«Como professor e como galego…» [carta de Bento (Galiza) ao G.A.O.]

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De: Bento
Para: GRUPO DE AMIGOS DE OLIVENÇA
R/ Portas de Santo Antão, 58
(Casa do Alentejo)
1150-268 LISBOA

olivenca@olivenca.org
http://www.olivenca.org

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Sres da Associação “Grupo dos Amigos de Olivença” (GAO):

Sou membro do GAO desde há bastantes anos (…) Venho a ver com tristeza, ao receber os seus últimos envios, que GAO adoptou o chamado “Acordo Ortográfico”; considero o assim chamado AO90 uma das maiores agressões recebidas pola nossa Língua e, portanto, polo nosso acervo comum. Ele destrói as raízes etimológicas da Língua Galego-Portuguesa, destruição ditada unicamente pola subserviência face a critérios economicistas e quantitativistas.

Não repetirei aqui e agora os montes de argumentos que demonstram o absurdo de tal AO90, imposto pola força da coacção polos poderes do estado através do ensino e dos meios de intoxicação social…é doloroso ver nos manuais escolares o novo engendro, que medra no ensino (…) mesmo que isso implique o abandono e o entreguismo de qualquer princípio ético ou cultural que se supom deve haver nos docentes.

Como professor e como galego que vê, desde 1982, como a nossa Língua se escreve com ortografia castelhana cá em Galiza, ortografia igualmente absurda e destrutora da nossa identidade, e imposta igualmente polos mesmos meios coercivos (incluindo a ameaça, o medo e a chantagem moral)…é por todo isso que estou duplamente sensibilizado com a implantação deste infame AO90.

Querendo ser coerente com os meus ideais de defesa e respeito polo nosso acervo lingüístico comum, tenho feito o propósito de não colaborar (na medida do possível) com quem ajude a impor este dislate: não compro livros assim escritos, não leio os jornais que o adoptaram, não compro filmes legendados em acordês…

É por isso polo qual agradeço que, desde a recepção da presente e enquanto a sua associação continue a adoptar dito AO90, se me deixe de considerar sócio (…) Não quero, conseqüentemente, continuar a receber o seu boletim nem quaisquer outras comunicações assim redigidas.

Tenho que lamentar apenas que, sendo o GAO uma associação que polos seus ideais sabe sobradamente das misérias e ruindades dos poderes de facto, esta adesão de vocês ao AO90 se tenha feito com o que isso implica de adesão a uma política de estado moralmente reprovável e ruim.

Venho a despedir-me, com tristeza e com saudades de encontrar vozes e atitudes mais independentes e críticas face à política cultural e lingüística de sarjeta que temos a desgraça de sofrer.

Bento (GALIZA)

[Transcrição de Carta manuscrita enviada por Bieito Seivane ao G.A.O. em 24 de Janeiro de 2013. Cópia enviada por email para nós, com sugestão de publicação, pelo autor.]

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4 comentários

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  1. Temos «submarinos» no Grupo de Amigos de Olivença? Pouco lhe faltará para se tornarem de «Olivenza» e agirem como sucursal de los amigos de Gibraltar.
    Isto anda bonito, anda!

  2. Todos os que falamos muito aqui [e somos muitos] se nos juntarmos ali algo parará e acontecerá.
    Não tenho ainda motivos para crer no grupo
    de trabalho que sairá do Parlamento.

    Comprei agora 2 livros na Bertrand em Português.
    1: Para Onde Vai o Nosso Dinheiro, de Lurdes Feio. 2:Do eu Solitário ao nós Solidário, de Frei Fernando Ventura. Em cima do balcão deixei outros por estarem cheios de erros, e ilegais. Identifiquei-me e manifestei o meu sentido pesar pelo facto.
    Mas estes gestos não chegam.
    São precisas avalanches presenciais. Enxurradas.

  3. Que maravilhoso texto!
    Obrigada ao Bento e um abrazo desta Zamora tão próxima da Galiza

  4. Caros Bento e MM, a resistência ao autoritarismo do AO passa por esse tipo de acções. Não chegam, é verdade, mas ajudam. Também eu há muito que não compro jornais ou livros assim escritos, e estou a pensar em cortar de vez a televisão, ou melhor, os canais nacionais. Poupo tempo e, bem vistas as coisas, não perco nada, pois o que neles ininterruptamente passa é lixo. Como editoras e televisões são muito sensíveis aos níveis de vendas e de audiências, são ‘chapadas’ que lhes damos. Força amigos!

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