Em artigo recente publicado num site sobre Língua Portuguesa, o linguista Fernando Venâncio começa por zurzir quem acha que a Ortografia é “memória”, “património” ou, pior ainda, “intocável” e passa a quase totalidade do texto a apresentar-nos o que, em sua opinião, seria “um acordo como deve ser” — expressão que dá titulo ao artigo.
Pessoalmente, senti-me quase morto no meu apego ao desenho das palavras e no meu convívio com a memória de todos quantos produziram literatura desde, pelo menos, 1911. Mas o que mais me custa perceber, neste texto e noutros similares, é a estranha relação dos linguistas com o seu objecto de estudo. Por um lado, de tanto estudarem a Língua dir-se-ia que passam a considerá-la propriedade sua, esquecendo que outros, sejam escritores, poetas ou comuns mortais como eu, também a usam e têm uma palavra a dizer sobre o assunto. Por outro lado, o facto de a Língua ser “deles”, dos linguistas, não implica que sintam por ela uma proximidade por aí além — pelo menos no que à Ortografia diz respeito, consideram-na uma mera ferramenta, uma simples convenção que tanto faz ser assim como assado.
“Ó colega, passamos aqui os nomes dos meses a minúscula?”
“Ó colega, não vamos fazer uma birra por causa disso!”
É este saber ex cathedra que, ao fim e ao cabo, abriu caminho para o próprio AO90. Imagino Malaca Casteleiro a redigir a sua Nota Explicativa, em êxtase, com a nítida consciência de estar a talhar o seu lugar na História da Língua Portuguesa, na senda de Gonçalves Viana. E confesso que muito me admirou ver Fernando Venâncio, autor que sigo com atenção desde o brilhante e fundamental artigo na revista Ler, preparar-se para seguir esta via. Tive até necessidade de voltar a esse texto, relendo-o, agora com outros olhos. E, de facto, não há contradição. Já aí Fernando Venâncio dava a entender que o AO90 era mau mas um outro AO seria possível, desde que fosse bom. Devo ter-me bloqueado essa parte do texto…
Ora, bolas para isto. Não haverá, na Linguística, já não digo uma corrente ou uma tendência, mas ao menos um único linguista que defenda que se pare, pura e simplesmente? Que resista à tentação de “melhorar”, de “corrigir incoerências”, de “reduzir a necessidade de consultar o dicionário”? Se há coisa que o AO90 tem demonstrado é isto: as putativas “melhorias” que possam resultar dessas intervenções serão sempre cilindradas pelo que trazem de transtorno, de insegurança, de ruptura, de descontinuidade. De boas intenções está o inferno ortográfico cheio.
O objectivo é combater as incertezas que nos assaltam e nos levam ao dicionário? Comece-se, em primeiro lugar, por deixar em paz o próprio dicionário.
Mas deixemos de lado estas considerações, feitas a título pessoal. Enquanto promotor de uma Iniciativa Legislativa que visa a revogação da entrada em vigor do Acordo Ortográfico, a minha opinião não conta para nada — cumpre-me apenas recordar-vos o seguinte: o Acordo Ortográfico de 1990 está em vigor.
Lamento dar-vos esta notícia assim de repente, mas é a verdade nua e crua: o AO90 continua válido, de facto (mas não de direito) — e portanto continua a fazer estragos.
Podíamos ser levados a pensar o contrário, tendo em conta que Fernando Venâncio está longe de ser o único a ceder à tentação de discorrer sobre “o que fazer depois do Acordo”. É grande a avalanche de “boas notícias” que dão como certo o AO nos Cuidados Intensivos, ligado à máquina.
Ora vejamos:
Deu entrada na AR (mais) uma Petição contra o AO — está só a “aguardar despacho”, só isso deve chegar para resolver o problema. Mas está também um Grupo de Trabalho da Comissão de Cultura (novamente) a entrevistar pessoas. E quando não são os entrevistados a dizer mal do AO são os próprios deputados/entrevistadores que o fazem.
