Apelo aos Professores do meu país: recusem o Acordo Ortográfico! [MJA]

[Carta enviada à FENPROF, por ocasião da Marcha Nacional pela Educação, a 2 de Abril, em Lisboa]

Sou professora (embora aposentada desde 2006) e é como tal que me situo socialmente. Tenho acompanhado as profundas alterações do nosso sistema de Ensino, no sentido de uma cada vez maior burocratização e “domesticação” (vd. José Gil) do professor. E tenho assistido, com mágoa e revolta, à degradação da imagem do professor na nossa sociedade, aplaudida por vezes como se estivesse em curso, enfim, uma acção punitiva há muito desejada! E venho constatando também, como quando ainda estava em actividade, que nada disto redunda em proveito da qualidade da formação das nossas crianças e jovens. Porque nada disto melhora nem os conhecimentos científicos dos professores nem a pertinência das opções em termos de conteúdos nem a qualidade fundamental da relação professor-aluno, no acto de aprendizagem.

Como professora de Português, é este o domínio que mais me dói! Sofri na pele, com indignação, o desamor com que a nossa língua vem sendo tratada, por orientações superiores, adoptadas ao sabor de experiências linguísticas e pedagógicas da última hora! E que privam os alunos do prazer da leitura dos textos literários – formativos por excelência – , assim como do conhecimento teórico e prático da gramática, que torna inteligível a própria disciplina da língua.

Assim se formam cidadãos que quase não sabem falar nem ler nem escrever, nem compreender o que ouvem ou lêem, para sempre limitados na sua liberdade e dignidade como seres humanos. E não é o domínio das novas tecnologias (certamente útil) que poderá suprir a ausência desta pedra angular da nossa identidade individual e colectiva.

Mas ainda nos faltava conhecer o pior! A aprovação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de Maio, tornou possível que o maior atentado jamais perpetrado contra a nossa língua, português de Portugal, pudesse acontecer. Uma língua secular, com uma norma-padrão consensual, com uma ortografia estabilizada, estudada e ensinada há 66 anos, vê-se agora intempestivamente desfigurada, por motivos políticos e interesses económicos, sobretudo brasileiros, que a rebaixam e ridicularizam. Porque é a nossa ortografia que muda e muito! O que trará fatalmente consequências a nível da pronúncia, da coesão e da inteligibilidade da língua, das suas afinidades com as outras línguas românicas. Não se trata de uma qualquer “evolução linguística” nem corresponde a nenhuma exigência intrínseca à própria língua, como a comunidade científica tem amplamente denunciado. Trata-se de viabilizar os objectivos da CPLP, que declarou “ser o Acordo Ortográfico um dos fundamentos da Comunidade” e alterou o Artigo 3.º do Acordo de 1990, para que este pudesse entrar em vigor com a assinatura de três países apenas, dos oito que a integram. Trata-se claramente de promover a difusão da norma brasileira no mundo, através da desqualificação da norma europeia. E tudo isto foi aprovado, a todos os níveis, por quem nos governa. Assim é a CPLP quem decide o modo como devemos escrever a nossa língua e o que deve ser ensinado nessa matéria nas nossas escolas! E encontrou-se dinheiro para promover o Acordo, designadamente através do Fundo da Língua Portuguesa! Resultado: assiste-se a esta situação caricata de uma televisão nacional propor aos nossos jovens e ensinar à população uma ortografia que nem sequer está em vigor no ensino! Se o objectivo era desacreditar para sempre a ortografia, está alcançado!

Só nos resta – mais uma vez – resistir e obrigar o poder a revogar a já referida Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008! Manifestem-se contra o Acordo! E assinem a ILC – Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico: http://www.cedilha.net/ilcao

As minhas melhores saudações e votos de sucesso!

Lagos, 31 de Março de 2011

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

Prof. do Ensino Secundário (Português e Francês) – aposentada;
Ex-Leitora na Universidade de Paris III

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15 comentários

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    • André Santos on 1 Abril, 2011 at 14:15
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    A ideia com que fico é de que a maior parte das pessoas que estão contra o AO ou já têm alguma idade ou são bastante conservadoras em geral. Boa maneira de saber de que lado estou.

    • Manuela Carneiro on 1 Abril, 2011 at 14:26
    • Responder

    Comentário preconceituoso. Um espanto.kkkkkkkkkkkkkk

  1. Também acho, André. Ou é muito novo (e ainda não sabe bem o que diz) ou é tão avançado no futuro, em geral, que ainda não chegou ao presente. E, claro, muito menos tem a menor ideia do que é a História. Um lado triste, portanto.

