“Apocalise abruto” [por Octávio dos Santos, jornal “Público”, 13.03.15]

publico“Apocalise abruto”

Octávio dos Santos
13/03/2015 – 05:07

O “cAOs” ortográfico está a alastrar em Portugal. Será definitivo? Ou, pelo contrário, será contido e até revertido?

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A imposição – ilegítima, ilegal, imoral, inútil, prejudicial, ridícula, totalitária – do dito “Acordo Ortográfico de 1990” como que já “normalizou”, aparente e infelizmente, aberrações como “atividade”, “ator” e “atriz”, “direto”, “espetáculo”, e outras (de)mais. Porém, bastantes “anomalias” adicionais têm vindo a ocorrer induzidas pela ideia – errada mas compreensível – de que, com o AO90, qualquer consoante de pronunciação minimamente “duvidosa” provavelmente não deve estar antes de outra.

Este perigo de proliferação, de multiplicação, de erros, de deturpações foi previsto e alertado atempada e acertadamente por muitos opositores do dito cujo, que então não receberam toda a atenção que mereciam mas que agora vêem os seus receios confirmados…

… Com exemplos como “abruto”, “acupuntura”, “adatação”, “adeto”, “adómen”, “ajunto”, “amidalite”, “aministração”, “aministrador”, “anistia”, “apocalise”, “artefato”, “autótones”, “avertência”, “batéria”, “batericida”, “carateres”, “cetro”, “compatar”, “conetar”, “conosco”, “contratura”, “convição”, “cootar”, “corréu”, “corrução”, “corrutor”, “critografia”, “dianóstico”, “disseção”, “dítico”, “dútil”, “eletroténico”, “elipsou(-se)”, “elise”, “elítico”, “enográfico”, “erução”, “esfínter”, “espetativa”, “espetável”, “espetro”, “estupefato”, “etópica”, “eucalito”, “expetoração”, “ezema”, “fição”, “fratais”, “frição”, “ginodesportivo”, “helicótero”, “histeretomia”, “ilariante”, “impato”, “indenização”, “infeciologia”, “intato”, “inteleto”, “interrução”, “interrutor”, “invita”, “iterícia”, “latente” (não o que ainda não se manifestou exteriormente), “manífico”, “mastetomia”, “mição”, “nétar”, “Netuno”, “oção”, “ocional”, “onívoros”, “ostáculo”, “ostipação”, “otanagem”, “otativo”, “otogenário”, “otógono”, “pato” (não a ave), “perfecionista”, “piroténico”, “pitórico”, “plânton”, “politénico”, “protologia”, “proveta” (não a dos bebés e dos laboratórios), “putrefato”, “refratário”, “réteis”, “reto” (não a parte da anatomia), “seticemia”, “setor”, “sução”, “sujacente”, “suntuoso”, “ténica”, “tenologia”, “tenológico”, “tetónica”, “trato” (não a forma de lidar com outros), “trítico”, “tumefação”, “tumefato”, “umidade” e “vasetomia”. Quais são as letras que faltam nas “palavras” acima referidas? Já não são só os “c’s” e os “p’s” que cortam… os “b’s”, os “g’s”, os “h’s”, os “m’s”, os “n’s” e os “t’s” também podem desaparecer!

Localizadas e compiladas por João Pedro Graça, principal impulsionador da Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, e que assim alargou e levou até às últimas – e assustadoras – consequências um trabalho meritório de denúncia em que também têm participado, entre outros, João Roque Dias, Francisco Miguel Valada, Fernando Venâncio e António Fernando Nabais, as asneiras acima citadas não foram detectadas em meros, modestos, blogs ou páginas de Facebook de jovens ortograficamente inexperientes, iliteratos e ignorantes. Estavam e estão em sítios oficiais de importantes instituições e empresas, públicas e privadas, incluindo estabelecimentos de ensino superior e órgãos de comunicação social. Como A Bola, Autoridade Tributária e Aduaneira, Banco Santander, Boehringer Ingelheim, Câmara Municipal de Alfândega da Fé, Câmara Municipal de Guimarães, Câmara Municipal de Viseu, CMTV, Correio da Manhã, Correio do Minho, Destak, Diário da República, Diário de Notícias, Diário do Alentejo, Direcção-Geral do Património Cultural, Escola Superior de Educação de Bragança, Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu, Expresso, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, FENPROF, FNAC, Fundação Calouste Gulbenkian, Instituto Polité(c)nico de Coimbra, Instituto Politécnico de Lisboa, Instituto Politécnico de Viseu, Jornal de Notícias, Lusitânia Seguros, MaisFutebol, Ministério da Educação e Ciência, OLX, Portugalio, Presidência do Conselho de Ministros, Procter & Gamble, Revista Portuguesa de Cardiologia, Sapo, SIC, Tribunal da Relação do Porto, TVI, Universidade de Aveiro, Universidade Católica Portuguesa, Universidade do Porto, Universidade Lusófona e Visão.

