«No princípio era o verbo» e o verbo apontava para uma petição. Uma petição. Pedir.
Ora, eu não sou pessoa de pedir, quando muito peço um copo de água e é preciso que esteja a morrer de sede, mas pela minha Língua peço, claro, até imploro se preciso for. Assinei. Aliás, na época assinei tudo o que me passou pelas mãos ou vista. Lia ou, melhor, devorava tudo o que versava o mafarrico do absurdo ortográfico e foi lendo que cheguei à ILC, Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Eureca, é isto! – disse ao computador, mais do que habituado aos meus solilóquios.
Assinei, obviamente, e dei a assinar a todos quantos pululam este meu limitado universo. Arregacei mangas e tornei-me activista desta causa, justa e meritória, solenemente consciente de que era esta a única saída. Agora já não pedia, exigia. Exigia, no mínimo, que me e nos escutassem.
Mas este povo de curvada cerviz mostrou-me quanto era difícil reunir as trinta e cinco mil assinaturas. “Porque dá trabalho, porque tenho de assinar, porque tenho de dar dados, porque me esqueci, porque perdi o papel”… e eu perdi a conta às desculpas que escutei.
Apesar de frustrante, este cenário nem é o que mais me irrita, sequer é a argumentação trôpega e infantil dos “acordistas”, o que verdadeiramente me irrita é perceber que há furões, saídos de uma qualquer toca abstrusa, cujo esforço parece ser liquidar a ILC. Sim, “eles andem aí”, como diria o outro, perguntando altivamente «quantas assinaturas há?» Porque, asseguram, «como signatário tenho o direito de o saber». E porque, garantem, «saber quantas há poderá ter um efeito mobilizador para a causa». Sim, claro, e eu moro num castelo e tenho os sete anões como caseiros.
Como signatária e activista, não sei nem quero saber quantas há, eu só sei que não há as suficientes e não é por causa de quem dá a cara, o couro e o cabelo pela ILC. É por conta de um povo anestesiado, confuso e receoso da sua própria sombra, dos discursos embriagados de quem se vendeu a um acordo que o não é, das trampolinices de quem ontem afirmou categoricamente uma coisa e hoje titubeia sem saber bem onde cair, das mil e uma petições e cartas abertas – meritórias pelo simbolismo mas prejudiciais pela manobra de diversão que encerram – com a prestimosa ajuda de quem se apresenta pela causa e acaba a prejudicá-la com a altivez de capataz recém promovido mas sem obra.
Mais grave é quando alguns desses furões afirmam “por aí”, com todo o descaramento do mundo, que têm assinaturas da ILC em casa que simplesmente não entregam nem têm intenção de o fazer. Então, o que é que pretendem fazer com as assinaturas que irreflectidamente detêm e o que dirão àqueles que neles confiaram? E arvora-se esta gente em meirinho, juiz e carrasco de quem trabalha, vive e sente a causa da revogação deste absurdo ortográfico?!
«Eppur si muove»! Sim, apesar de tudo e contra tudo, pacientemente, uma a uma. Porque esta é, ou deveria ser, uma causa nacional, sem estigmas ou acabrunhamentos e sem medalhas no fim, porque a vitória será da Língua Portuguesa, não de qualquer um de nós. Então, porquê este correr atrás do vento? Fala-se em união de esforços. Façamo-lo, então, e comecemos por saber trabalhar juntos, pela causa e não contra ela.
Graça Maciel Costa
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Um reflexo da portugalidade, este texto da G. Maciel. Um texto que ninguem sente prazer em lhe dar os parabe’ns, antes sim atirar-lhe com o tal manto dia’fano da fantasia.