“Projecto BPM. Rap em desacordo ortográfico” [jornal “i”, 16.10.14]

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Sigla para Brasil-Portugal Misturados, um trio que faz das rimas lusofonia. Mundo Segundo, Vinicius Terra e Sr. Alfaiate actuam hoje no Musicbox

Uma pós-graduação é das coisas mais úteis que conhecemos. Sobretudo se tiver decorrido há oito anos no Porto, quando um professor brasileiro quis aprofundar o seu conhecimento em português de Portugal. “Era uma curiosidade que tinha, fui professor de língua portuguesa no Brasil durante nove anos, é a minha profissão apesar de hoje já não leccionar mais”, conta-nos Vinicius Terra – esquecemo-nos de referir que o senhor professor se dedicava às rimas depois de assinado o sumário -, elemento chave do trio.

Foi o brasileiro da companhia que tendo passado dois anos no nosso país – onde deu uma série de concertos com Sr. Alfaiate como DJ de serviço – ficou pasmado com a qualidade do rap português. “Voltei para o Brasil com vontade de criar algo que promovesse o intercâmbio entre os dois países. Criei um festival chamado Terra do Rap com essa intenção, para criar um bloco de rap lusófono”. A primeira edição do festival, em 2013 deu ao público brasileiro a possibilidade de assistir a concertos de Mundo Segundo, de Allen Halloween, Sr. Alfaiate, Dama Bete, entre outros. Os BPM – nome que serve o trocadilho de batidas por minuto – apresentaram-se ao público no início de Agosto passado, precisamente na segunda edição do festival. Recue-se uns tempos para perceber a criação de uma formação que nem estava prevista. “Basicamente isto são três sujeitos que gostam do que fazem, estavam ali [Estúdio 2º Piso, de Mundo Segundo, no Porto] num momento de lazer e que começaram a criar. Quando vimos tínhamos uns quatro ou cinco temas, quando voltei para o Brasil decidimos lançar uma música na internet. Surgiu o Projecto BPM, com c, sem acordo ortográfico”, esclarece o rapper, pela lusofonia, mas crítico em relação ao acordo.

De facto, oiça-se o disco para entender uma premissa que Vinicius nos dá a conhecer e que diz “todas as músicas têm três estrofes”, como que afirmando que aquilo que Sr. Alfaiate faz com os pratos é prosa como os versos dos dois rappers. Tudo é feito ao detalhe, os recortes, os samples são muitos – e bons, diga-se, de Tim Maia a Dealema – e o resultado é a língua portuguesa em estado cuidado e aguçado. “Quando começamos a fazer beats definimos logo o eixo temático, que aqui é o da integração, da amizade. Uma preocupação que houve entre mim e o Mundo na hora de escrever os textos foi não ter gíria calão, ou anglicinismos por forma a não ferir a língua, já Saramago dizia ‘não há uma língua portuguesa, há línguas em português’. É isso que temos que entender“, conta.

O concerto de hoje no Musicbox é o segundo em Portugal – tocaram dia 11 em Ponte de Lima – depois de quatro datas no Brasil, do Rio de Janeiro a São Paulo e sempre com uma reacção ao estilo “isso é muito bacana, como é que ninguém se lembrou disso antes?”, afirma Vinicius Terra entre uma gargalhada. Podemos esperar uma celebração com pinta, daquelas em que as rimas mandam e os braços lá no alto cumprem as ordens, sincronizadas ao milésimo, como o Projecto BPM. “Somos os três perfeccionistas, todos queríamos que daquele estúdio saísse algo relevante. A música tem que ser tão relevante quanto o silêncio, não adianta”. (Não) Façam Barulho.

[Transcrição integral de notícia publicada no jornal “i” de 16.10.14. Destaques nossos.]

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