Na edição desta semana da VISÃO, a Linha Directa avisa os leitores de que a revista prepara uma nova investida de apoio ao Aborto Ortofágico (vulgo Acordo Ortográfico), alertando-os para a publicação de dois volumes sobre o monstrinho, a acompanhar as próximas edições.
O segundo volume, ao que dizem, incluirá os “argumentos esgrimidos pelos defensores e críticos do Acordo de 1990, numa polémica que ameaça eternizar-se”.
Porém, segue-se a este anúncio, que já inclui a suspeitíssima expressão “polémica que ameaça eternizar-se” (levando quem lê a captar a ideia de que o articulista não entende o porquê dessa hipotética eternização, por ser um crente do AO), uma frase assassina da objectividade com que a inclusão dos argumentos contrários ao Aborto Ortofágico terá sido realizada: “não tardará o dia em os termos activo e óptimo serão considerados tão obsoletos como as formas pharmácia ou monarcchia…”. O lado em que milita quem tal escreve fica, desde logo, por completo explicitado: ele sabe que a imposição duvidosamente legal do Aborto vai triunfar!
Duvido, no entanto, que saiba, ou que a sua sabença tenha sustentabilidade.
Antes de mais, pelos exemplos usados, nos quais as razões das grafias que agora se pretende expulsar são bem diferentes das que tornaram obsoletas as segundas: em óptimo e, mais claramente ainda, em activo, o que está em causa (e em risco) é a abertura das vogais e as sílabas tónicas destas palavras, cuja alteração de grafia pode ocasionar – como em muitos outros exemplos, sobretudo em palavras menos conhecidas ou totalmente desconhecidas do leitor comum, que não integra o estreito círculo dos dótores, p´ssores e outros ótores (interpretações gráficas minhas) do Aborto – leituras erradas, com o fecho de vogais abertas e deslocação de acentos tónicos; em pharmácia e monarcchia a única coisa que muda é a grafia de consoantes, cujo som permanece inalterado e inalterável, e a simplificação (aqui, efectiva e cientificamente correcta) da grafia só pode ter um efeito contrário ao anteriormente descrito: permite a leitura correcta dos “não iluminados” por doutoral erudição (não confundir com cultura, que é cousa mais complexa).
Depois, porque sendo a única real motivação do pretenso Acordo precisamente a única que não devia sê-lo – a de uma ilusão política assaz bacoca, mitificada e desfasada da realidade -, afastando qualquer outra, honestamente científica e, sem misturas, linguística, a durabilidade do Aborto, bem como a sua efectiva aplicação na totalidade dos países lusófonos, não é um dado adquirido.
Mas, antes do previsível falecimento, de morte natural ou por inanição, do Abortinho, mais do que a qualquer obsolescência, assistir-se-á a patéticas alterações do português falado e escrito em Portugal, sobretudo pelos jovens que agora se confrontam com a sua violenta penetração em tudo o que cheire a oficial (do ensino aos órgãos de comunicação social subordinados a fanáticos do AO): muitos deles crescerão a acreditar piamente em que quem assiste a um espectáculo (agora escrito e, futuramente dito espetáculo, com o segundo e também mudo) é um espetador, como, de resto, na própria VISÂO e contra as regras do português de Portugal – preconizadas pelo próprio AO! -, já bastas vezes vi escrito, alternando despreocupadamente com a grafia correcta.
Aliás, é exactamente por este efeito “confuso-deformante”, em que, pela primeira vez – suspeito que em todo o orbe terráqueo – a alteração de normas “ortográficas” irá originar (ou devorar) a pronúncia correcta de muitas palavras, nomeadamente, repito, as menos comuns na linguagem quotidiana, que chamo a esta coisa, aprovada por razões exclusivamente políticas e cientificamente muito mal pensada, organizada e estruturada, Aborto Ortofágico.
Sublinho que, para além de se multiplicarem, na imprensa escrita, as notas de que quem, não cerceado nos seus direitos por imposições patronais, assina uma crónica ou um artigo não segue o novo AO, tornou-se um divertido exercício detectar as contradições da escrita dos jornalistas “subordinados”, porque, simplesmente, não há corrector informático que resista a tantas grafias múltiplas, excepções e confusões!…
A “simpática ajuda” da VISÃO traz água no bico e não é bem-vinda.
Paulo Rato
[Texto recebido por email, do autor. Aguarda publicação (desde as 00:56 h do dia 08.09) no fórum da revista Visão.]
[Actualização e rectificação em 10.09.12 às 13:40. Por lapso, no título deste “post” foi aposto um nome próprio (“Vasco” em vez de Paulo) ao autor do texto. Está corrigido, com o nosso pedido de desculpas.]
7 comentários
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Vão publicá-lo lá no foro da Visão se e só se não tiverem maneira de o censurar sem vegonhosa censura.
A revista não presta.
Já se vê por aí sinalética hoteleira com a seguinte indicação em várias línguas: RECEPTION, REZEPTION, RECEÇÃO, etc. Não há dúvida que a língua portuguesa também entrou em RECESSÃO com este Aborto de Ortografia (parabéns pela nova designação).
São assim os acorditas.
