«Porquê esta mutilação» [J. C. Mota Torres]

Não sei porquê, fiquei com a impressão, que se mantém, – e já lá vão mais de vinte anos –, de que, uma noite bem passada, acompanhada de umas caipirinhas e de uns copos de tinto, em ambiente de elitista concupiscência, “tutelada” por grémios, associações, clubes literários, linguísticos e outros, foi suficiente para dar força à ideia de que, verdadeiramente, o que a Portugal, ao Brasil e a todos os outros países de expressão oficial portuguesa, fazia mesmo falta, era um “acordo ortográfico”. Resolveria problemas identitários, sociais, históricos e, até, económicos.

Daí até ao “acordo” e à assunção da sua imprescindibilidade, foi um ápice; e cá está ele, impante, a tentar explicar-nos que somos uns analfabetos incorrigíveis, marcadamente pusilânimes, sem sensibilidade, nem preparação para entender aquele que é o real interesse de Portugal e dos portugueses e, portanto, incapazes dessa grande associação com o progresso, com o futuro, com a modernidade e com a portugalidade. Passe o tom tendencialmente irónico deste parágrafo, importa, realmente, é dizer-lhes, sobretudo ao poder político, que alinhou, sob o meu ponto de vista, levianamente, em todo este diletante processo, que nos sentimos amputados daquela que era – e, desejamos, volte a ser – a nossa maior referência nacional e identitária: a língua portuguesa. A bandeira e o hino já sofreram alterações correspondentes a alterações políticas concretas; a língua portuguesa permaneceu, por acção prudente de todos, como sendo o cimento com que se constrói Portugal no País, na Europa e no Mundo. A razão primeira do orgulho nacional!

A agressão que se sente quando o serviço público de televisão – e outros órgãos de comunicação social de indiscutível zelo – nos obriga, permanentemente, a corrigir os “seus” insistentes erros ortográficos. A sensação de impotência que resulta de não se dispor de meios que permitam pôr-lhes fim. A angustiante contrariedade de se ser cúmplice na divulgação e na propaganda de semelhante malfeitoria.

Ser obrigado a cumprir o acordo, é uma violência! E, portanto, pela parte que me toca, não o cumprirei. Esta minha – cidadão em fim de linha – desobediência é, no entanto, inócua; cumpro-a como um símbolo para mim mesmo e desejoso de que muitos dos meus concidadãos o façam também, reivindicando o direito à opinião de que, em circunstância alguma podem ser privados.

Porque as nossas acções, individualmente consideradas, são imprescindíveis, mas são também insuficientes, constitui uma reconfortante satisfação perceber que a ILC reclama a nossa adesão, colhe e organiza o nosso inconformismo, instiga a nossa consciência e, até, a nossa “militância” contra o AO, adiciona os nossos descontentamentos e alimenta a esperança no bom senso, na cidadania, no rigor cívico e na exigência que é ser português em Portugal e no Mundo.

A Bem da Língua Portuguesa

Funchal, 28 de Setembro de 2011

José Carlos Mota Torres

José Carlos Mota Torres foi Deputado à Assembleia da República entre 1983 e 2002. Vive no Funchal, Madeira. Subscreveu a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990.

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5 comentários

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    • Maria de Fátima Bizarro on 29 Setembro, 2011 at 14:36
    • Responder

    Inteiramente de acordo. Isto não passa de uma grande “palhaçada” e não somos nós, os que estão contra, que são os palhaços.

    • Carlos da Fonseca on 29 Setembro, 2011 at 15:41
    • Responder

    Estou plenamente de acordo com o que escreve este senhor e junto-me aos milhares que estão contra esta violência à integridade portuguesa. Somos literalmente OBRIGADOS A OBEDECER ao quen foi acordado com os outros, mas connosco, NÃO! Porquê não? Ora se ao longo dos 900 anos de história de Portugal não tivesse havido alterações à lingua, ainda hoje se falava arcaico. Concordo com a evolução mas DISCORDO COM CORPO E ALMA desta tragédia linguística com apenas um fim: fazer com que no Brasil e outros PALOP’s nos entendam. Um ultraje à cidadania portuguesa. Os de cá foram forçados pelos de lá de fora a fazer estas alterações na nossa língua para que nos entendamos todos. Pois bem, os que lá fora acham que falam português, deviam ir para a escola e ter uma bela de uma formação obrigatória de os fazer ler – Morgadinha dos canaviais, Os Maias, Camões, Gil Vicente, e tantos outros que são a nossa história literária de riqueza e orgulho.
    Com este acordo forçado e que entrou em vigor em Setembro de 2011, sem que fosse anunciado o feito. Aliás é “fato” consumado.
    Um catedrático de Brasília atreveu-se a insistir que a palavra “actividade” não lhe faz sentido por causa do “c” antes do “t”. Isto porque a seu ver se a palavra for dita com o tal “c” deveria ser escrita com um acento no “a” inicial. Passava a ser “áctividade” pois a palavra deriva de “acto” que também deveria ter “á”… Pessoalmente eu acho que os burros não falam nem lêem, mas se realmente querem falar Português correcto, deveriam APRENDER A DOMINAR A LÍNGUA NUM SEU TODO COM ACENTOS, “TRACINHOS” em vez de “hifens”, MAIÚSCULAS, “P’s e C’s” onde eles pertencem para evitar que se diga “EGITO” que daí deriva em “Povo EGICIO”, para mencionar apenas algumas das asneiras decididas pelos incongruentes envolvidos no Acordo Ortográfico. Vejam bem, este exemplo: No hotel existe a RECEÇÃO mas se perguntarmos aos tais incongruentes como é que se escreve RECESSÃO, de certeza que não sabem. EU RECUSO-ME A ALTERAR O PORTUGUÊS DA MINHA ALMA, DA MINHA CULTURA, DA MINHA EDUCAÇÃO, DA MINHA LITERATURA E MESMO DOS MEUS GENES.
    Se daqui a uns anos eu pedir ao meu filho que me leia um pouco de Camões, ele nem vai saber ler por causa de tanto erro ortográfico. Já só falta adicionarem um acento ao nome de Fernando Pêssoa. Aprendam a falar e escrever como deve ser e calem-se, palhaços. Inócuos, desconcertados, pusilânimes, abéculas. Ora definam lá estas 4 palavritas, seus …!

    • Eduardo Guerra on 29 Setembro, 2011 at 15:46
    • Responder

    Não posso passar pela leitura deste texto, sem deixar expresso o meu total acordo, com o que aí está escrito. Apenas, faço mais uma achega dum cidadão anónimo, à reposição da legalidade, e que se sente, profundamente, ferido na sua qualidade de português.

  1. Excelente reflexão, este Acordo é dos mais estúpidas e imbecis atentados à língua portuguesa, por mais que tente perceber os argumentos a favor, não consigo, são argumentos cretinos, que não fazem sentido! Parabéns.

    • Manuela Carneiro on 30 Setembro, 2011 at 14:00
    • Responder

    A beleza da Língua Portuguesa é de emocionar.

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