«Uma bassula ao Acordo Ortográfico» [“Jornal de Angola”, 25.10.12]

De repente, emudeceram as notícias sobre as análises e discussões institucionais à volta do tão polémico Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO), consideradas, mais do ponto de vista político que académico, como da maior importância para a promoção e difusão do Português no Mundo.

O assunto, aparentemente adormecido, parece ter fugido da agenda de prioridades da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), já que o mesmo acabou por não ser retomado na última Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo em Maputo, após os Ministros da Educação da CPLP, em Luanda, por determinação do Conselho de Ministros desta organização internacional, terem concluído, três meses antes, através da Declaração de Luanda, o seguinte:
“A aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 no processo de ensino e aprendizagem revelou a existência de constrangimentos”, pelo que os Ministros da Educação decidiram proceder a um diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 e a “acções conducentes à apresentação de uma proposta de ajustamento do Acordo Ortográfico de 1990, na sequência da apresentação do referido diagnóstico”.

Não havendo qualquer cronograma que estabeleça o início e o término para a realização do diagnóstico e não tendo, posteriormente, o Conselho de Ministros e a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, em Maputo, retomado a questão do Acordo Ortográfico nas suas agendas de trabalho, esta polémica questão deixou de ser prioritária e retira qualquer pressão política sobre os países que não o ratificaram ou, mesmo que o tenham feito, ainda não o tenham posto em prática.

Em 15 de Setembro último, tudo se complicou com a posição da Associação Internacional de Escritores (PEN Internacional), ao aprovar, no seu 78º Congresso anual, realizado este ano em Gyeongju (Coreia do Sul), uma Resolução do Comité de Tradução e Direitos Linguísticos, em que o mesmo expressa preocupações quanto ao Acordo Ortográfico de 1990. Os 87 centros presentes, de um total de 144 em mais de 100 países, consideraram o Acordo Ortográfico “um problema complexo”, manifestaram, segundo o PEN Clube Português, evidente preocupação pela ameaça que o mesmo constitui para a própria Língua Portuguesa e expressaram a sua “incredulidade” ao interrogarem-se “como se teria chegado a tal situação”. Também refere a Resolução aprovada pelo PEN Internacional que “os tradutores que, em princípio, não pretendam seguir o Acordo Ortográfico de 1990, se vêem submetidos às imposições administrativas e comerciais”.

Na apresentação do tema, na Coreia do Sul, a presidente do PEN Clube Português, Teresa Salema, manifestou a “preocupação pela situação com que um número crescente de escritores e tradutores se vê confrontado”, nomeadamente pelo facto de muitos não se identificarem com o Acordo Ortográfico de 1990 ou “de deixarem que os seus textos sejam convertidos para uma ortografia que lhes é alheia ou de não verem as suas obras publicadas”.

O PEN Internacional, organização não governamental de escritores de diferentes géneros literários, poetas, novelistas e também jornalistas e historiadores, foi fundado em Londres em 1921, com o objectivo de promover a liberdade de expressão, difundir o papel da literatura na cultura mundial e incentivar a amizade e a cooperação intelectual entre seus membros a nível planetário. É a mais antiga entidade do mundo, criada em defesa da promoção dos direitos humanos e é, também, a mais antiga associação literária de carácter mundial.

Esta Resolução, aprovada por unanimidade, não deixa de ser preocupante para a CPLP, que se rege por princípios assentes no primado dos direitos humanos e é uma organização institucionalizada em redor de uma forte componente cultural, que é a própria Língua Portuguesa. Se, por um lado, o papel do Acordo Ortográfico, no que respeita à unificação gráfica (de todo impossível) já estava posto em causa, agora acaba por se desmistificar também o papel político e cultural do Acordo, quanto à promoção e difusão internacional do próprio idioma. Ainda segundo a Resolução, “tentar centrar uma língua em prioridades administrativas e/ou comerciais é enfraquecê-la ao atacar a sua complexidade e criatividade inata, a fim de promover métodos burocráticos de natureza pública e privada”.

Acrescenta ainda que “no que toca ao inglês, houve tentativas equivalentes para uma aproximação universal no tempo do Império Britânico. Contudo, a força das regiões anglófonas (situação similar à do português) levou a que tais regras tivessem sido quebradas tanto internacional como nacionalmente”. Lê-se também na mesma Resolução: “duvidamos muitíssimo que essa proposta de estandardização produza outros efeitos além de burocratizar os textos usados nas escolas, separando assim os alunos da real criatividade da Língua Portuguesa, nos planos regional e internacional”.

Estas bassulas não ajudam a promover, nem comunitariamente, nem fora da CPLP, um idioma comum a oito países situados em diferentes comunidades regionais. Em vez da fuga em frente, há, evidentemente, a necessidade de se discutir e analisar de forma mais séria e urgente esta questão, que a todos os falantes e escritores da Língua Portuguesa diz respeito.

