“It’s a beautiful thing, the Destruction of words. Of course the great wastage is in the verbs and adjectives, but there are hundreds of nouns that can be got rid of as well.“
— E de que é que te serviu isso?
— Não serviu de nada, porque o deitei fora ao fim de uns minutos. Mas se hoje acontecesse a mesma coisa, guardava o papel.
— Olha, eu não! — disse Júlia. — Estou disposta a correr riscos, mas só se for por alguma coisa que valha a pena, não é cá por recortes de jornais velhos. Se tivesses guardado o papel, que é que podias ter feito com ele?
— Talvez não pudesse ter feito grande coisa. Mas tratava-se de uma prova. Podia ter semeado a dúvida aqui e ali, partindo do princípio de que teria coragem para mostrá-lo a alguém. Não acredito que haja hipótese de alterar o que quer que seja durante o nosso tempo de vida. Mas podemos imaginar pequenos focos de resistência a nascer aqui e ali… pequenos grupos de pessoas que se organizam, que vão crescendo a pouco e pouco, deixando talvez até um testemunho, de forma a que a próxima geração possa partir do ponto em que nós ficámos.
— Quero lá saber da próxima geração, querido. O que me interessa somos nós.
— Só és rebelde da cintura para baixo — disse ele.
Para ela, o dito soava extremamente espirituoso e apertou Winston nos braços, encantada.
Os meandros da doutrina do Partido não lhe despertavam o mínimo interesse. Sempre que ele começava a falar dos princípios do SOCING, do duplopensar, da mutabilidade do passado, da negação da realidade objectiva, e se punha a usar palavras de novilíngua, ela mostrava-se maçada e confusa, dizendo não ligar a essas coisas. Já se sabia que eram tudo balelas, por isso de que servia estar alguém a ralar-se? Sabia quando aplaudir e quando apupar — e isso chegava! À insistência dele em falar sobre tais assuntos, tinha o hábito desconcertante de adormecer. Era capaz de adormecer a qualquer hora e em qualquer posição. Conversando com ela, Winston percebeu a facilidade em exibir uma aparente ortodoxia sem se ter a menor noção do que é a ortodoxia. De certo modo, a visão que o Partido fomentava do mundo e das coisas impunha-se com maior êxito às pessoas incapazes de a compreender. Podia-se levá-las a aceitar as mais flagrantes violações da realidade porque nunca viam claramente a enormidade do que se lhes pedia, nem se interessavam suficientemente pela vida pública para se aperceberem do que estava a acontecer. Graças à falta de entendimento, conservavam saúde de espírito. Engoliam tudo e mais alguma coisa e o que engoliam não lhes fazia mal, pois não deixava atrás de si o menor resíduo, como grãos de milho que, sem serem digeridos, entram e saem pelo corpo de um pássaro.
“Nineteen Eighty-Four“, George Orwell
[Imagem: “Telescreen”, Wikipedia. Citação de topo: shmoop.]
2 comentários
Muito boa ideia! Relembrar ou chamar a atenção para uma obra literária intemporal é um belo gesto porque sobretudo pode acabar por iluminar quem a lê pela primeira vez
Obrigada à ILCAO.
De George Orwell há outro livro de capital importância para a compreensão dos totalitarismos, sejam eles políticos ou ortográficos… Trata-se de Animal Farm – O Triunfo dos Porcos – em português. Embora escrito a pensar no vermelho, aplica-se a todas as cores que tendem a resvalar para o despotismo, estando cada vez mais actual. Pensando no AO, e olhando para os mandamentos aí presentes, até podemos acrescentar coisas como: Alguém que escreva com consoantes mudas é inimigo.