A Academia de Ciências de Lisboa também tem em vista um Grupo Técnico de Revisão do Acordo, pois claro. E, para cúmulo, há dias até se noticiou que, apesar da aldrabice de bastarem três países para o AO entrar em vigor, os acordistas, mesmo assim, quase não conseguiam os mínimos. Só quatro países entregaram, até agora, o respectivo “instrumento de ratificação” junto do Estado português.
Pois é, pessoal, o AO90 está mesmo nas ruas da amargura.
Estará?
Eu sei que sonhar é fácil, e apetecível. Quem nos dera a todos estarmos já na fase de debater o que fazer depois de enterrado o AO.
Mas não estamos. No momento actual é até perigoso dar ouvidos a essa canção de embalar. O efeito imediato é o do congelamento da luta. Estamos todos fartos do AO, logo, se isto está no papo, para quê mexer mais uma palha?
Pessoal, acordem!
O AO90 não está morto e nada nos permite supor que o seu fim está próximo. Desde logo, a informação de que só quatro países “depositaram o instrumento de ratificação” é irrelevante. Portugal aprovou o Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico e, com esse gesto, submeteu-se à regra absurda de que bastam três países para validar uma norma ortográfica a ser aplicada por oito. Por outras palavras, Portugal comprometeu-se a aplicar o AO assim que três países o ratificassem, mesmo que Portugal não fosse um desses três países — como não foi: os três subscritores que valem por oito foram Brasil, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe.
Quanto às restantes movimentações em curso — petições, audiências na AR e, acima de tudo, debates sobre “o que fazer depois do Acordo” — podem ter o efeito pernicioso de prolongar, quando não mesmo validar, o “statu quo” actual: o Acordo Ortográfico está em vigor.
Acredito nisto: se há estratégia capaz de ter algum resultado concreto, é a da finalização desta ILC e a entrega das assinaturas respectivas no Parlamento.
Porquê? É muito simples: o referido Segundo Protocolo Modificativo — o tal que criou a regra de três países valerem por oito — foi aprovado pela Assembleia da República através de uma Resolução da Assembleia da República — a RAR 35/2008.
E qual é a premissa-chave da nossa ILC? A revogação da RAR 35/2008. É tão simples quanto isto…
Mas atenção — não queremos enganar ninguém — mesmo assim, as hipóteses são reduzidas. Mas sempre serão melhores do que as que resultam do actual estado de entorpecimento.
A receita é simples:
https://ilcao.com/subscricoes/subscrever/
Se ainda não assinou, assine.
Se já assinou, divulgue.
(Fotos: minha, Mata Nacional do Choupal (Coimbra) e Palmira (Síria) depois do Daesh, tirada da net)
Caro Rui Valente: Existem dois caminhos para destruir o Acordo. Um é conseguir que seja abolido. Outro é conseguir que seja modificado. Mas admito que a estratégia não seja transparente.
Caro Rui, eu não desejo publicamente exprimir-me doutro modo. A sua afirmação «Modificar um acordo “em andamento” (ou seja, em vigor) será sempre uma receita para o desastre» dá a chave para o meu ponto de vista. Tem o meu contacto. Sempre ao dispor, e um abraço amigo.
O novo Acordo Ortográfico está em vigor no brasil?
O AO90 está em vigor?
Os Professores Constitucionalistas divergem nesta interpretação: Vital Moreira diz que sim, Ivo Barroso Duarte tem opinião contrária (e só menciono dois). O Embaixador Carlos Fernandes- em recente obra- diz que nem legalmente nem constitucionalmente o AO90 está em vigor.
Do que não existem dúvidas é que todo este processo foi todo ele muito apressadamente feito desde o seu início.
Só quem não quiser ver as coisas conforme elas devem ser vistas (e o pior cego é aquele que, além de não ver, devido a um infortúnio qualquer, também não quer ver) é que, as pressas em questão decerto que escondem interesses que alguém não pretende que venham à tona.