O cripto-acordita Guégués censura-me tudo. Publicou uma aparente queixinha de que os erros provocados pelo «coiso» nem em 10 anos se resolvem.
«TABLOIDE [sic]
Esta semana foi noticiado que o ator [sic] norte-americano Bruce Willis teria a intenção de processar a empresa Apple uma vez que, segundo publicou o tablóide [sic] britânico The Sun, esta não lhe possibilitava transferir a coleção [sic] de canções que comprou na loja digital iTunes para as filhas em herança» («Música digital comprada pode ser dada em herança», João Moço, Diário de Notícias, 8.09.2012, p. 40).
Nem numa década estes erros se deixarão de ver — e em profissionais da escrita. Na população em geral, vai demorar mais […]»
( http://linguagista.blogs.sapo.pt/530359.html )
Pois o pedante apagou-me este comentário:
« Que interessa?! Aos mentores do «coiso» cacográfico (leia-se, Academia Brasileira) deceparem-se as consoantes etimológicas era quanto queriam. A prova está em letra de forma na nota explicativa [leu? — (v. http://linguagista.blogs.sapo.pt/528136.html?thread=1939208#t1939208 )]:
‘ A divergência de grafias existente neste domínio entre a norma lusitana,
que teimosamente conserva consoantes que não se articulam [?] em todo o
domínio geográfico da língua portuguesa [!], e a norma brasileira, que há
muito suprimiu tais consoantes […] ‘
Em Portugal, berço da língua é-se teimoso por não escrever português como o Brasil entende? Gonçalves Viana e quem se lhe seguiu eram uns burros teimosos. Que sabiam eles? (v. http://biclaranja.blogs.sapo.pt/518772.html ) O Evanildo Bichara afirmar despudoradamente à imprensa que Portugal «abusa» das consoantes etimológicas (v. http://biclaranja.blogs.sapo.pt/542157.html ) é que é inteligente. Que tamanho brilho não nos ofusque da cachola que pariu aquele formidável naco da nota explicativa. Atirar às ventas dos portugueses que escrever em português é teimosia é digno dos maiores evanildos. Que portugueses, mesmo com sentido de dignidade abaixo de cão como os que temos o infortúnio de haver a meter a mão nestes negócios, se tenham disposto a firmar um tratado internacional deste teor é digno do maior dó. Fazê-lo com caluniadores e tratantes de má fé que rasuraram todo o acordo ortográfico quanto fizeram até aqui, nem sei que lhe diga. É tudo duma baixeza tão vil que parece impossível ainda haver quem chafurde a defender a lama.
Por agora temos o caos. Numa geração hão-de de vir as «fâturas».
Cumpts.»
Imaginai daqui o quanto a verdade incomoda aos acorditas.
Não leio, não compro, não vejo! Nenhum texto me merece respeito, quando escrito com a “nova” e incorrecta ortografia! Deixo para os convencidos analfabetos, incluindo licenciados, doutorados e outros, adeptos de modas, ignorantes e incultos!
Caro BicLaranja
Olhe que se deixámos de usar consoantes etimológicas foi mesmo obra do Gonçalves Viana. As consoantes etimológicas que ficaram foram as que tinham valor diacríito. As outras, o safardana e companheiros da comissão de 1911, abafou-as todas.
Esse tal Gonçalves Viana escreveu até uma “Reprezentação” (isso mesmo, com z em lugar do s) uns anos antes (salvo erro 1885) propondo uma simplificação em que, por exemplo, se escrevia “ezame” e “jeral”. Um mimo.
@Gervario
Bem sei. Consoantes etimológicas são elas todas, incluindo o “s” de “representação”, o “x” de “exame” e o “g” de “geral”. Claro que Gonçalves Viana não dava a mínima por elas e estranho que as tenha mantido para marcar o timbre das vogais átonas. Mas sabia da metafonia do português (http://biclaranja.blogs.sapo.pt/518772.html ). Ele é o equivalente de há cem anos do estulto Malaca; menos vil e menos idiota, mas equivalente. Cuido que a sua vaidade de deixar marca na mutilação do idioma tinha tanta margem de se evidenciar que desprezou neste caso as consoantes depois de “a” “e” ou “o”. Foi essa margem que falhou agora ao Malaca para se evidenciar. Sem a ceifa destas consoantes a “obra” deste último era um “bué” no dicionário da Academia.
Na Comissão de 1911 refreou-se um tanto. O Dr. Leite de Vasconcelos, muito mais erudito e capaz, escusou-se dela. Cândido de Figueiredo integrou-a e passado um par ou dois de anos lançou a 2.ª edição do seu “Diccionario” sem atender à reforma de 1911.
Cumpts.
É com moderado entusiasmo que tomo contacto através desta mensagem do ILC – que tenho o grato prazer de ir acompanhando quando e enquanto posso -, desta “preocupação” da revista “Visão” (que decididamente já conheceu muito melhores dias) com o EO (Enxerto Ortográfico). Se o “establishment” já sente necessidade de colocar os seus lacaios, os seus “pombos-correios” a fazer este trabalho, significa que as pessoas sérias e conhecedoras da Língua deste País estão a conseguir fazer passar a mensagem. Bem hajam por tudo o que têm feito para nos defender desta tirania!