No final de Janeiro anunciámos a chegada à meta das 20.000 assinaturas. Passado um mês, o que aconteceu entretanto?
Na sequência desse anúncio, contactámos de imediato a Assembleia da República para nos inteirarmos dos passos necessários para a entrega formal das assinaturas. E formulámos uma pergunta específica: como irão ser validadas, pelos serviços competentes da AR, as subscrições anteriores a Julho de 2016?
Recordamos que, nesse mês, a subscrição de uma ILC passou a exigir a data de nascimento do subscritor, em detrimento do seu Nº de Eleitor. A ILC-AO já estava em curso nessa altura, e tinha já recolhido largos milhares de assinaturas seguindo as regras anteriores (com nome, número de BI e o número de Eleitor).
Dirigimos esta pergunta à Assembleia da República quase por descargo de consciência. Parecia-nos mais do que evidente que uma ILC não pode ser prejudicada pela alteração das regras a meio do campeonato, para usar uma analogia em termos futebolísticos, numa linguagem que toda a gente entende. Seria absurdo vermos anuladas (porque passariam a ser consideradas “inválidas”) a maior parte das assinaturas recolhidas, ou seja, estaríamos a perder na secretaria quase dois terços dos pontos já conquistados.
A prevalecer tal critério burocrático, e tendo em conta a quantidade de alterações sofridas pela Lei que regula as ILC, qualquer hipotética Iniciativa deste tipo ter-se-ia visto na contingência de estar permanentemente a regressar à “estaca zero”, ao sabor de cada nova mudança.
Expusemos, portanto, estas preocupações e dúvidas aos serviços administrativos parlamentares. Para nossa grande admiração, a primeira resposta que recebemos, através da DAPLEN (Divisão de Apoio ao Plenário), enumerava as condições a que devem obedecer as assinaturas de uma ILC:
“Na redacção em vigor da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho (Iniciativa Legislativa de Cidadãos), os dados de identificação dos cidadãos eleitores (maiores de 18 anos) subscritores que têm de apresentar, no momento da entrega da iniciativa, são os seguintes:
– Nome completo;
– Número do bilhete de identidade ou do cartão de cidadão (número de identificação civil, com ou sem a letra e dígitos de controlo);
– Data de nascimento.
Como referiu, o número de eleitor foi abolido pela Lei n.º 47/2018, de 13 de Agosto, que procedeu a alterações ao regime jurídico do recenseamento eleitoral, aprovado pela Lei n.º 13/99, de 22 de Março. Assim, não serão tidos em conta ou analisados, para qualquer efeito, dados adicionais dos subscritores, tais como assinaturas, rubricas ou números de eleitor.“
Escusado será dizer, estas instruções aplicavam-se a TODAS as subscrições da ILC, sem distinção, a maior parte das quais, repita-se, recolhidas antes da primeira alteração à Lei. Respondemos de imediato àquela mensagem expressando a nossa convicção de que esta resposta teria sido, porventura, uma resposta automática, a chamada “chapa-cinco”, adiantada com boas intenções mas sem ter em conta o caso de uma ILC — qualquer ILC, não apenas a nossa — poder estar a decorrer aquando da alteração da Lei.
Resumindo, transmitimos ao DAPLEN que não faz sentido que sucessivas alterações do articulado legal acabem por constituir uma armadilha e um entrave radical ao exercício do Direito de Iniciativa.
A esta argumentação respondeu aquele departamento dizendo que a admissão de uma ILC é da responsabilidade do Presidente da Assembleia da República, competindo aos serviços apenas a preparação de “uma nota de verificação dos requisitos legais“. Ainda assim, sugerem aqueles serviços administrativos, quando entregarmos a ILC deveremos “fazer menção ao espaço temporal em que se processou a recolha de assinaturas e as alterações legislativas no período em causa“.
Ora, num assunto desta gravidade, “fazer menção” não nos pareceu garantia suficiente. Assim, endereçámos uma nova missiva ao Parlamento, desta vez dirigida ao Sr. Vice-Presidente da Assembleia da República, Dr. Jorge Lacão.
Nessa mensagem, enviada no dia 14 de Fevereiro, adiantámos uma solução para o impasse criado pelo próprio Parlamento, ao qual a ILC-AO é totalmente alheia: se, de facto, o nº de Eleitor deixa de ser considerado, então resta a possibilidade da validação das subscrições anteriores a 2016 apenas com base no nome e no nº de BI/CC.
É certo que fica de fora a data de nascimento que, em última análise, atesta a maioridade do subscritor. Mas a Assembleia da República pode, se assim o entender, manter a validação de todas as subscrições numa situação de paridade. Bastará que, para o efeito, requeira ao Instituto de Registos e Notariado as datas de nascimento que porventura se encontrem em falta na amostra que for utilizada para a validação das subscrições.
Registe-se, como curiosidade, que o Código do Registo Civil já garante, a qualquer pessoa, a possibilidade de requerer, numa Conservatória, cópia(s) do Assento de Nascimento de qualquer cidadão que não o próprio, ao abrigo do Artº 241 do CRC. Trata-se de uma operação que custa 2 Euros. Podemos solicitar uma ou duas datas de nascimento, em jeito de experiência, mas não temos condições para mais do que isso — nem somos responsáveis, de resto, pela ausência desse dado nas subscrições anteriores a 2016.
Desde o envio desta nossa proposta decorreram já três semanas, sem que tenhamos recebido qualquer resposta. Sendo esta uma questão que pode ser crucial para o sucesso desta Iniciativa, o facto é que o tempo urge. Com esta troca de correspondência já se perdeu mais de um mês. A perspectiva de uma garantia de imparcialidade começa a não compensar o tempo de espera por uma resposta que pode até não chegar.
Neste contexto, optámos por formalizar, no passado dia 4 de Março, o pedido de uma reunião com S. Excia. o Presidente da Assembleia da República, com a finalidade de entregarmos formalmente a ILC-AO.
A Assembleia da República pode agora responder-nos de duas maneiras: por actos e por palavras. Acreditamos que, de uma forma ou de outra, o tratamento justo desta ILC não deverá ser posto em causa.
Entretanto, a recolha de assinaturas continua. E continuará ainda com mais ânimo depois da entrega da ILC no Parlamento.
1 comentário
Não posso deixar de agradecer as vossas diligências, agora no sentido de fazer chegar a nossa voz à ‘Casa da Democracia’. Quero continuar a crer que a democracia veio para ficar e perdurar, apesar das dificuldades comportamentais resultantes de quase meio século de ditadura. Já Maquiavel dizia: «um povo corrompido que atinge a liberdade tem a maior dificuldade em mantê-la». Obrigada por tudo!