«Nem gregos nem troianos: assim-assim» [Helena Buescu, PÚBLICO, 08.01.2013]

Publico_HB_08Jan2013Há dias, a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, adiou a obrigatoriedade de implementação do “Acordo” Ortográfico para 2016. Fê-lo com base numa petição que reuniu 20.000 assinaturas. Em Portugal, uma igual petição reuniu mais de 130.000, e não teve qualquer eco. 130.000 assinaturas num país cuja população é incomparavelmente menor do que no Brasil.

Devemos aproveitar para reflectir seriamente sobre o “A”O e os seus efeitos em Portugal. O exemplo vem-nos, aliás, do próprio Brasil. Nesse país, os argumentos aduzidos apontam para críticas de ordem científica ao “A”O. E junta-se a essas críticas o argumento da necessidade de uma “maior simplificação” da ortografia da língua portuguesa. Além de que por exemplo o linguista Evanildo Bechara assegura que o “A”O precisa de ser revisto. Revisto – e nem ainda entrou em vigor! Isto diz bem da consistência científica de um dos maiores atentados feitos à língua portuguesa.

Naturalmente, este adiamento sublinha a bondade das críticas feitas ao “Acordo”, mostrando que nem em Portugal nem no Brasil (nem nos outros países lusófonos, que mostraram grandes reticências, sendo que Angola ainda não o ratificou) ele conseguiu um consenso mínimo em termos científicos.

A grande questão, agora, é saber se realmente há base científica para que algum dia ele venha a existir. Com este ponto suplementar: a partir do momento em que várias declarações, no Brasil, apontam para a necessidade de uma maior “simplificação” da língua portuguesa, o que se impõe perguntar em Portugal é: queremos nós, em Portugal, “simplificar” (seja o que for que isto queira dizer!) a língua? Ou privilegiamos (legitimamente também) a história da língua portuguesa na Europa, guardando por exemplo alguns traços etimológicos da sua origem e evolução ao longo dos séculos?

Simplificando a pergunta: haverá base, em termos de uma política científica do Português, para um acordo que não parece agradar nem a gregos nem a troianos? A resposta talvez seja: “Assim-assim.” Em Portugal, é sob esta fórmula que se costuma esconder a falta de coragem e a aceitação tristonha do império da realidade, quando mais vale não pensar.

Em 2016, eis um cenário muito possível: Angola manterá a ortografia existente anterior ao “Acordo”. Portugal seguirá, se não conseguir inverter o statu quo, o pobre “acordês”. E o Brasil terá entretanto revisto e certamente “melhorado” o “Acordo”, escrevendo numa terceira ortografia. Resumindo: cada qual escreverá de sua maneira, e ter-se-á esfrangalhado a ortografia comum que, até agora, era seguida por todos os países lusófonos, com excepção do Brasil. Ou seja: será um verdadeiro “acordo português”, em que ninguém sabe acordar.

Helena Buescu

Professora catedrática, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

[Transcrição integral de artigo de Helena Buescu no jornal PÚBLICO de 08.01.2013. Links adicionados por nós.]

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9 comentários

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  1. Essa petição é um mistério. Será que existe mesmo ou foi feita no “canto escuro” para favorecer alguém??

  2. Os brasileiros apontam para a necessidade de uma maior ‘simplificação’ da ortografia da língua portuguesa… Ainda mais? Então lá para 2020 teremos outro acordo. Acordo que o governo português de então caninamente seguirá e fará cumprir, certamente com os mesmos argumentos usados agora. Se o objectivo é tornar a língua portuguesa irreconhecível, vamos no bom caminho. Afinal não é de Espanha que vêm maus ventos (e maus casamentos), mas do Brasil.

    • Hugo X. Paiva on 8 Janeiro, 2013 at 21:17
    • Responder

    Manuela,eu tambem acho que a petição é estranha, no entanto (o que vou dizer não passa de uma opinião pessoal) creio que o governo Brasileiro tem situações menos felizes para resolver e para ganhar tempo “manobrou” a tal petição.
    Como pode verificar nos endereços em baixo,a pressa deu em asneira, não só têm que rever o lexico, como têm que fazer nova emissão de material, e assim de repente isso é péssima publicidade pera o govermo.O Estado de Minas Gerais processou por descriminação racista e xenóbofa e outros poderão seguir-se. Não faço ideia de como está a situação, mas como mais nenhum outro Estado falou deve andar por lá qualquer coisa no segredo dos deuses.
    Por cima disto e em separado, têm uma acção em tribunal, e enquanto essa bota não for descalçada não vão a lado nenhum.Creio eu!

