A imagem de Portugal no estrangeiro ficou com aftas?

afetada

A SIC Notícias pergunta-nos: “A imagem de Portugal no estrangeiro ficou afetada[sic] depois do conhecimento público destes casos de justiça?”. Creio que a imagem de Portugal fica de facto bastante ‘afetada’ (ou mesmo *aftada), quando se percebe o estado actual da língua portuguesa escrita.

Se considerarmos padrões grafémicos afins – alfinetar → alfinetado(s)/a(s); fretar→ fretado(s)/a(s); decretar→ decretado(s)/a(s) – verificamos muito rapidamente que a presença da letra consonântica ‘c’, parte do grafema composto <EC>, em ‘afectar’ → afectado(s)/a(s); arquitectar → arquitectado(s)/a(s); detectar → detectado(s)/a(s), não serve para enfeitar determinadas palavras.

Admito que a presença de um ‘vêem’ num texto com ‘afetada’ e ‘direto’ apenas surpreenda quem leu, pelo menos uma vez na vida e com atenção, as 21 bases do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Também admito que a presença de um ‘vêem’ num texto com ‘afetada’ e ‘direto’ é muito mais subtil do que uma ‘reacção’ no título e ‘reação’ [sic] no corpo do texto, como acontece na chamada para esta intervenção de Luís Marques Mendes. As duas incongruências comprovam quer a falta de conhecimento acerca do preceituado no texto do AO90, quer o carácter inadequado da base IV do AO90 para a norma ortográfica do português europeu.

Por seu turno, o ‘interceptámo-la‘ ocorrido em legenda da RTP, à luz (melhor, à sombra) do AO90, é grafia considerada incorrecta em português europeu. Contudo, interceptar, além  de ser a única forma aceitável em português do Brasil, é forma que na ortografia  portuguesa europeia:

1) significa “interromper o curso de”, “interromper a passagem de”, “fazer parar; deter”, “captar ou apreender (aquilo que é dirigido a outrem)”, na acepção de Houaiss, 2009, p. 1096;

2) desambigua formas potencialmente homófonas como intersectar (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Porto, Porto Editora, 2004, p. 878);

3) impede que haja, por exemplo, intercessões;

4) impede que haja *[ĩtɨɾsɨˈtaɾ] em vez de [ĩtɨɾsɛˈtaɾ].

Infelizmente, alhures, há quem continue a assobiar para o lado e a encolher os ombros. Estrangulamentos? Constrangimentos? Insuficiências? Implicações negativas? Nada disso. Está tudo a correr lindamente.

Desejo-vos um óptimo fim-de-semana.

Francisco Miguel Valada

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1 comentário

    • hippie on 30 Novembro, 2014 at 17:24
    • Responder

    Afetar também pode vir de afetose.

    O acordista vai por aí o carro.
    Os acordistas detetaram o leite das tetas da vaca colado no teto.

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