Tomar partido, sim!

tshirt1A Constituição da República portuguesa atribui a “Iniciativa da Lei” aos deputados, ao Governo e — conquista importante da democracia — a grupos de cidadãos devidamente recenseados. Infelizmente, a Lei que regulamenta a Iniciativa Legislativa de Cidadãos fixa um limite mínimo de 35.000 assinaturas para a submissão de um Projecto de Lei a discussão e votação no Parlamento. É um número absurdamente alto, que na prática inviabiliza o exercício deste direito por parte dos portugueses.

Trinta e cinco mil subscrições em papel são uma tarefa quase impossível para um grupo de cidadãos que, sem outros meios além da vontade individual dos seus promotores, activistas e voluntários, tenta levar um Projecto de Lei ao Parlamento. O número é de tal forma elevado que se presta a esta confusão: muitas pessoas julgam que basta reunir 35.000 assinaturas para que a Lei seja automaticamente aprovada. Na verdade, o Projecto de Lei contido numa ILC terá ainda de ser votado em plenário — isto, claro, se não tropeçar antes num qualquer tecnicismo de secretaria e não chegar sequer a ser admitido. Ou seja: a vontade expressa de 35.000 cidadãos eleitores poderá não servir para nada.

A Lei 17/2003, que rege as ILC, é, de facto, uma lei “para cidadão ver”.

A ILC-AO, visando a revogação da RAR 35/2008, reuniu até agora cerca de 15.000 assinaturas. Em papel. Um número extraordinário para uma Iniciativa sem meios, mas insuficiente para o fim em vista. Muitas vezes olhámos para este número e pensámos: “Quinze mil assinaturas… bem, isso daria para promover duas candidaturas à Presidência da República! Ou para inscrever dois partidos políticos no Tribunal Constitucional…”

De facto, a ideia sempre andou por aí. Rondou-nos, insinuou-se, às vezes quase se metia pelos nossos olhos dentro. “Apenas” teríamos de voltar ao princípio, ou seja, lançar uma nova campanha de recolha de  assinaturas, mas desta vez tendo por objectivo “só” 7.500 e já não 35.000, essa absurda enormidade.

É verdade que o problema do AO tem sido maltratado pela generalidade dos partidos políticos portugueses. Alguns optam pela omissão simples, enterrando a cabeça na areia. Outros assobiam para o lado, esperando que os críticos desistam por cansaço — porque acreditam em segredo que o AO é o Santo Graal da modernidade. Há ainda quem diga que o ideal é que cada um possa escrever como bem entender (cito de memória Francisco Louçã no blogue “Tudo Menos Economia”, por exemplo) — como se o problema fosse uma questão de Liberdade de Expressão. Outros ainda colocam a tónica num ponto de vista nacionalista e xenófobo que, de todo, não faz sentido.

Perante este cenário, não admira que uma das mais activas militantes da ILC tenha recentemente dito que nas actuais circunstâncias apenas nos resta o voto NULO: “com AO90 não há voto para ninguém”!

Foi, naturalmente, uma posição individual. O apelo ao voto nulo, como se imagina, nunca poderia ser endossado pela ILC — desde logo porque o voto nulo é, antes de mais, um voto contra o próprio direito de voto, duramente conquistado. Mas também porque essa forma de luta seria totalmente invisível, não-mensurável e, consequentemente, inútil.

Não será melhor criar, no boletim de voto, o nosso próprio espaço para riscar uma cruzinha?

Muitos dirão: criar um partido político por causa do AO é, também, uma distorção das regras do jogo democrático. Mas não está já o jogo democrático distorcido à partida, ao permitir que a vontade da maioria da população portuguesa no que ao AO diz respeito não tenha qualquer eco na Assembleia da República?

A criação de um partido com um fim específico nem sequer é inédita. Há quatro anos, um outro grupo de cidadãos concluiu que não havia um único partido em Portugal que consagrasse nos seus objectivos a salvaguarda dos direitos dos animais. Foi assim que surgiu o PAN, reconhecido pelo Tribunal Constitucional em 2011 e que, em quatro anos, se tornou na sétima força política nacional — sexta, em distritos como Setúbal, Faro e Lisboa.

Criar um partido político é mais uma arma que está ao nosso alcance. Nesta luta desigual pela preservação da nossa Língua, temos o direito e o dever de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance. Não podemos dar-nos ao luxo de não aproveitar esta oportunidade.

Rui Valente

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1 comentário

    • María Oliveira on 15 Abril, 2015 at 18:30
    • Responder

    Muito bem, Rui Valente! Parabéns a todos os que fazem parte da ILCao! É um refrigério visitar está vossa (e nossa) página. Coragem!

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