Vasco Graça Moura revoga AO no CCB

Língua portuguesa: Presidente do CCB afirma que acordo viola Constituição

Graça Moura dá ordem aos serviços do CCB para não aplicarem Acordo Ortográfico

Opositor declarado do AO, o antigo eurodeputado do PSD mandou retirar dos computadores
a ferramenta informática que adapta os textos às normas do novo acordo ortográfico

Luís Miguel Queirós

O recém-empossado presidente do Centro Cultural de Belém (CCB), Vasco Graça Moura, fez distribuir ontem à tarde uma circular interna, na qual dá instruções aos serviços do CCB para não aplicarem o Acordo Ortográfico (AO) e para que os conversores — ferramenta informática que adapta os textos ao AO — sejam desinstalados de todos os computadores da instituição.

Nomeado para a presidência do CCB em circunstâncias que levantaram polémica — o seu nome foi anunciado a 20 de Janeiro, poucos dias depois de o secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, ter assegurado ao anterior presidente, António Mega Ferreira, que pretendia reconduzi-lo —, Graça Moura começa o seu mandato com uma decisão que dificilmente deixará de provocar controvérsia.

Numa directiva datada de Setembro de 2011, o anterior conselho de administração do CCB adoptara o acordo em toda a documentação produzida pela instituição. Uma decisão que o novo presidente agora revogou com o apoio da nova administração, que inclui Dalila Rodrigues e Miguel Leal Coelho. “Levei a questão à reunião do Conselho, expus a minha fundamentação, e a proposta foi aprovada por unanimidade”, disse Vasco Graça Moura ao PÚBLICO.

A questão que agora se coloca é a de saber se esta medida é legal, já que, ainda no Governo de José Sócrates, uma resolução do Conselho de Ministros, datada do dia 25 de Janeiro de 2011, veio ordenar que o AO fosse adoptado por todos os serviços do Estado e entidades tuteladas pelo Governo.

Graça Moura só terá informado a tutela da sua decisão de não aplicar o acordo no CCB ontem a meio da tarde, após ter garantido que os restantes elementos da administração do CCB apoiavam a sua posição.

O PÚBLICO tentou ainda obter uma reacção de Francisco José Viegas, mas não a conseguiu em tempo útil. Uma fonte da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) adiantou, no entanto, que a posição da SEC deverá ser a de que o CCB, sendo uma fundação pública de direito privado, não estará obrigado a adoptar o acordo antes da data prevista para a sua aplicação generalizada, em 2014.

Graça Moura, um dos intelectuais portugueses que mais têm batalhado contra a aplicação do acordo — é um dos subscritores da Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o AO, que se encontra em fase de recolha de assinaturas —, argumenta que a resolução de Janeiro de 2011, além de ser inconstitucional, “não pode ser devidamente aplicada”.

Decisão argumentada

No extenso documento que levou à reunião do conselho de administração do CCB, defende que “o Acordo Ortográfico não está nem pode estar em vigor”, já que, diz, na ordem jurídica portuguesa, “a vigência de uma convenção internacional depende, antes de mais, da sua entrada em vigor na ordem jurídica internacional”. Refere-se ao facto de Angola e Moçambique ainda não terem ratificado o AO, de que são subscritores, recusando os efeitos do “segundo protocolo modificativo”, assinado em 2004, que prevê que o AO entre em vigor desde que três países o ratifiquem.

O ex-eurodeputado do PSD lembra ainda que o próprio AO exige que, antes da sua entrada em vigor, os Estados signatários assegurem a elaboração de “um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa”, algo que, alega, nunca foi feito. E defende que o acordo “viola os artigos da Constituição que protegem a língua portuguesa, não apenas como factor de identidade nacional mas também enquanto valor cultural em si mesmo”.

No documento ontem aprovado pela administração do CCB determina-se que seja “desinstalado imediatamente o software que procede à conversão automática da grafia dos textos em pretensa conformidade com as normas do AO” e ordena-se ainda que “seja aplicada em toda a documentação (…) a ortografia vigente em Portugal antes da negociação do chamado Acordo Ortográfico de 1990”.

