Enviei há dias a seguinte pergunta aos responsáveis pelo Portal da Língua Portuguesa:
São incontáveis (no sentido de “centenas, talvez milhares”) os casos em que é apresentada como brasileira uma grafia desconhecida no Brasil. Em que fonte se basearam para dizer que “extracto” é português do Brasil?
Os ditos responsáveis tiveram a gentileza de responder da seguinte maneira:
Caro utilizador
Obrigado pela sua mensagem e pelo seu interesse nos nossos recursos.
A nossa fonte para o português brasileiro foi o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, 5.ª ed., que atesta a forma ‘extracto’.
Ao seu dispor, com os melhores cumprimentos, A equipa do Portal da Língua Portuguesa
Enviei-lhes imediatamente a resposta que se segue, na qual, por polidez e cortesia, me abstive de comentar os dois ou três erros de português que conseguiram cometer em tão poucas e pouco úteis palavras.
Caros respondedores,
obrigado pela vossa resposta e obrigado pelo vosso interesse na minha pergunta.
Se a vossa fonte para o português brasileiro foi o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, 5.ª ed., talvez devessem levar em conta o fa(c)to de que o dito vocabulário diz-se “da língua portuguesa” e não “da língua portuguesa brasileira”, e que as moças e os rapazes da Academia Brasileira de Letras são, além de apreciadores de um bom chá na companhia dos seus pares, gente muito polida e cortês que faz questão de registrar todas as formas da língua chamada portuguesa, o que inclui também, talvez para a vossa estupefa(c)ta surpresa, algumas variantes ortográficas do país chamado Portugal..
Contudo, sendo as senhoras e os senhores da Academia Brasileira de Letras e sobretudo os rapazes e as moças que nela servem em funções menos excelsas que o tomar chá com os seus pares gente que, além de polida e cortês, é também falível e incompetente e alheia a questões rasteiras como o rigor e a coerência (o que se atesta com óbvia e cristalina clareza na lambança a que chamaram Acordo Ortográfico), as supramencionadas polidez e cortesia não os levam a extremos tais como o de ter o trabalho de incluir de fa(c)to todas as variantes utilizadas em Portugal, nem de – deusnoslivre! – remover do dito Vocabulário Ortográfico todas as formas registradas no vocabulário original de 1943, época em que o Brasil, vítima quiçá do irreprimível complexo de vira-lata que até hoje grassa nas suas (mal) chamadas elites, considerava elegante e culto grafar palavras de modo não imediatamente compreensível para o falante brasileiro comum.
Esta combinação desafortunada de polidez, preguiça, cortesia, incompetência e vira-latice resulta em um vocabulário cuja falta de rigor deveria ser uma ululante evidência para qualquer pessoa minimamente versada – no sentido de oficialmente alfabetizada – nos meandros da nossa ortografia (agora) comum, tornando-o inútil para um portal que se quer um “apoio a quem trabalha com a língua portuguesa”. Todavia, acaso contaminados pelo descaso dos seus cong(ê/é)neres brasileiros, os responsáveis pelo Portal da Língua Portuguesa preferem a via fácil da ado(p)ção acrítica de uma lista cujos autores nunca se deram o trabalho de conferir os usos correntes do idioma que pretendem inventariar, produzindo um corpus cuja utilidade para quem trabalha com a língua portuguesa tende a zero.
Ao seu dispor, com os melhores cumprimentos deste vosso humilde utilizador,
Tomás Rosa Bueno | Tradutor | Bariloche, Argentina
[Transcrição integral, autorizada pelo autor, de post publicado hoje, 20 de Julho, no blog Postanterous.]
3 comentários
Absolutamente brilhante.
É importante frisar que o Portal da Língua Portuguesa é tipicamente português e não brasileiro e tem como apoiadores a Agência Lusa e a Porto Editora.
http://www.portaldalinguaportuguesa.org/index.php?action=admin
Aliás, a Porto Editora tem uma opinião sobre o AO90:
http://www.portoeditora.pt/acordo-ortografico/sobre
Cumpts
Ah! Ah! Ah!
Grande Tomás Rosa Bueno. Quando passar por Lisboa deixe-me pagar-lhe um copo.
Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!