Só para dar uma achega: o que “cozinhou” o Sr. Casteleiro à porta fechada com os representantes da Academia Brasileira de Letras, numa das reuniões, de andamento processual, precedentes da assinatura do AO90?
A título pessoal a minha ideia é que todo este processo se desenvolve segundo “linhas de força” que obedecem à lógica da parte visível do “iceberg”; daí a questão central: a quem serve o AO90? que interesses se escondem por detrás de toda esta sofreguidão, que tentam fazer prevalecer a lógica do “facto já consumado”???
Que não está, mas muito longe disso.
E porquê?
Na imprensa o caos é total: alguns títulos de grande circulação, como o “Público”, assumidamente rejeitam o Ao90, dando contudo “liberdade” aos articulistas para redigirem à sua vontade.
Os títulos que assumidamente adoptaram o AO90, também concedem essa liberdade, mas em sinal contrário .A grande maioria dos títulos da Imprensa regional, pura e simplesmente ignora o AO90 (designada de “aberração ortográfica” em recente e sugestivo comentário numa edição desta faixa do panorama jornalístico).
E se os defensores dessa aberração “puxam pelos galões” em termos legais / institucionais (já nem digo em termos constitucionais), então a sua posição cai por terra, dado que institucionalmente, a Entidade que dispôe de jurisdição sobre a Língua Portuguesa (a Academia das Ciências) não foi consultada na fase do processo de aprovação – só em Conselho de Ministros, note-se – desta (repito) aberração.
Para além disso, o AO90 não está legalmente em vigor, dado que não foi sujeito ao processo de referenda, a seguir à resolução na A.R. conforme determina a C.R.P., que lhe dá seguimento em termos administrativos, tendo em vista a sua aplicação em termos práticos.
Voltarei a produzir mais um comentário pessoal, em breve ; agradeço a atenção que possam dispensar a este,
António Vieira
Ex.mo Sr. Rui Valente
Felizmente, estamos todos do mesmo lado da barricada.
Entretanto, existe uma “arma” que está ao nosso alcance e que ainda não foi brandida, podendo mesmo vir a revelar-se de grande utilidade: fazer-se “resistência passiva” ao AO90. Não tenho pretensões de estar agora aqui a “descobrir o segredo da pólvora” mas,se esta minha ideia fosse aceite, partilhada e acima de tudo divulgada, estou em crer que faria mossa, e que causaria polémica, dado ter o efeito de “agitar as águas”..
É assim: já que os defensores do AO90 entendem que se deve aproximar a grafia à fonética, então se, na direcção oposta, se aproximasse a fonética à grafia do AO90, adoptando uma pronúncia “adequada” – em lugares públicos, em locais de grande visibilidade, etc.- como por exemplo, e embora aqui em texto escrito não seja muito fácil de me explicar, vou tentar: por exemplo, quando surge a palavra “diretor” (pronunciada “dirétôr”, em vez de”dirétôr”, fonema de “director”, que e´o que está correcto) eu digo-a, alto e bom som, “diretôr”, ou seja, “abafo” a vogal “e”; faço-o por exemplo, na sala de Professores da Escola Sec. onde lecciono (em Aveiro), de propósito, que é para todos à minha volta me ouvirem; e o mesmo para “dirêto”, que pronuncio quando surge “direto”, em obediência ao AO90, e assim sucessivamente. É evidente que à minha volta ouço risadas, comentários, etc., mas decerto que muitos o fazem só para não “fazer ondas”, mas assumindo que concordam comigo (mesmo em surdina) mas no fundo, e em consciência, contestam (tal como eu) essa aberração.
Suponha agora que uma figura pública (da política, da universidade, do mundo empresarial, etc.), adoptava semelhante postura !!
E, suponha, se tal acontecesse durante um programa televisivo,uma entrevista, ou em alguma circunstância de imoacto mediático notório !!
Suponha que se conseguia que muitos dos largos milhares de subscritores do Manifesto pró-referendo e de outras iniciativas que se encontram em marcha, felizmente, procediam desta forma !!!
