«Latim e grego» [Carla Hilário Quevedo, “i”, 08.06.15]

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Pensava que a introdução opcional do Grego e do Latim no ensino básico era uma boa notícia em geral, mas esqueci-me de que estamos em campanha eleitoral.

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O ensino do latim e do grego vai ser opção disponível nas escolas a partir do ensino básico no próximo ano lectivo. Não se trata de uma imposição do Ministério da Educação nem de uma “reforma curricular”, mas de uma opção disponível nas escolas para os alunos. Não se trata de obrigar as escolas a ter uma disciplina de Introdução à Cultura e Língua Clássicas.

É um passo no sentido de voltar a incluir as línguas clássicas no currículo. Não forçar ninguém a aprender grego ou latim pode até ser o primeiro passo para reunir os alunos interessados e curiosos por uma cultura distante no tempo, mas que nos formou e da qual fazemos parte.

É inegável que o ensino do latim desde o 1.º ciclo é útil para uma melhor compreensão do português. Aprender latim pode, além do mais, suscitar dúvidas às crianças acerca da utilização e necessidade do acordo ortográfico. As boas notícias têm a virtude de se reproduzirem noutras excelentes probabilidades. Também o grego é útil na medida em que estimula o raciocínio. O grego é uma língua baseada na lógica, com declinações e palavras compostas pela união de dois ou mais vocábulos, como acontece no alemão.

Na verdade, saber latim e grego potencia um conhecimento mais aprofundado de outras línguas. Digo isto porque, depois de anos e anos de aprendizagem do alemão, só compreendi realmente a estrutura da língua quando aprendi grego. E compreender como funciona uma língua é útil para o conhecimento dessa língua, de outras línguas, e dá prazer. Um prazer que nos momentos felizes se resume à expressão grega “eureka!”, que significa “descobri!” ou “encontrei!”.

Aprender estas línguas, mais complexas, com uma gramática cheia de regras, agiliza o cérebro, ginastica a mente e pode tornar a criança mais interessada no adulto que decide fazer a tradução das obras de Tácito, para dar um exemplo radical. Pensarmos que ninguém tem interesse por autores antigos ou que o público está mais concentrado na irrelevância da actualidade do que nos gregos antigos é um erro.

Não é boa ideia subestimar o próximo nem duvidar da sua inteligência ou da sua curiosidade, impondo-lhe o que é fácil. Sobretudo não era bom que a possibilidade de escolha de aprender latim e grego não fosse sequer uma possibilidade. A opção estava feita à partida pelo ministério.

Pensava que a introdução opcional do grego e do latim no ensino básico era uma boa notícia em geral, mas esqueci-me de que estamos em campanha eleitoral. A Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas considera que o ensino das línguas clássicas “não tem grande sentido”. Adalmiro da Fonseca, presidente da ANDAEP, entende que “o programa deve ser mais no sentido de levar os alunos a entender a matemática das línguas e a desenvolver o raciocínio a partir da construção daquela língua, mas não tanto ensiná-los a escrever, a falarem e a traduzirem”.

Preferia que aprendessem não aprendendo, é isso? Também o presidente da Confederação Nacional de Associações de Pais, Jorge Ascensão, indicou que o ensino das línguas clássicas não é uma prioridade. Talvez alguém possa perguntar quais são as prioridades, para poder escrever um artigo quando a resposta for: “Educação Cívica”.

Carla Hilário Quevedo
Escreve à segunda-feira 

[Transcrição integral de artigo com o título “Latim e grego“, da autoria de Carla Hilário Quevedo, publicado no jornal “i” de 08.06.15. “Links” e destaques adicionados.]

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