O documento informa ainda que o CCB irá inscrever no seu plano de actividades para 2012, a “título experimental”, um curso livre de ortografia da língua portuguesa.

Outras instituições com estatutos comparáveis ao do CCB não adoptaram ainda o acordo, como acontece com a Casa da Música do Porto, mas o facto de o CCB ter oficialmente decidido não o aplicar deverá agora provocar discussão pública, num momento em que crescem, dentro do próprio PSD, as vozes que se opõem ao acordo.

Luís Miguel Queirós

[Artigo de Luís Miguel Queirós no PÚBLICO de hoje, 3 de Fevereiro de 2012 (link disponível para assinantes)
Nota: artigo publicado tendo em conta o seu manifesto interesse público.]

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16 comentários

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  1. Agora, que o exemplo dele seja seguido em outras instituições, tanto públicas como privadas!

  2. Vamos ver como se comportam os leiloeiros da Língua Portuguesa.

    • Jorge Teixeira on 3 Fevereiro, 2012 at 14:01
    • Responder

    Os meus parabéns ao Vasco Graça Moura! Uma atitude muito corajosa! Um verdadeiro cidadão.

  3. Muito bem, Dr. Vasco! Uma decisão que me renova as esperanças… Congratulo-me e aplaudo de pé!

  4. Há dias mesmo muito felizes 🙂

    • Anonimo on 3 Fevereiro, 2012 at 16:16
    • Responder

    O Vasco Graça Moura é um Sr!! Alguém que faça algo de bom neste país, e respeite a vontade da população!!

    • Alexandre on 3 Fevereiro, 2012 at 16:21
    • Responder

    Abaixo este pseudo acordo! Longa vida á lingua portuguesa! Eu não quero escrever á ignorante!

    • Maria José Abranches on 3 Fevereiro, 2012 at 16:38
    • Responder

    Parabéns, Dr. Vasco Graça Moura! Verticalidade e coragem! Enfim alguém que não muda de convicções quando chega ao poder! Um grande homem de cultura e um grande português!

  5. Senhor Alexandre
    O senhor já escreve à ignorante.

    • Sónia da Costa on 3 Fevereiro, 2012 at 17:24
    • Responder

    Bem-haja, Sr. Dr. Vasco Graça Moura!
    Oxalá sirva de lição a muitos. Eu logo vi que só poderia ser positivo a sua entrada à Presidência do CCB. Não deixemos morrer a nossa língua, que é tão rica. Há que bater o pé e ser firme. Não é rebeldia. É um acto de coragem e de convicção. Acreditar naquilo que defendemos e amamos. Juntos, venceremos!

    • Ascensao Santos on 3 Fevereiro, 2012 at 23:16
    • Responder

    Congratulo-me com a atitude do Sr Vasco Graça Moura.
    Ainda há portugueses em Portugal.
    Recuso a adopção do acordo Ortográfico

    • Paulo Rato on 3 Fevereiro, 2012 at 23:42
    • Responder

    Em meu entender, a acção de VGM e da administração do CCB “é” um acto de rebeldia, plenamente coberto pelo
    Artigo 21.º da Constituição Portuguesa:
    «(Direito de resistência)
    Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.»
    Isto, tendo em conta que uma lei injusta e que, como VGM bem fundamenta, nem sequer cumpre os requisitos necessários para estar em vigor, equivale a uma “ordem” que, neste caso, ofende os nossos “direitos, liberdades e garantias”, não sendo possível recorrer à Autoridade Pública adequada, por esta estar ao serviço dos autores do acto criminoso.
    Acresce que não tenho quaisquer dúvidas de que a defesa da minha língua é um direito fundamental e de quje é, pelo menos, uma imposição ética a desobediência a uma lei iníqua, injusta e, não esqueçamos, completamente idiota.

    • A. Meireles Graça on 4 Fevereiro, 2012 at 0:29
    • Responder

    Força Graça Moura! E obrigado pela sua iniciativa na defesa da Língua Portuguesa, a nossa, esta que meia dúzia de pseudo linguístas querem destruir por decreto no aproveitamento da ignorância dos legisladores. Os mesmos que consentiram o desastre económico que vivemos, esses que pretendem transformar Portugal num cemitério de burros contribuintes.
    Obrigado, Graça Moura!