Uma coisa é certo: ninguém procedendo desta forma viria a ter problemas com a Justiça: seria como que mais um “dialecto”, não de base geográfica e local, mas “transversal” a todo o País – seria o “dialecto acordês”. Seria conforme disse há pouco uma atitude de resistência passiva, e creio que causaria polémica, mas claro se fosse uma figura pública (ou melhor ainda mais do que uma) a adoptar esse procedimento, teria grande impacto.
Seria uma atitude de “guerrilha” já que “guerra em campo aberto” se constatou ser de difícil realização.
Fica pois, esta ideia, gostaria de saber se poderá encontrar “eco” em quantos lutam por pôr côbro a este atentado ao nosso Património comum, caso contrário o mais certo é ver os brasileiros a rirem-se de nós às gargalhadas (ou melhor, a continuarem a rir-se) e, não tarda muito tempo, os próprios Angolanos e também os Moçambicanos a olharem-nos com desprezo e desdém.
Concluo com este apelo, António Vieira .
Colega Rui Valente, obrigado pelos seus comentários; apesar de tudo, continuo a pensar que esta resistência “passiva” pode causar alguma “mossa”, poder ser uma boa arma, sobretudo se fosse feita por alguma figura pública (imagine, algum político ou ex-político, e há bastantes que se têm manifestado contra a aberração AO90 publicamente)!! Já imaginou isto na TV ??!!!
Mas, e conforme referiu, há que tomar medidas práticas, ou seja, dinamizar esta I.L.C.
Assim, peço-lhe ajuda num aspecto: sou um bocado azelha no manejo da ferramenta informática, logo corrija-me se puder: o meu raciocínio é o seguinte: a ILC efectiva-se através de documento, extraído do site da ILC, depois o formulário é enviado por carta em papel, porque só assim é que pode ser admitida para debate na A.R. produzir efeito prático em termos legais, destinados a uma possível votação. Certo?
Presumindo que estou correcto, então, e atendendo ao ditado que afirma que “quem quer vai, quem não quer manda” eu próprio arranjo um número razoável de cartas (tenho amigos que de certeza que irão aderir, só que têm que ter quem lhes “faça a papa toda”), selo-as e envio-as. Assumo esse encargo, começando pelos meus filhos mais velhos, que me ajudam nas questões informáticas, só que se encontram a estudar em Lisboa.
O que diz desta ideia?
Se a pudesse coordenar consigo, seria ainda melhor. Mais ainda, eu posso comprar uma boa quantidade de cartas, selá-las e enviar-lhas, e mesmo ir aí a Coimbra entregar-lhas em mão, dado dispôr, felizmente, de boas condições financeiras. Se entender que seja útil, deixo o meu contacto: 936******
Uma coisa lhe posso garantir: hei-de me “esgadanhar” ao máximo, de fazer todos os possíveis (ou mais além deles, se puder) para fazer com que esta “negociata” abjecta – “cozinhada” por uns quantos imbecis, desde o Sócrates, o Cavaco, o Sampaio e outros, para além do “Miguel de Vasconcelos” da Língua Portuguesa, o Malaca Casteleiro – que só serve interesses comerciais de editoras, e que serve de pretexto para que os brasileiros se riam (ainda mais) de nós, que os angolanos e moçambicanos nos olhem de soslaio e com desprezo, ante a complacência (melhor dizendo, a cobardia) de outros quantos Professores, como eu.com responsabilidades acrescidas nesta matéria mas, que se limitam a “resmorder” e a “ruminar” em silêncio ao invés de fazer prova de que os “têm no sítio”, dado que se se levantasse uma vaga de fundo a nível geral do Ensino, ai aí sim, a coisa então mudava de figura, tenho poucas dúvidas a este respeito.
Vou concluir, para já. Vamos a isto? Contacte-me, arranje mais uns quantos dispostos a trabalhar, apesar das férias que se aproximam (para mim, no entanto, “férias” é palavra com pouco sentido real, dado ter outra actividade profissional, para além de dar aulas). Um abraço. Fico a aguardar.