Queria partilhar convosco duas coisas.
Uma primeira, de teor mais pessoal, e outra mais por ser uma curiosidade em que poderão ter algum interesse.
Vi-me extremamente tentado a escrever imensas linhas, pois quando começo a pensar neste assunto do AO, a minha cabeça não quer acabar.
Fiz o meu melhor!
Primeiro que tudo, queria agradecer os que mantêm esta página do Facebook activa!
Tenho escrito em privado sobre isto já lá vai um ano e o conteúdo que partilham (aqui, no Facebook, e no site da ILCAO) vai sempre provocando novos pensamentos e perguntas.
Pois bem, uma dessas perguntas, retórica mas sincera, é a seguinte:
As mudanças afectam 2% da língua. Os pró-AO consideram isto trivial, uma mudança trivial. Pois bem, se são triviais estas mudanças, que patamares estamos nós a alcançar que não alcançávamos antes? O que estamos nós a conseguir com 2% que não conseguíamos antes?
Não consigo em poucas palavras dizer quão enjoado eu fico quando tenho a intenção de comprar um livro em português e descubro mudanças na ortografia ao fazer uma pesquisa cuidada de algumas páginas antes de comprar (algo que se tornou necessário). Só uma única vez decidi comprar conscientemente um livro com ortografia modificada e esta não demorou em distrair-me do fluir da escrita.
Uma coisa que noto nos que aceitam estas mudanças, é que houve um total desprezo no que toca à psicologia da leitura, uma área deste assunto que nunca é tocada. E se é tocado, é com um encolher dos ombros que comunica uma atitude de “As pessoas habituam-se. As pessoas acabarão por engolir. O povo vai acabar por engolir isto porque o cérebro vai habituar-se, mesmo que não queiram.” O fatalismo e cinismo disto tudo por parte dos que aceitam as mudanças perturba-me. E ainda mais quando tudo isto é dito com apelos ao progresso, apelos equivocados, distraídos, até inocentemente ignorantes.
Li o livro de uma ponta à outra, sim, mas cheio de solavancos e soluços na leitura. Tenho 25 anos e nunca esperei ter este tipo de experiência a ler livros na minha língua materna. Nunca esperei ser um agente do conservadorismo quando sou em quase tudo um progressista, por vezes radical.
Nunca esperei que uma língua mudasse tão rapidamente e que fosse tão fácil chamar a isso “evolução” e que fosse tão fácil mudar a ortografia sem o consentimento geral do povo. Talvez seja esse o meu maior problema com isto: o facto de ter sido imposto acriticamente, molemente, burocraticamente (crepitam na minha cabeça citações da Hannah Arendt que parecem absurdas até se encontrarem paralelos).
Mas isto é outra conversa que não vou tocar aqui, excepto para dizer que as línguas evoluem muito bem sem que se decrete ou legisle isto ou aquilo. É o povo, ao longo de décadas, que muda a língua, não os linguistas; os linguistas estudam as mudanças que o povo faz. Isto é um intrometimento tremendo nos processos orgânicos da língua, intrometimento feito realidade por se ter injectado precisamente nos órgãos institucionais chave e de maior disseminação de texto para gerar uma falsa noção de aceitação.
Bem, vou parar aqui o conteúdo pessoal!
O segundo ponto, o da curiosidade, é o seguinte:
Notei que por vezes incluem na vossa página do Facebook alertas sobre livros e blogs e sites que escolhem, na atmosfera saturada de AO (soa a agente químico), não adoptar as mudanças.
Hoje foi lançada a biografia de Agostinho da Silva, “O Estranhíssimo Colosso“, pela Quetzal. A Quetzal, pelo que sei, adoptou o AO. Por isso pus-me a ler algumas páginas deste livro que queria tanto comprar, cheio de medo de encontrar a ausência de consoantes mudas. Mas fui surpreendido com muitos c’s e p’s!!!
A biografia não usa o acordo ortográfico!
Pensei que isto seria algo que poderiam partilhar na vossa página!
Quem quer que seja que gere a página do Facebook pode não ser das pessoas mais influentes no movimento contra o AO, mas espero que faça parte de uma comunidade que tenha acesso precisamente a esses centros e indivíduos referenciais movidos por esta luta.
Continuem o vosso bom trabalho. Tentem sempre criar discussão à volta deste assunto. Tentem o melhor que podem juntar as vozes mais poderosas para debater isto, pois há que transmitir ao público em geral, não só coragem para as pessoas questionarem o que lhes cai em cima todos os dias, mas também para que se perceba que isto ainda não está resolvido e não está escrito em pedra, mesmo que tenha passado pela Assembleia da República.
E, por favor, filmem, filmem, filmem, gravem, gravem, gravem todas essas conversas!
Não nos podemos esquecer de que estamos a lutar contra um governo, uma data de instituições oficiais, as maiores editoras portuguesas, os maiores canais de televisão portugueses, os maiores jornais portugueses, etc. Há que criar um interesse pelo ponto de vista contestatário que iguale em qualidade a quantidade que bombardeia o povo todos os dias. O AO, por ter sido implementado (ou quando o for se nada para contrariar isso acontecer), tem uma disseminação sub-reptícia, uma auto-gerada publicidade que ainda não tem igual numa qualquer entidade que faça frente ao AO. Não há ainda uma entidade central poderosa que consiga atrair os maiores nomes e argumentos para si e que consiga fazer frente à poderosíssima difusão destas mudanças. Isso deixa-me apreensivo.
Uma das ideias que já me ocorreram foi fazer-se um documentário de longa duração em que se entrevistasse o maior número de pessoas dos dois lados e que choque os dois pontos de vista de maneira acessível. Isto é um tópico que, pelo que sei, não tem igual no mundo, por isso poderia vir a ter algum interesse, até internacionalmente. Acho que se as pessoas estivessem a par de como isto se desenvolveu e apareceu, se percebessem ao detalhe, não poderiam ficar caladas. E um documentário difundido pela Internet seria uma arma já com algum poder. Quem sabe que influência isso teria!
ESPERO que este assunto do AO ainda não esteja arrumado. Olho em meu redor e parece-me que estão simplesmente à espera que entre oficialmente em vigor obrigatório (quando é isso? 2015?2016?) e que simplesmente passe a ser um facto com que as pessoas vivem.
Se isso acontecesse ficaria extremamente triste.
Esperemos que não!
Os melhores cumprimentos!
J. P. Caetano
[Mensagem recebida a 13 de Fevereiro de 2015. Publicação autorizada pelo remetente. “Links” e destaques nossos.]
1 comentário
Gostei da sua mensagem, pois adianta uma ideia interessante para a luta anti-acordo. Cartoos, textos em jornais e revistas, em cartazes colados nas paredes (ou nas próprias paredes), no Facebook, etc… tudo é válido nesta luta. Assim como o documentário “em que se entrevistasse o maior número de pessoas” – com posterior divulgação na Internet – precisamente para “criar um interesse pelo ponto de vista contestatário que iguale em qualidade a quantidade que bombardeia o povo todos os dias.”
Porque o AO90 não está escrito em pedra, mas em lama!