[Transcrição integral de artigo publicado no “Jornal de Angola” de 25.10.12. “Links”, destaques a “bold” e sublinhados inseridos por nós. Conhecimento do artigo através da página Facebook “Tradutores Contra o Acordo Ortográfico”.]

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14 comentários

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    • Maria Manuela Lopes Félix Costa on 25 Outubro, 2012 at 19:23
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    QUEM É A CPLP QUE QUER DOMINAR O PORTUGUÊS DE TODOS OS PORTUGUESES SEM LHES PEDIR AUTORIZAÇÃO? EU, CIDADÃ QUE CONTRBUÍ UNS BONS ANOS COM OS MEUS IMPOSTOS (NASCIDA NESTE PAÍS, QUE PENSAVA SER MEU!) NÃO SOUBE NADA DESTE ACORDO, NINGUÉM ME DEU CONHECIMENTO PARA EU ME PODER PRONUNCIAR SOBRE ESTE ASSUNTO TÃO SÉRIO PARA AS NOSSAS VIDAS E NOSSA EXISTÊNCIA, A LÍNGUA-PÁTRIA PORTUGUESA. – É INACEITÁVEL, JÁ CHEGA DE TRAIÇÕES!!!

    • Hugo X. Paiva on 25 Outubro, 2012 at 23:22
    • Responder

    Mais um exemplo do que está para acontecer á nossa língua se esta repugnante calamidade vingar.

    — O ‘live tile’ (tijolos dinâmicos) muda a página inicial de acordo com as mudanças na sua vida — disse Ballmer. —Tudo e todos com quem você se importa estarão lá — completou o executivo, durante o evento.

    25/10/12 – 17:20

    Traduzir “live tiles” para “tijolos dinâmicos” é uma tijolada! Sugestões: “quadros vivos” ou , “vivoquads”, “quadros ativos”, “quadros dinâmicos” ou “dinaquads”, “placa ativas”, etc. etc

    http://oglobo.globo.com/tecnologia/e-melhor-pc-de-todos-os-tempos-diz-steve-ballmer-6525134

  1. Viva Angola!
    200 milhões de espetadores estão a espectar, por um final feliz deste disparate. 🙂

    outubro – escrito 2º o acordo ortográfico.

    • Maria Oliveira on 26 Outubro, 2012 at 9:14
    • Responder

    A palavra “bassula” é lindíssima, deliciosa, e, se bem entendi, é o mesmo que “placagem”, aquela técnica do rugby que atira ao solo o adversário, dando-lhe um encontrão. É mesmo esse tipo de “cilindrarem” que temos de aplicar ao horrendo AO90! Temos de o pôr knocked-out, fora de combate! 😀

    • Maria Oliveira on 26 Outubro, 2012 at 9:18
    • Responder

    Claro que a 3ª palavra da 3ª linha era “cilindragem”, mas os tablets parecem ter, por vezes, uma agenda própria e corrigem cegamente… 😀

    • Jorge Teixeira on 26 Outubro, 2012 at 11:08
    • Responder

    Será que se a ControlInveste for vendida aos angolanos o JN, DN e etc. vão deixar de usar o AO90?

    • Pedro Marques on 26 Outubro, 2012 at 11:29
    • Responder

    Mas Maria Oliveira, as legendas na tv, as traduções, e aliás é quase tudo com o acordo ortográfico, é penoso. Damos um passo e vemos o acordo. Isto é irritante, é desesperante, e revoltante.

    • Acácia on 26 Outubro, 2012 at 13:49
    • Responder

    Dra Teresa Salema, porta-voz de todos os defensores da Língua Portuguesa, bem haja!
    Esta notícia veio fazer renascer a minha esperança de se levar à Praça Pública o Português!

    O avanço do disparate só levará a uma desunião entre todos os Países de expressão portuguesa.
    Já está a acontecer entre Brasil e Portugal. Por falta de conhecimento [Perdão por, neste ponto, me estar a repetir], os portugueses acusam os brasileiros e vice-versa.

    O (ao) assemelhou-se a uma gripe A, estudada (politicamente) com base no discurso do medo, bombardeado por todos os meios de comunicação. O efeito do medo acabou por reduzir a capacidade de reflexão entre o número de vítimas que seria necessário captar. Assim mandavam os números na escala das receitas. Andou este mundo louco, por boa fé nas entidades que devem zelar pela saúde.
    Mas eis que vem do Norte da Europa uma voz que denúncia o crime preparado, ao mesmo tempo que fetos vão morrendo… E, de repente, como se nada tivesse acontecido, o medo da gripe dissipou-se. Não adiantou o nosso Ministério da Saúde (ou da doença) ter gasto verbas incalculáveis a telefonar para casa de todos os utentes a pedir que fossem levar, nem que fosse só uma dose da vacina, quando antes eram necessárias duas. Havia stoques e havia ainda encomendas por receber, claro. Que fazer como aquele contrato?