Para saber quem “escreveu” o quê deve-se ir ao sítio da ILCAO e consultar o inacreditável “inventário” em constante actualização. Que constitui uma prova irrefutável e definitiva deste “apocalise abruto”, deste “cAOs” ortográfico – e, consequentemente, também comunicacional, cultural e educativo – que está a alastrar em Portugal. Será definitivo? Ou, pelo contrário, será contido e até revertido? De Belém e de S. Bento espera-se uma resposta. Urgentemente.

Octávio dos Santos
(Jornalista e escritor)

[Transcrição integral de artigo no jornal “Público” de 13 de Março de 2015. Os “links” foram adicionados.]
[“Post” editado por JPG.]

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8 comentários

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    • Maria José Abranches on 13 Março, 2015 at 17:55
    • Responder

    Muito bem, Octávio dos Santos! Subscrevo integralmente as suas desassombradas palavras!

    É preciso chapar na cara destes cegos emproados e tontos, responsáveis pela «imposição – ilegítima, ilegal, imoral, inútil, prejudicial, ridícula, totalitária – do dito “Acordo Ortográfico de 1990″», a evidência incontornável do caos linguístico (e não apenas ortográfico) a que deram origem, e que felizmente muitos têm vindo a denunciar.

    Um grande obrigada também por chamar a atenção do público português em geral para o excelente trabalho da ILCAO, designadamente da responsabilidade de João Pedro Graça, na denúncia constante deste – historicamente imperdoável – desastre nacional!

    E como este AO90, segundo o próprio Malaca Casteleiro, é uma questão política, faço minhas as suas palavras: «De Belém e de S. Bento espera-se uma resposta. Urgentemente.»

  1. Mais um oportuno e corajoso artigo de Octávio dos Santos no “Público”. Vamos ver se é desta que os portugueses (os distraídos) tomam consciência do crime cometido contra o idioma comum e começam a mexer-se. Porque, tal como um cancro, o “cAOs” ortográfico está a alastrar em Portugal, ameaçando matar não só a língua como toda uma cultura de séculos. O país não pode mais depender do delírio “ilegal, imoral, inútil, prejudicial”, de uns quantos patetas arvorados em salvadores do Português.

    É preciso saber “quem, na classe política, foi a favor do Acordo Ortográfico que desfigurou a língua portuguesa” e quem não foi. É preciso dizer basta a este “Apocalise abruto” que ameaça pôr todos brutos! «De Belém e de S. Bento espera-se uma resposta. Urgentemente.»!

    • Maria do Carmo Vieira on 13 Março, 2015 at 19:33
    • Responder

    Muito grata, caro jornalista Octávio dos Santos, pela exaustão dos seus exemplos e pela paciência na enumeração de quem voluntariamente escreve mal. É uma questão de tempo e, da nossa parte, de persistência na desobediência.

  2. Obrigado, Maria José Abranches, José Silva, Maria do Carmo Vieira, pelos simpáticos comentários. Mas devo, mais uma vez, salientar que cabe a João Pedro Graça o mérito principal – aliás, quase total – deste artigo; eu limitei-me a fazer uma sistematização básica.. e que seria sempre incompleta porque outros (maus) exemplos não cessam de surgir. Um que eu teria gostado de incluir no artigo é «manitude». Adivinham qual é a letra que falta?

    1. Desculpa lá, Octávio, mas essa não entendi. Deve ter-te escapado, tantas “elas” são. Aliás, editei o teu comentário e acrescentei o link à “palavra” que “falta”: manitude (http://ilcao.com/?p=16975).

      Cada qual terá a sua “palavra” favorita, ou seja, a bacorada acordista a que acha mais “piada”. A minha é, sem dúvida, “x-ato“. Difere de qualquer outra na medida em que esta pode vir a custar uns valentes milhões (de Euros convertidos em Dólares americanos) aos brincalhões Malaca, Bechara, Edviges, Reis & Companhia.

      As palavras não têm preço, como sabemos. Mas esta palavra em particular, sendo uma marca registada, tem um valor. Quantificável. Exigível. Pagável. Por eles.

    • Maria do Carmo Vieira on 13 Março, 2015 at 21:33
    • Responder

    Acabei mesmo agora de ler o Público, relendo o artigo do Octávio dos Santos e dou toda a razão ao comentário do autor porque, sem dúvida, o nosso maior bem-haja deverá ir para o João Pedro Graça e para a sua persistência, agradecimento que abrange também os outros colegas citados. Na verdade, se fôssemos todos assim, a lista ainda seria maior. Eu, por exemplo, numa Revista «Pais e Filhos» vi escrito «latente» por «lactente» e nem sequer me lembrei de retirar os dados que me permitiriam mais tarde usar com rigor o exemplo. De novo, obrigado a todos!
    Um abraço

    1. O trabalho não se agradece, faz-se.

      Um dos critérios de selecção das entradas do/no “índice cAOs” é que os casos sejam múltiplos e não apenas um ou dois.

      “Latente”? Temos: http://ilcao.com/?p=16072

    • Rui Valente on 14 Março, 2015 at 12:33
    • Responder

    De facto, a realidade ultrapassa a ficção. Por muito idiota que se imagine uma palavra, a verdade é alguém já a escreveu, publicou na web ou imprimiu orgulhosamente em cores garridas, em papel couché meio-brilho 125g.

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