Tribunais recusam Acordo Ortográfico
Diário da República obrigado a publicar textos de juizes que não seguem as novas regras
Margarida Davim
margaridadavim@sol ptALGUNS JUÍZES têm obrigado a Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM) a aceitar textos que não seguem o novo Acordo Ortográfico. «No início do ano a INCM rejeitava os anúncios de publicação obrigatória porque dizia que tinham erros» conta o juiz Rui Estrela de Oliveira, explicando que a argumentação jurídica dos magistrados acabou por mudar a atitude da instituição que edita o “Diário da República”.
São vários os juízes que partilham a ideia de que os tribunais não são abrangidos pela resolução do Conselho de Ministros que obriga todos os documentos oficiais, publicados a partir de Janeiro deste ano, a respeitarem as novas regras de ortografia. «A resolução é para os órgãos directamente dependentes do Governo» frisa Rui Estrela de Oliveira, lembrando que o princípio da separação de poderes deixa de fora instituições como os tribunais e a Assembleia da República. Seguindo este raciocínio, o juiz não tem dúvidas de que os órgãos do poder judicial beneficiam da moratória em vigor até 2015.
Mas o magistrado tem ainda outro argumento: «Não cabe à Casa da Moeda corrigir ou alterar os textos que saem do tribunal». A situação levou o mesmo a enviar um ofício à INCM a sustentar a sua tese: «Depois disso começaram a aceitar».
Segundo Manuel Ramos Soares, secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes, o magistrado de Viana do Castelo não está sozinho. «Tenho a informação de que já houve alguns casos assim», diz, acrescentando que partilha do entendimento de que «a resolução do Conselho de Ministros não se aplica aos tribunais».
Ao SOL a INCM explica que «informou todos os emissores de que nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n°. 8/2011, os actos a publicar no Diário da República deviam respeitar o novo Acordo Ortográfico». Mas refere que «existe um período de transição e alguns tribunais optaram por aplicar o estabelecido no período de transição».
Acordo não está em vigor
Por isso mesmo e porque «nos termos da lei o conteúdo do acto é da responsabilidade do emissor não havendo intervenção da INCM», a Casa da Moeda diz que não «corrige» os textos que recebe para publicar. A consequência é que no “Diário da República” é agora possível encontrar
duas grafias diferentes.Esta semana, Rui Estrela de Oliveira foi notícia por ter emitido uma circular no seu tribunal em que afirma que o Acordo «não entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa»[ver nota] e que quem o usar está a dar «erros ortográficos».
Ao “SOL”, o juiz do 2.° Juízo Cível do Tribunal de Viana do Castelo explica que «todas as peças processuais devem ser entregues no Português que corresponde à norma linguística em vigor». E que é defensor da tese de que «o Acordo não está em vigor porque não foi ratificado em todos os países de Língua Portuguesa».
O magistrado critica ainda a pouca atenção que foi dada pelos responsáveis políticos ao impacto que as alterações ortográficas podem ter nos tribunais «Na Ciência Jurídica é muito importante o que se diz e a forma como se diz. E é fundamental que todos entendam o que é dito». Para ilustrar as dificuldades de compreensão da nova ortografia o magistrado dá o exemplo das palavras ‘corrector’ e ‘corretor’ (da Bolsa) que passam a escrever-se de forma igual, apesar de terem significados e pronúncias diferentes.
[Transcrição de artigo publicado hoje, 16.03.12, no jornal “Sol”, da autoria de Margarida Davim.]
[Os conteúdos publicados na imprensa ou divulgados mediaticamente que de alguma forma digam respeito ao “acordo ortográfico” são, por regra e por inerência, transcritos no site da ILC já que a ela dizem respeito e dado o seu evidente interesse público.]
[A cópia deste artigo foi-nos enviada em formato PDF por Nelson NAF.]