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/02/120229_ivan_lessa_rw.shtml

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/02/110218_ivanlessa_tp.shtml

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/01/090207_ivanlessa19janeiro.shtml
    …………….//……………..
    http://www.acordarmelhor.com.br/novo/

    • Luís Ferreira on 8 Janeiro, 2013 at 23:27
    • Responder

    http://pt.pokerstrategy.com/forum/thread.php?threadid=83652

    A discussão que se segue ilustra muito bem o que vai na cabeça de quem apoia o acordo.

    • Hugo X. Paiva on 9 Janeiro, 2013 at 1:29
    • Responder

    Eu acho que o tipo está a apanhar a boleia para arranjar “tacho” e protagonismo.Existe sem dúvida, um grupo de individuos já com gramaticas e planos para a revolução do “brasilês”. Daí a termos que levar com uma versão piorada do “acordês” vai uma grande distancia. Eles que se sirvam como melhor entenderem mas, deixem-nos fora disso. Em Portugal só há uma solução:revogação incondicional da “vomitante obra”.Uma vez reposta a legalidade, pode-se começar a falar em encontrar termos comuns que sirvam a evolução tecnologica, cientifica e social, mas isso é outra conversa.
    É um sonho antigo do Brasil, o de ter língua propria, e a ideia do “acordês” seria um primeiro passo para a emancipação, e tomar nas mãos o control da língua à revelia dos restantes países, e a partir daí fazer o que muito bem entendesse. Sem o consentimento dos restantes,e aqui destaco Portugal, Angola e Moçambique, eles jamais poderão chamar Português ao dialecto local, e a partir daí lançar a confusão mundial.
    ……………………//…………………
    http://www.filologia.org.br/viiifelin/33.htm

    http://www2.unemat.br/avepalavra/EDICOES/10/artigos/MORALIS.pdf

    • Pedro Marques on 9 Janeiro, 2013 at 15:45
    • Responder

    Sendo Assim é preciso fazer pressão caro Hugo Paiva

    • António Silva Torres on 9 Janeiro, 2013 at 17:52
    • Responder

    Sou um opositor irredutível do aborto ortográfico em campanha há meses – até crachás mandei fazer, para trazer ao peito. Não parei de recolher assinaturas, mas estou já há largo tempo bastante descoroçoado pelo facto de neste sítio não serem dadas quaisquer notícias de como está a coisa a evoluir. A lista de voluntários está há muito por actualizar. No fim de Outubro enviei mais uma fornada de impressos devidamente preenchidos e, perante isso, chego a recear que se tenha extraviado.
    Hoje ao ler, no artigo supra, a referência a 130 mil assinaturas em Portugal contra a nefanda criatura, mais baralhado fico.
    Assim, peço encarecidamente (aos promotores) que me esclareçam: trata-se desta mesma iniciativa ou antes de uma outra petição anterior qualquer? E, neste último caso, em que pontos está a ILCAO?

    1. Caro António Silva Torres, não creio que as assinaturas que enviou se tenham extraviado. Quanto às 130 mil assinaturas mencionadas (este número, já agora, refere-se às assinaturas electrónicas), são de uma petição de 2009, antes de a ILC ter sequer arrancado. Não têm, portanto, nada a ver, com a presente ILC, que continua a recolher assinaturas (http://ilcao.com/?page_id=288#24). Saudamos o seu espírito de militância! Continuemos a luta.

    2. @António Silva Torres, é favor consultar a seguinte pesquisa: http://ilcao.com/?s=%22a.s.t.%22. Como poderá ver, correspondendo as iniciais “A.S.T” ao seu nome, há diversas referências quantificadas.

      Cumprimentos.

  1. […] (Helena Buescu, Público – ver texto completo) […]

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