  2. 🙂 Olha um jovem das novas oportunidades!
    Não André, está com a ideia errada. Quer ver?
    http://andrantunes.blogspot.com/2011/02/nao-ao-acordo-ortografico.html

    • André Santos on 1 Abril, 2011 at 15:20
    • Responder

    Manuela: Não vejo onde está o preconceito; é uma mera observação, assumidamente a partir do que me é dado observar.
    AO NÃO: Se há coisa que a História mostra é que as coisas estão sempre a mudar.
    Paula: como é que um miúdo salazarista (leia novamente a mensagem) de 16 anos mostra que estou com a ideia errada? Pelo contrário, Q. E. D.

    Mas bom, já me arrependi de ter aqui comentado. A ideia não era provocar-vos e não me tinha apercebido da página em que estava (vim através de link externo). Embora não concorde convosco e me pareça questão estéril, acho muito bem que se manifestem, se de facto estão contra o Acordo Ortográfico. Deixo-vos com os vossos afazeres.

  3. Acho incrível que tenham alterado a escrita a que nos habituamos com orgulho nas raízes da Língua e não como forma de baixar as calças a outros países que, querendo usar a nossa língua, querem subjugar a escrita à forma como pronunciam as palavras. A ser verdade que é porque se não lêem que se devem eliminar certas letras, pergunto:
    Por que é que se não muda o “d” para “dj” ou “ch” todas as palavras em que os brasileiros (que falam mais como os galegos que dizem “douche” (“dou-te”) lêem e pronunciam “ch” ou “dj” em vez de “d”?
    Por que é que não se elimina o “r” final do infinito dos verbos (e outras palavras terminadas em “r” como “professô”, “doutô” etc.) já que os brasileiros não as pronunciam e dizem “você vai viajá (viajar) à Katá (Katar) pra vê (ver) a sua Chía (tia)?
    Por que é que não se mantêm o trema nas palavras que tinham os brasileiros em que o u se lê como “frequente” (no Brasil escrevia-se freqüente) já que afinal, nesta (e muitas outras) se lê o “u” e em “quente”, “apoquente” não se lê o “u”. Ora, com os “olhinhos” em cima do “u” ficaríamos todos a ganhar (e facilitaria aos estrangeiros a compreensão da regra de que o u não se lê em conjuntos como “gue” ou “gui”, “que” ou “qui” ?
    Por que razão não mudamos todas as palavras (incluindo o nome dko país dos nossos irmãos do outro lado do Atlântico) que se escreve Brasil mas que pronunciam Brasiu? Assim, todos os grupos consonânticos acabados em “L” passariam a terminar em “U”…
    Fácil. Não acham? Ou, até não. Isto é, simplesmente, para desmontar rodo o discurso que dizem ter sido excluídas determinadas letras porque não se pronunciam… Logo, a uma autêntica palhaçada!
    Ah… E já agora, as palavras acabadas em “az” deveriam mudar para “ais” pois dizem os brasileiros que o “rapais” (rapaz) não tem culpa…! Se os mandássemos todos rapar mato no monte, teríamos ganho muito mais do que colocar esta gente a inventar (des)acordos ortográficos, sem que o povo se tenha pronunciado… Foram exclusivamente os políticos que se meteram nesta bagunça…!

  4. “a minha pátria é a língua portuguesa” – esta é a 2 frase mais mítica do universo português, e é com base nela que vos digo que a língua Portugue(z)sa não é estática é móvel, somos nós pessoas que fazemos a nossa Língua, por isso não há que ter medo dos irmãos brasileiros porque juntos temos a mesma língua

  5. Aquele André lá em cima tachou o outro André de salazarista porque o idioma de Salazar era o português?!…

    • Manuela Carneiro on 2 Abril, 2011 at 14:40
    • Responder

    Ter mais idade é ser antiquado. Os mais novos são ….como é mesmo???

