ilcao.com/?p=6272

Com os meus cumprimentos,

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos
P.S.: Reservo-me o direito de eventualmente dar a conhecer esta correspondência.

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Date: Sun, 16 Jun 2013 11:00:12 +0100
Subject: Re: Formulário de Contacto Site TIAC
From: secretariado@transparencia.pt

Cara Maria José Santos,

Muito obrigado pela sua mensagem.

A TIAC trabalha, em parceria com mais de 90 organizações espalhadas pelo mundo e agrupadas na rede Transparency International, para estudar o fenómeno da corrupção e propor políticas públicas para melhorar o seu combate. Assumimos para isso o conceito de corrupção como sendo o abuso de um poder delegado para benefício próprio ou de outros.

O Acordo Ortográfico é um tratado internacional. Não temos conhecimento de qualquer situação, ou suspeita, de corrupção na sua negociação ou celebração, ou seja, não conhecemos nenhum facto que nos levante suspeita de que os responsáveis pela sua preparação e negociação, em Portugal ou nos outros países signatários, tenham agido para benefício próprio ou de membros do seu grupo. Desse modo, será sempre legítimo tomar posição contra ou a favor do AO, mas não há dado algum objetivo que nos permita suspeitar de corrupção nesta matéria.

A TIAC adotou o Acordo Ortográfico na sua comunicação por razões práticas. O combate à corrupção não se fará sem sensibilização pública e mobilização cívica, que exigem um trabalho próximo com os meios de comunicação social. Dado que a esmagadora maioria dos órgãos de comunicação social em Portugal já adotou as regras do Acordo Ortográfico, compreendemos que a nossa penetração nos media seria facilitada se escrevêssemos segundo as mesmas regras ortográficas dos nossos interlocutores.

À parte esta questão prática, respeitamos inteiramente a diversidade de opiniões existentes sobre o Acordo Ortográfico, que reflete aliás a diversidade de opiniões que sobre esta matéria existem entre os próprios dirigentes, investigadores, associados, voluntários e apoiantes da TIAC.

Melhores cumprimentos,

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No dia 15 de Junho de 2013 às 16:46, Maria José Abranches Gonçalves dos Santos escreveu:
Mensagem Site TIAC

De: Maria José Abranches Gonçalves dos Santos
Assunto: [your-subject]

Corpo da mensagem:
Tenho seguido com interesse as intervenções do Dr. Paulo Morais. Porque li a sua excelente entrevista ao Jornal i, procurei informar-me sobre esta Associação Cívica: pensava encontrar aqui alguma sensibilidade face ao crime que o Acordo Ortográfico de 1990 representa para a língua dos portugueses. Infelizmente fiquei elucidada: também nesta Associação se aplaude e aplica, entusiasticamente, o AO90! E aqui, além do crime patrimonial, não há corrupção? Decididamente devo ter um conceito muito exigente de democracia!
Os meus cumprimentos,

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos


Mail enviado via formulário de contacto em Transparencia e Integridade, Associação Cívica http://wp.tiac.webfactional.com

Nota: alguns “links” foram por nós acrescentados nesta transcrição.

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1 comentário

    • raul mesquita on 17 Julho, 2014 at 1:59
    • Responder

    Cara Maria José,
    Na leitura desta troca de correspondêcia acima fica claro que as razões práticas que são enunciadas pelos assinantes da TIAC não têm em conta toda a série de absurdidades que saem do famigerado Acordo ou Aborto, como quiserem chamar-lhe. E é terrivelmente encorajador saber a posição de Angola e, sobretudo, um editorial escrito há tempos no jornal estatal de Luanda, que é uma excelente lição de Português para muitos portugueses “progressistas” que dão a língua ao diabo. Os jornais em Portugal, ao que parece a sua maioria, são dependentes do Governo ou de marajás governamentais. Em tempos idos criticava-se a Censura…hoje o poder das pressões e dos ditames parece ser mais forte que antes. Mas viva a festa. Uns copos e o futebol e a nossa gente fica contente. Até ao dia em que Portugal fizer um acordo social ou comercial qualquer com o Perú e se diga no pretuguês que vigora(…) : Portugal fez um pato com o Perú!
    Quando o povo não respeita a sua prúpria Língua…estamos no fim duma civilização.
    De toda a maneira o Português que sempre ensinei e ensinarei será o Português português. E quem tiver “dificuldade” de o compreender que o aprenda.
    Bjs.
    raul, Qc. Canada

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