Para este blogueiro, e nada me convencerá do contrário, a reforma ortográfica, implementada por um conselho de notáveis escolhido a dedo, não passa de uma política cínica para incrementar a venda de livros, milhões de livros, e engordar os lucros do setor livreiro do país e fora dele. Dicionários e gramáticas novos, livros didáticos e paradidáticos encabeçam o mercado brasileiro.
Para se ter uma ideia, o segmento didáticos faturou, em 2010, R$ 2,1 bilhõesa), para um faturamento total do setor de cerca de R$ 4,5 bilhõesb). Precisa dizer mais?
Quanto às regras propriamente ditas, as confusões, exceções contraditórias e falta de critérios mostram que a reforma, além de tudo, empobreceu e violentou a língua. Fora os exemplos citados acima no texto da Agência Senado, o fim do trema etc, há coisas absurdas. Exemplo: a queda do acento para diferenciar o verbo parar no presente do indicativo (pára) da preposição.
Vejam essa manchete de jornal, que li esta semana: “Cidade para após problema em ponte”. A frase tem dois significados. Como verbo, o para indica o sentido de que a cidade ficou paralisada depois de problemas com a ponte; mas, como preposição, podemos ler assim: [como ficará] a cidade depois de resolvido o problema da ponte.A língua portuguesa é como a Constituição brasileira. Uma colcha de retalhos e de emendas.
Eduardo Maretti, Brasil, no blog Fatos Etc.
a) 920 milhões de Euros
b) 1 972 milhões de Euros
2 comentários
Olá, amigos. Obrigado pela citação de meu blog. Essa, a luta contra o malfadado acordo ortográfico, é uma batalha inglória, já que se dá contra intere$$es muito grandes. Mas, difícil ou não, os que amam a língua portuguesa (com suas características tão particulares em Portugal, Brasil e outros países lusófonos) não podem é ficar calados.
Abraços desde o Brasil
Eduardo
Parabéns pelo artigo. Penso que tocou num ponto muito importante. Em Portugal as editoras mais entusiastas do AO90 são também as que têm interesses no mercado do livro escolar e didáctico.
O AO90 só é possível de ser defendido por quem não usa a escrita para mais do que listas de compras. Nenhum Português nem nenhum Brasileiro que faça um uso da escrita que ultrapasse o corriqueiro e o utilitário pode defender as alterações preconizadas no AO90. Ninguém que tenha o mínimo de gosto pela leitura pode defender as alterações preconizadas no AO90. Nem em Portugal, nem no Brasil.
Ler um romance ou outro texto de alguma profundidade escrito em AO90 é verdadeiramente penoso tal é a quantidade de homografias e de absurdos introduzidas pelas regras do AO90. A quantidade de vezes em que se tropeça em frases passíveis de duplas interpretações é tão clara e frequente que basta pegar em qualquer “romance de aeroporto” em edição de bolso publicada pelas regras do AO90 para perceber até que ponto estas são indefensáveis. Eu já experimentei e o exercício foi de tal maneira penoso que não tenho vontade de repetir. E se o AO90 vier para ficar, ter-me-ão privado de um dos grandes prazeres da minha vida, a literatura. Porque não mais lerei em português.
Uma das grandes desilusões da minha vida é ver a lavagem ao cérebro que grande parte dos media, ao serviço dos interesses dos seus donos, colocou em marcha para impor o AO90. E começar a ver edições livreiras segundo o AO90. Outros países tentaram impor “reformas ortográficas” artificiais em em mais nenhum(s) outro(s) aconteceu esta passividade infame.
A “reforma ortográfica” de 1996 de Alemanha, Suíça, Áustria e Liechtenstein foi tão polémica, tão publicamente rejeitada por cidadãos, jornais e editores que acabou por ser alterada de forma a incorporar a maior parte das críticas dos opositores a essa “reforma ortográfica”. Mesmo assim, ainda não há uma aceitação a 100% da “reforma modificada” e entre os que a aceitaram, praticamente ninguém aplica totalmente essa reforma, mas vários códigos “intermédios”.
Em França, também a “reforma ortográfica” de 1990, que sempre teve apenas o estatuto de “recomendação” e nunca foi “obrigatória” e é completamente minúscula se comparada com o AO90 que querem impor a Portugueses e Brasileiros foi quase unanimemente rejeitada.
A “reforma” tratava quase exclusivamente de regularizar a escrita de famílias de palavras e outras questões de pormenor ortográficas, ao contrário da massiva operação de alteração linguística que é o AO90. Quer a escrita “pré-reforma” quer as escrita “reformada” são consideradas oficiais e a “reforma ortográfica” de 1990 tem apenas o estatuto de “recomendação” — o que aliás me parece ser a única coisa aceitável em democracia.
Com que cara vem um grupo de políticos e “especialistas”, que ocupa esses lugares transitoriamente e por razões de circunstância, assumir o papel de “construtores de pirâmides” e querer mudar as normas da escrita da língua portuguesa, por decreto, para toda a eternidade? Há atitude mais anti-democrática e despótica do que essa?
Tenho pouco mais de 30 anos e por isso a minha esperança de vida, se nada de radical ocorrer na nossa sociedade, é ainda longa. E não suporto a ideia de que terei de passar o resto da minha vida a ler “coisas” escritas em AO90. É-me absolutamente insuportável. Às vezes, quando tropeço em “algo” em AO90 dou por mim a pensar que sorte têm as pessoas de 85 anos porque têm ao menos a esperança de morrer antes de 2015 e deixar de conviver com isto.