Ficaram concluídos no passado dia 19 de Junho de 2013 os trabalhos do Grupo de Trabalho parlamentar sobre o Acordo Ortográfico de 1990 (GT AO90), tendo sido publicado ontem o respectivo relatório final.
Sobre os conteúdos e sobre as conclusões plasmadas neste relatório, as opiniões dividem-se: alguns acham que os resultados são ou foram afinal poucos (ou mesmo nenhuns), enquanto que outras pessoas consideram que de facto valeu a pena todo o trabalho, toda esta já longa luta, visto que do dito relatório resulta uma recomendação ou sugestão implícita («ficando reservada a cada Grupo Parlamentar a tomada das iniciativas que entender convenientes») que não deixará certamente de ter os seus efeitos práticos no sentido por todos nós pretendido, ou seja, no accionamento de mecanismos de reanálise de todo o processo que conduziu à entrada em vigor do malfadado “acordo” e, portanto, de reversão desse mesmo processo.
Não nos esqueçamos, porém, de que tanto a formação deste GT como os seus resultados não seriam jamais, em qualquer dos casos, o fim da luta, isto é, a revogação pura e simples da entrada em vigor do AO90. Esta foi apenas uma etapa, agora ultrapassada, de facto, mas que deixou uma marca indelével, social, mediática e política, e que além disso cumpriu efectivamente as suas funções primordiais: o AO90 deixou de ser um “facto consumado”, por um lado, a opinião pública foi finalmente ouvida sobre uma matéria que lhe diz exclusivamente respeito, por outro lado, e, por fim e por consequência das premissas anteriores, foram criadas as condições políticas para uma tomada de posição concreta por parte dos Deputados, enquanto representantes de todos os portugueses, mas desta vez em conformidade com aquilo que é a vontade expressa destes e não a mera conjuntura política ou os interesses partidários daqueles.
Existem pelo menos três formas de dar seguimento a este (agora sim, imparável) processo de reversão, conforme aliás aventámos em diversas reuniões e contactos com Deputados (de dois Partidos de sinal político contrário), durante os anos de 2011 e 2012.
- A apresentação, por parte de um único Deputado ou de vários, de um projecto de lei de conteúdo e objectivos similares aos da nossa ILC, conforme previsto na alínea b) do Art.º 156.º da CRP. Isto evidentemente, desde que fique garantida a liberdade de voto, ou seja, que em sede de reunião de líderes de grupos parlamentares se convencione a abolição da “disciplina de voto” neste projecto de lei em concreto.
- A constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (cf. Art.º 178.º – 4 CRP), requerida por 46 Deputados, com a finalidade de investigar todos os procedimentos do processo legislativo que conduziu à aprovação da RAR 35/2008 (II Protocolo Modificativo) e tendo por (óbvia) consequência a apresentação de uma iniciativa legislativa em conformidade.
- A apresentação de um pedido de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da RAR 35/2008, do II Protocolo Modificativo e/ou do próprio AO90, por parte de (pelo menos) 23 deputados de todas ou de pelo menos duas bancadas parlamentares. (cf. Art.º 281.º – f) CRP).
E assim, com o concurso não apenas de simples cidadãos como também de deputados de todos os Partidos, teríamos de uma assentada a correcção de um erro colossal e uma saída airosa, em qualquer dos três casos, para o imbróglio político (ou para o beco sem saída a que nos pretende condenar o “statu quo” político-partidário), já que todas as forças políticas seriam solidariamente responsáveis pela anulação do seu próprio erro colectivo. Sem responsabilizações nem culpas nem ónus nem custos de qualquer espécie para qualquer deles.
Pois se não é para interpretar fielmente o sentir do povo, se não é para o representar nas suas aspirações, então para que servem os deputados da Nação? O que estão afinal ali a fazer?
Confiemos, pois, agora que estão criadas as condições para tal, em que haja finalmente a “vontade política”, o bom-senso que antes faltou quanto a esta matéria.
Seja de que forma for, independentemente da solução prosseguida, nós outros continuaremos como até aqui, com a mesma determinação inabalável. Esta ILC continuará o seu caminho de resistência activa até que o monstro ortográfico seja atirado para o lugar que merece, isto é, o arquivo morto.
[Ver artigos da Constituição citados neste texto.]
11 comentários
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Uma óptima síntese, bem documentada – tendo em conta a consulta dos “links” apresentados – sobre as actividades deste Grupo de Trabalho (convém ler na íntegra o respectivo Relatório) e as saídas possíveis deste “pesadelo nacional”, caso os Deputados “queiram”, como devem, ouvir-nos, representar-nos e usar dos poderes e recursos que a CRP põe ao seu dispor.
Não posso deixar de destacar, no acima referido Relatório do GT, ponto 3.2 – “As reformas ortográficas oficializadas”, este parágrafo:
«A primeira reforma ortográfica, que Portugal aplicou, ocorreu em 1911 mas não se estendeu ao Brasil. A partir de então, a existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa foi alvo de tentativas de unificação.»
Continua, como no próprio AO90, a ser “ignorada” a reforma ortográfica de 1907, feita unilateralmente pela Academia Brasileira de Letras, para simplificar a ortografia, aproximando-a da fonética! Seria conveniente reflectir sobre o significado desta visível e insistente vontade de “culpabilizar” Portugal pela existência da dupla ortografia, contra a realidade dos factos amplamente documentados!