    • Fernanda Correia on 4 Fevereiro, 2012 at 2:09
    • Responder

    É arrepiante o desrrespeito com que a nossa língua está a ser tratada _ a língua de Camões, de Fernando Pessoa, de Saramago – e se há milhões de passoas no mundo a falar o Português, é graças à acção corajosa e aventureira deste povo ao longo das séculos. Estamos a ser completamente submersos por interesses mesquinhos. Como é que se reconstrói um país que, tão facilmente, abdica da sua identidade linguística? Mas, felizmente, ainda há homens corrajosos capazes de atear a revolta. Revoltemo-nos, pois. Obrigada Graça Moura.

    • Galizes on 14 Fevereiro, 2012 at 11:25
    • Responder

    Fernanda Correia, também estou na mesma luta contra o “desAcordo” “tOrtográfico”, mas este tratado não desrespeita a língua de Camões, pois ele nem sequer escrevia da forma como o fazemos agora, há já muito que temos vindo a alterar a forma de escrevermos a nossa língua. Desrespeito pela nossa língua acontece sempre que alguém não segue as normas estipuladas, mesmo que sejam portugueses nascidos e a viver em Portugal. Quantos portugueses há que sendo contra o AO escrevem com erros ortográficos desrespeitando a sua língua materna! A verdadeira questão é que o AO90 não promove a unificação da escrita da língua portuguesa praticada por várias pessoas no mundo, nalguns casos até cria divergências onde não existiam anteriormente. Pessoas corajosas serão todas aquelas que se empenharem a compreender a sua língua e qual a razão desta tentativa de subversão da escrita em Portugal, que não traz vantagem alguma à cultura nem à educação e muito menos apresenta vantagens comerciais. A diferença entre as duas versões da língua portuguesa (PT/BR) não é constituída pela ausência ou permanência de consoantes consideradas mudas, mas sim por toda uma estrutura gramatical, de sintaxe e de léxico divergente. Não nos adianta entrarmos em guerras de acusação ao Brasil por escreverem de forma diferente, pois actualmente ninguém escreve como se escrevia no tempo de D. Afonso Henriques, nós também alterámos a língua de Camões. Mas, já está, já está. O importante é melhorarmos o que está mal em vez de piorarmos o que ainda temos. “Para melhor está bem, está bem. Para pior já basta assim!” Embora tivesse começado por acreditar que pudéssemos ter sido influenciados pelo Brasil na prossecução deste AO, começo a ter as minhas dúvidas e creio termos sido traídos, sim, por algumas pessoas que quiseram simplesmente inscrever o seu nome na História da Língua Portuguesa. Será que aos brasileiros traz alguma vantagem que, nós portugueses, passemos agora a escrever receção, perceção, infeção, espetador, excecional, aspeto, expetativa, perspetiva, por exemplo? Estes vocábulos não existem no Brasil, pois ainda os escrevem como nós o fazíamos antes! Nem tudo é o que parece! Procuremos a verdade e condenemos os responsáveis sem antes lincharmos primeiro alguém na praça pública. E vamos dar mais força, TODA A FORÇA POSSÍVEL, ao Dr. Vasco Graça Moura, para que possamos inverter o disparate que estamos a perpetrar contra a forma de compreendermos aquilo que escrevemos e lemos a favor duma simplificação sem sentido a dirigia basicamente a quem não quer saber como escrever. Já não sei se será preferível haver um “corrector” na Bolsa, ou ter um “corretor” ortográfico na Língua. O primeiro poderia corrigir o mal da Economia, o segundo poderia fazer melhores investimentos na Língua Portuguesa, mas por gentileza não me misturem os dois no mesmo saco.

    • Galizes on 14 Fevereiro, 2012 at 11:33
    • Responder

    Em tempo corrijo: …simplificação sem sentido dirigida basicamente a quem não quer saber como escrever.
    Agradecido com um pedido de desculpas.

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