    • André Santos on 2 Abril, 2011 at 17:50
    • Responder

    Bic Laranja: o miúdo destaca o Salazar entre “os que nos defenderam”; não fosse salazarista e julgo que não o incluiria entre os restantes nomes que refere, todos escritores maiores na nossa língua e não políticos. Mais a mais porque o Estado Novo carrega nos ombros boa parte da culpa pelo analfabetismo que entre nós grassa (ler, a este respeito, Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal, Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian) e que foi, aliás, responsável por todo o historial de acordos e reformas ortográficas com o Brasil em mente. Olhando por alto o seu blogue, vejo que partilha da ideologia do André, embora sem a desculpa de ter 16 anos. O que confirma a minha afirmação inicial: o tem alguma idade, ou é conservador.
    Manuela Carneiro: “É mesmo” como escrevi: “a ideia com que fico é de que a maior parte das pessoas que estão contra o AO ou já têm alguma idade ou são bastante conservadoras em geral”.

    Como disse na primeira mensagem, ver as linhas humanas com que se coze esta iniciativa ajuda-me a saber de que lado estou. E desconfio de que boa parte dos subscritores me acompanharia soubesse quem está por detrás disto.
    Mas, lá está, também não morro de amores pelo AO, embora o AO por que nos regemos, do tempo do Estado Novo, seja ainda pior: algum subscritor saberá de cor as regras de hifenização pré-1990, ou porque escrevíamos ‘actuar’ mas ‘prático’? Duvido seriamente.

    1. «E desconfio de que boa parte dos subscritores me acompanharia soubesse quem está por detrás disto.»

      Quem está por detrás “disto”? Entre outras pessoas, sou eu. Presumo que não seja necessário repetir o meu nome, BI, etc. Qual é o seu problema comigo, que estou “por detrás disto”? Bem me parecia que a sua aparente civilidade e educação eram apenas fachada, daí não lhe ter respondido nem à primeira nem à segunda. Porque não costumo responder a provocações ou sequer a insultos soezes, como é o caso.

      Mas respondo-lhe agora, porque tem mesmo de ser: estou aqui, não por detrás mas à frente “disto”, sou eu mesmo, identificadíssimo, não tenho nada a esconder nem a temer.

      E você, quem é e o que faz na vida, além de ser um provocador profissional escondido por detrás de uma identidade fictícia?

      Pergunta meramente retórica, é claro. Não se incomode a responder.

    • Manuela Carneiro on 2 Abril, 2011 at 19:37
    • Responder

    Qual é cara? Se há uma coisa que entendo são as “linguagens de Pindorama”.

  6. @ André Santos
    Já leu algum texto de Salazar? Leia e veja se não pode ir a par do melhor português dos clássicos. Já o Saramago é que me parece a mais. Depois, se o moço lá é salazarista é com ele, tal como vossemecê ser comunista é lá consigo. Aqui nem sequer se trata disso; só a sua visão deformada do Mundo é que mistura tudo e nem merece a perda de tempo consigo.
    Cumpts.

    • André Santos on 3 Abril, 2011 at 1:28
    • Responder

    JPG: não era nesse sentido, pessoal. “Por detrás disto” era só no sentido de “apoiantes disto”, e de facto fui impreciso. Nada me move contra si e peço desculpa se ofendi a sua iniciativa, que, como disse acima, respeito.
    Bic Laranja: Não pretendia ser provocador, lamento. Já li várias coisas do Salazar e não só na era grande escritor (substantivista impreciso, demagogo populista escondido em tecnocracias) como acima de tudo não me agrada a personagem, os feitos, a visão, o resultado. Também não sou comunista, longe disso. Passe bem.

    Noto que não me responderam às perguntas que contavam, no entanto. Como não quero estar aqui a fazer o papel de ‘troll’, que não sou e detesto, deixo a conversa por aqui e, de novo, peço desculpa pelas mensagens. Não sou apoiante do AO e nada me move contra vós. Boa sorte para as vossas iniciativas.

  7. André Santos,
    houve vários erros nas reformas ortográficas anteriores. Por exemplo, quando deixámos de usar o acento grave nas palavras sufixadas com -mente ou -zinho, como matemàticamente ou pèzinho. Eu, que aprendi a usar tal acento, resisti durante anos, mesmo com a pressão dos professores no liceu, e aleguei sempre que o acento era necessário para abrir a vogal. Como vê, não concordo com certas opções já constantes na norma actual.
    Mas este AO de 1990 foi feito com os pés! Isto é a maior aberração que alguma vez foi parida em matéria linguística! Dizer que isto é uma evolução só pode ter por base a ignorância (o que nem sempre é desculpável) ou a má-fé.
    Ora, ficar neutro na matéria é uma forma de colaboracionismo. Por isso, se é verdade que não concorda com o AO, pense bem no sentido dos seus comentários. E, já agora, assine a ILC. Portugal bem precisa. E mal não há-de fazer…

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