Resta-me dizer que subscrevo inteiramente o último parágrafo deste “post”: esta ILC continuará o seu trabalho de «resistência activa até que o monstro ortográfico seja atirado para o lugar que merece, isto é, o arquivo morto.»
Que esta saga que tenho vindo a acompanhar ao longo dos últimos meses tenha um final feliz. Os ventos estão mais favoráveis. Força!
Subscrevo, na íntegra, o comentário da Prof. Maria José Abranches.
Devo esclarecer que não sou especialmente contra este AO90: sou contra QUALQUER Acordo, ou tentativa de Acordo, que vise “unificar” (?) a ortografia ou qualquer outro aspecto gráfico-fonético-semântico da língua portuguesa nas diferentes formas em que é falada e escrita no mundo.
Tal pretensão é uma aberração sem sentido: a língua portuguesa difundiu-se ao longo dos séculos pelos mais variados pontos do globo onde foi adquirindo, NATURALMENTE, diferenças e matizes consoante as culturas, etnias, tradições e falares locais, o que é um bem e uma riqueza; esse bem não deve ser desfigurado ARTIFICIALMENTE por um colete de forças imposto por violência económico-política para servir interesses que só não são obscuros por já terem sido muitas vezes expostos e denunciados.
Claro que ainda sou mais contra a ridícula presunção de que é possível “rever” e “melhorar” o AO90. Não tenhamos ilusões: isso é uma mentira, este AO90 é tão mau que não tem conserto nem melhoria possível. A única solução só não é matá-lo de vez porque o AO90 já nasceu morto, portanto só é preciso enterrá-lo bem fundo com legislação revogatória (funerária?) apropriada.
Em seguida, deve haver a sensatez, a humildade e o respeito pela Natureza para deixar a Natureza actuar, deixar que a língua que Portugal espalhou pelo mundo siga o seu curso natural nos vários espaços e tempos onde floresceu e continua a florescer, pois essa é a melhor homenagem que podemos prestar aos grandes que a engrandeceram, os trovadores dos cancioneiros medievais, Fernão Lopes, Gil Vicente, Camões, Vieira, Eça, Pessoa… e tantos mais.
Peço desculpa, mas este post parece-me… como dizer… optimista? Acabo de ler o relatório e aquilo é uma pessegada: em todos os capítulos, não passa de um resumo do que foi dito nas reuniões da comissão, elenca argumentos contra e a favor, regista o que foi lá dito mas não confirma nem desmente, quando o que foi dito é falso, lá permanece sem que se diga que é falso. No capítulo da aplicação do AO90 na sociedade diz-se que não pode ser aferida e acrescenta-se que dos 10 jornais “mais lidos” é aplicado em 8 e em todas as estações de tv (o que até é mentira, no cabo há alguns que o não aplicam) o que é um forma de dizer “não se consegue saber se é aplicado na sociedade, mas toda a sociedade o aplica” e as conclusões são… nada. As conclusões são: cada grupo parlamentar que faça o que entenda.
No fundo, tudo isto foi para épater le bourgeois.
Concordo com o que o Jorge Teixeira escreveu.
Em nenhuma palavra da publicação se refere à entrega da ILC-AO na Assembleia.
Por isso, a pergunta que se impõe é: quando é que a ILC será entregue??
Daqui a pouco estamos em 2015, e a ILC-AO ainda não foi entregue na Assembleia!
@Rui Santos: A publicação não podia referir-se a isso, porque a ILC ainda não foi entregue. Ainda não foi entregue porque ainda não há o número de assinaturas exigido por lei.
É confrangedor verificar a engenhosa falta de objectividade que dimana das tímidas acções dos “representantes do povo”, salvo honrosas excepções. Posso enganar-me, mas receio bem que o poder da corja de colaboracionistas e cães de fila que estão a ser alimentados pelas “metástases do tumor AO90” permita alguma “vontade política” com vista a qualquer revogação legislativa. Valha-nos a determinação inabalável de alguns em prosseguir a luta.
E a ILC ainda não foi entregue! “Ainda não foi entregue porque ainda não há o número de assinaturas exigido por lei.” E estamos a deixar passar a oportunidade… é que mais uns tempos e pode ser tarde demais. Quantas assinaturas faltam ainda?
Ver respostas, por exemplo, AQUI e AQUI.
A maioria das pessoas são contra o AO. Não há nada que se possa fazer para, aproveitando esse precioso facto, aumentar o número de assinaturas? Pessoalmente, junto de familiares e amigos, já cheguei a enviar quase uma dúzia de assinaturas. Uma acção de rua, uma campanha de divulgação, etc. Há muita gente que não conhece esta iniciativa…
O facto de os deputados de todos os partidos terem já adoptado este ridículo acordo diz tudo; aprovaram ou foram cúmplices da aprovação de um abominável acordo que vem apenas favorecer o «abrasileiramento» do português europeu, que fica assim destruído e relegado pela força da lei ao esquecimento. Existe aqui um claro abuso da parte dos partidos e do Parlamento no seu todo, que não me parece ter legitimidade para obrigar os portugueses a escreverem à brasileira. Já agora porque não votarem unanimemente a adopção do mandarim ou do alemão como novas línguas oficiais do nosso país? Será que a loucura, a corrupção e a incompetência tomaram conta dos deputados portugueses? Parece que sim, já que os nossos políticos e «representantes», cada vez mais afastados do conhecimento das realidades concretas dos países que lideram, já nem senso comum têm.