«Vamos concordar em discordar » [Boss AC, “Correio da Manhã”, 22.02.15]

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O povo sempre disse ‘a falar é que a gente se entende’, ninguém disse ‘a escrever é que a gente se entende’.Boss AC22.02.2015 00:30

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Então e o novo acordo ortográfico? Já foi mais novo. E de acordo, tem pouco.

Os estudiosos da língua andam há anos de volta deste documento, que já foi assinado em 1990 mas que teima em não conseguir consenso. Enquanto isso, a juventude (e não só) anda por aí completamente de acordo com as abreviaturas e os pontapés na gramática. Camões, se estivesse vivo, já teria palas nos dois olhos só para não ser testemunha deste atropelo à língua.

Se a ideia do acordo era unificar a língua portuguesa, acho que estão a fazer um excelente trabalho. O ideal talvez seja liberalizar por completo e cada um escreve como bem lhe entender.

O acordo trará claras vantagens para toda a lusofonia. Resta saber quais. E passar da teoria à práctica, claro está.

Por mim, resolvíamos isto à moda antiga: atirar a moeda ao ar. Cara ou coroa. Ou em alternativa, deixar de escrever em português! A julgar pelas calinadas que se lêem na internet parece ser por esse caminho que vamos. Podemos começar todos a escrever em inglês, por exemplo. Eles também têm várias variantes e parece-me que até se vão entendendo.

Amanhã ligo ao meu tio Obama para lhe perguntar se já entrou em acordo com os ingleses, australianos e companhia, a propósito da língua que partilham.

Eu não sou linguista nem académico, mas falo português e como tal, sou parte interessada. Apesar de ter passado cerca de um ano sem dizer uma única palavra e cinco anos sem escrever nada. Mas isso foi quando nasci. Entretanto, cresci um pouco e volta e meia, gosto de escrever uma coisinha ou outra. Agora fico sempre na dúvida se alguém está em desacordo comigo.

Parece-me fundamental que os cerca de 240 milhões de falantes da língua portuguesa se entendam. Segundo os especialistas, não se entendem. Pelo menos por escrito. Eu propunha nomear o Dr. Theodore Obiang, chefe de Estado da Guiné Equatorial, país recém-admitido na CPLP (Comunidade dos Países de Língua do Petróleo?) onde o castelhano é a língua oficial, como tradutor. Ele fala e escreve um português unificado desde criancinha.

O povo sempre disse “a falar é que a gente se entende”, ninguém disse “a escrever é que a gente se entende”. É por essas e por outras que este texto está escrito de acordo com a antiga grafia.

Se há coisa a que o ser humano resiste é à mudança. No entanto, a capacidade de adaptação do ser humano é notável. E a julgar pela forma como a internet está a mudar a língua, mesmo que haja acordo, vai durar pouco tempo. Lol.

Boss AC (Músico, cronista do ‘CM’)

[Transcrição integral (ipsis verbis) de texto, da autoria do músico Boss AC, publicado no jornal “Correio da Manhã” de 22.02.15. Os destaques e os “links” são nossos.]

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1 comentário

    • José on 23 Fevereiro, 2015 at 17:12
    • Responder

    Boa, Boss AC! Texto fixe, com sentido de humor, oportuno e, acima de tudo, bem escrito. Na ortografia que defendemos, porque é a nossa. Porque, também eu “não sou linguista nem académico, mas falo português e como tal, sou parte interessada”. E também gosto muito de ler e de escrever uma coisinha ou outra. Vamos, pois, CONCORDAR EM DISCORDAR!

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