[nota]
A circular referida na notícia do “Sol” foi publicada aqui mesmo, no site da ILC, em primeira mão, três dias antes de qualquer órgão de comunicação social convencional o ter reproduzido, sendo que todos eles se “esqueceram” de referir a fonte. A cópia do dito ofício foi-nos enviada por um activista da ILC e não foi remetida para qualquer OCS, nem antes nem depois.
5 comentários
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Muito bem, Srs. Juízes! Ainda há quem saiba o que significa o Direito em Portugal!
É notória “a pouca atenção que foi dada pelos responsáveis políticos ao impacto que as alterações ortográficas podem ter nos tribunais” e não só, também em tudo o que passa pela língua escrita, inseparável de todas as outras componentes da nossa língua.
Acho muito bem! Dá para ver a treta que o aborto ortográfico é! É mesmo coisa metida à javardo sem pensar depois dá nisto. Infelizmente estamos num país que permite tudo.
O meu aplauso a todos os Juizes, Jurisconsultos e Mestres de Direito que defendam os Portugueses deste esbulho tentado à Língua de Camões. E um pedido: que nos redijam em plena forma uma providência cautelar a apresentar no STJ contra todos e quantos, a pretexto de uma suposta Lusofonia, procuram minar o conceito de Portugalidade.
Já somos mais de 80.000 subscritores desta ILC!
E o abuso alastra calamitosamente nos orgãos da comunicação social, como se o AO90 estivesse de “fato” em vigor e os portugueses fosem meros “espetadores” da sua língua…
Queixamo-nos do AO90 mas ele veio enriquecer a língua portuguesa.
Dantes tínhamos duas ortografias, a do Brasil e a de Portugal e restantes países lusófonos.
Com o AO90 passamos a ter três!
Senão vejamos:
– No Brasil escreve-se e continuará a escrever-se, por exemplo: ativo, adotar, direção, correto, aspecto, perspectiva, concepção, respectivo, recepção, conjectura, etc.
– Em Portugal passa a escrever.se: ativo, adotar, direção, correto, aspeto, perspetiva, conceção, respetivo, receção, conjetura, etc.
– Em Angola e Moçambique, que não assinaram o Tratado, continua a escrever.se: activo, adoptar, direcção, correcto, aspecto, perspectiva, concepção, respectivo, recepção, conjectura, etc.
Três ortografias distintas – qual delas verdadeira?
Quem foi o aldrabilhas que disse que o AO90 veio uniformizar a ortografia e facilitar a compreensão entre os países lusófonos?
Aconselho todos aqueles que defendem este íniquo AO a lerem o livro do línguista António Emiliano onde ele põe a nu os erros, contradições, imprecisões e disparates desta lei-acordo.
Sou contra o AO e faço “minhas” as palavras do Prof. Vitorino Magalhães Godinho: “Nenhum orgão de soberania tem poderes para instituir sobre a língua Portuguesa. A língua é um legado de séculos, uma obra de cultura, digo um rotundo não ao acordo ortográfico” Expresso” 10/5/2008.
O estado Português jamais deveria ter ratificado um acordo que a esmagadora maioria dos Portugueses é contra e que apenas serve os interesses do Brasil levando até os “Media” internacionais a gozarem com a situação em que portugal ficou com a assinatura deste inenarrável acordo.
Vergonha!!!
Estes são alguns títulos de artigos que saíram na comunicação social estrangeira, sobre o famígerado acordo e que mostram um estado português completamente vergado aos ditames do Brasil.
Corriere della Sera – “In Portogallo si parlerá brasiliano”
Chicago Tibunne – “Portugal adopts brazilian spellings”
Matinternet – Portugal le parlement approuve le rapprochement du Portugais avec bresilian
The China Post – “Brazil gives back to Portugal”
Gulf Stream Blues – “Brazilian devours its mother tongue”
Oz Traveller – “Portuguese now more brazilian and less…Portuguese”
Tampabay.com/st Petersburg Times – “Global bizarre Brazil prompts Portugal update Portuguese”
Nelson Sousa
Lisboa