    Também o (ao) veio, junto da opinião pública como algo que tinha que ser imediatamente consumido, porque seria útil a todos, disfarçado de bons e unânimes pareceres. Eu própria não imaginava nada que não fosse o resultado de um bom estudo, se bem que o repudiasse.
    Porque também nunca colaborei no negócio do medo da gripe A, repudiando o medo que acompanhava o dito projecto, que não olhou a meios para atingir os seus fins.
    Mas se a vacina não me amedrontou, as palavras escritas com erros causam-me enjoo e revolta.

    Quanto ao Jornal de Angola, quero enviar os votos ao Director e à equipa de Redacção para que se mantenham firmes e não alinhem nas pressões dos negócios deste lado do Atlântico!

    Angola e os outros países da Comunidade podem dar uma grande lição de Língua Portuguesa aos políticos portugueses. Basta que todo o negócio realizado tenha como requisito essencial fazer regressar o Português à sua origem.

    Cumprimentos

    • Maria Oliveira on 26 Outubro, 2012 at 17:52
    • Responder

    Olá, Pedro Marques (do comentário 7),

    De facto, é como diz: desespera-se ao ver tantos erros… Agora imagine-me no ensino da Língua-pátria a ver exercícios em livros que pedem às “minhas” crianças que “corrijam” textos belíssimos pois “não respeitam o AO90″… Eles estão devidamente esclarecidos (são 150, este ano só do Básico, 7° e 8°), sabendo sobejamente que eu ABOMINO o “Acordo” e não o respeito! Sempre os ensino e ensinarei ao usufruto das suas plenas capacidades cerebrais, ou seja, entre os “meus” não há carneiradas seguidistas, passe o pleonasmo!
    Imagino, na minha simplicidade de quem nunca viveu em estado de guerra ou entre inimigos, que será como ter o invasor a percorrer as minhas ruas e a obrigar-me a ler e escrever numa língua de gentios, a DELES! Cuspo no AO90 e em todos os Santanas-Cavaco-Barroso-deprimentes-sejam-quais-forem-as-cores-políticas-da-cartilha-que-os-pôs! P’ró Diabo que os carregue, esses vendedores-de-mães!

    • Hugo X. Paiva on 26 Outubro, 2012 at 20:12
    • Responder

    O melhor emprego da nossa energia é recolher assinaturas.Todos os dias em todos os lugares;deve-se estar preparado com impressos, abordar as pessoas onde quer seja,e dar a conhecer.Insisto no ponto:o povo não sabe o que se està a passar,nem sabe que pode alterar o estado das coisas,o povo não sabe que o futuro de Portugal pode ser o que ele quiser,e que a situação geral em que o país se encontra se deve à sua propria inercia.O País tem que começar a exigir a aplicação do DIREITO em toda a sua plena extenção, sem medo das repercuções que daí possam advir.Há que dar a cara.

    Perigosos, não são os poderosos. Perigosos são aqueles que nada têem a perder.
    W.Churchil.

    • Maria José Abranches on 28 Outubro, 2012 at 0:29
    • Responder

    Excelente texto este do “Jornal de Angola”! A atestar que o português euro-afro-asiático está amplamente consolidado e de perfeita saúde. E com aquelas “bassulas” a testemunhar da sua capacidade de acolher a diversidade regional que só o enriquece.
    Este texto mostra também que não foram em vão as iniciativas e posições assumidas pelo PEN Clube Português e pelo PEN Internacional. Porque é o respeito pelo direito dos povos à sua língua que este AO90 viola, o que não se coaduna com a defesa dos direitos humanos apregoada pela CPLP.
    Resta saber por quanto tempo ainda vai o nosso MEC continuar a impor o AO90 nas nossas escolas, visivelmente ao arrepio da lógica mais elementar!…

    • Rui Melancia on 14 Novembro, 2012 at 9:07
    • Responder

    Este acordo é uma vergonha e deve ser urgentemente regeitado
    A lingua portuguesa tem a sua origem em Portugal, com a sua matriz latina e cada região do país ou dos paises da CPLP deve empregá-la conforme o seu povo entender, com os seus regionalismos, a sua história própria.

    • Ivan Mandume on 13 Julho, 2013 at 1:46
    • Responder

    Na minha humilde óptica, AO90 foi oficializado ainda num estado excessivamente embrionário. Consequentemente, possui lacunas escandalosamente visíveis, que devem indiscutivelmente ser submetidos a uma nova análise e a um estudo bem mais coerente.
    Em angola foram lançados recentemente 3 livros que abordam em profundidade o sujeito:
    – “OFICINA DE TRABALHOS SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990”
    – “PARECER SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990”
    – “SÍNTESE DAS SÍNTESES DO PARECER SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990”

    • Ivan Mandume on 13 Julho, 2013 at 1:48
    • Responder

    Acrescento:
    “PARABÉNS JORNAL DE ANGOLA”

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