Uma língua nasce de processos diversos, simples e/ou complexos, resultando no veículo de comunicação – e de afirmação, em muitos casos – para estados e povos.
Nessa toada, o latim, que de Lácio se espalhou pela Europa ao ritmo das conquistas do Império Romano, deu origem (e continuidade) a processos que resultaram, mais ou menos à medida do declínio daquele, no surgimento de cerca de dez línguas, entre elas o Português que hoje é também o nosso veículo oficial de comunicação. Também nosso porque para além dos portugueses o idioma passou a pertencer igualmente a nós e aos angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, são-tomenses e timorenses.
O Português nasceu naquele século, mais precisamente a 27 de Junho de 1214 – fez há cerca de um mês precisamente 800 anos –, apenas do ponto de vista formal, já que antes disso já era falado, obviamente pelos portugueses e, não menos óbvio, em Portugal. Nessa data, o rei de Portugal D. Afonso II registou o seu testamento, sendo recordado por ser o mais antigo documento oficial redigido neste idioma.
A história da afirmação do Português é epopeica, cantada por Portugal ao longo dos séculos em que os desígnios da dominação eram o vento-querido. Actualmente, é a sétima língua mais falada dentre as 6000 usadas no mundo. Aquilatou-se ao ultrapassar territórios poder ser adoptada como língua de comunicação em eventos internacionais, ao mesmo tempo que irrompeu para territórios que lhe são “estranhos”. A anglófona e multi-bantu na África do Sul, por exemplo, alberga no continente africano a terceira maior comunidade falante de Português, depois de Moçambique e Angola.
Na nossa contemporaneidade olhamos para a língua Portuguesa como uma herança, como a ponte que nos aproxima de nós mesmos e dos outros, os outros que, como nós, por ela estão unidos. O Português aproxima os moçambicanos de si mesmo porque, desde que conquistámos a independência, em 1975, a nação que se quis una adoptou-o como uma espécie de carris por que se pode percorrer cada pedaço do nosso Moçambique.
O mosaico cultural e linguístico que somos (ou seríamos, sem o Português) faria de nós um manto de irmãos sem um elo de comunicação comum, já que, por exemplo, um macua não entenderia quase que em absoluto, usando o seu idioma, com um chopi, este também comunicando no seu; um sena e um ndau e um ronga e um matswa não estabelecem, por assim dizer, usando igualmente as suas línguas, uma comunicação plena uns com os outros. A língua Portuguesa, nesse aspecto, é a ponte que nos une na nossa necessidade de comunicar uns com os outros.Do mesmo modo que une os moçambicanos, por ser a sua língua oficial, une os moçambicanos a outros povos, os que consigo partilham pertença na Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP). As afinidades que dentro da comunidade se estão e se podem (e deviam) construir têm na língua Portuguesa um incontornável ponto de partida.
Ora, as correlações de hoje vêm da dominação, que nasceu da Expansão Europeia e culminou no colonialismo, que nos trouxe a língua Portuguesa. Com a derrocada da ocupação colonial, apropriámo-nos dela e ajudámos – nós e os outros – a torná-la uma língua de partilha, de cumplicidades, de comunicação e de acesso ao saber.
Ainda que, no nosso país, nem todos a falem (menos de metade dos moçambicanos…), é aliás neste sentido que alguns estudiosos moçambicanos, da área da linguística, entendam que a língua Portuguesa deve ser vista na perspectiva de “língua de ligação” em Moçambique, de parceria com as línguas do grupo bantu, que devem também gozar de estatuto de língua de comunicação mais ampla. É língua de ligação e é ela mesmo uma ligação.
Texto originalmente publicado no jornal Notícias (Moçambique) a 19 Julho 2014
[Transcrição integral de artigo publicado no jornal “notícias” (de Moçambique) em 19.07.14. Reproduzido pelo jornal “Público” em 27.07.14, no âmbito da iniciativa «24 jornais escrevem sobre futuro do português» (ver “compilação” AQUI). Imagem (bandeira de Moçambique) de Wikipedia.]