Acordo Ortográfico /1990” — um documento “analfabético” e “grafemo-fágico”, potenciador da iliteracia cultural e científica…
Qualifico de “analfabético” o texto do novo «Acordo Ortográfico / 1990”, no sentido literal e próprio do termo (do grego: an-alphá-betos, isto é, que não sabe nem «a» nem «b»).
Na verdade, como é possível haver quem defenda um «acordo» que se diz «ortográfico» e que, na regulação e normalização da expressão «grafémica» dos textos escritos, impõe, contra todos os pareceres dos melhores especialistas da Linguística e da Filologia, o critério fono-cêntrico e buco-auditivo da «pronúncia» que, por determinação normativa da liquidatária e assassina Base IV, «devora» letras fundamentais da estrutura morfo-semântica e identitária das matrizes histórico-genealógicas mais profundas do vocabulário mais denso, mais rigoroso e mais expressivo da Língua Portuguesa, que é, importa lembrá-lo, uma língua românica ou neo-latina?…
Só se, paradoxalmente, se estiver a pensar numa espécie de aproximativo retorno à fase da «Pré-história», ou seja, ao tempo em que ainda não tinha sido inventada a «escrita», com a qual se inaugura a fase da «História»!… Nessa altura (ou seja, há cerca de 6. 000 anos [*]…), ainda não se comunicava através de textos alfabético-grafémicos: era o tempo exclusivo do modo oral de comunicar, sem qualquer outro modo que lhe fizesse concorrência…
Que dizer, portanto, de um documento que impõe, como “norma” o seguinte critério: «grafema que não se pronuncia, suprime-se»?!… Como se todas as letrinhas, todos os grafemas que se escrevem tivessem que ser obrigatoriamente pronunciados!…
Vejamos, a propósito, um exemplo bem elucidativo retirado da língua inglesa, que é, hoje, a língua mais mundializada, tanto no modo oral, como no modo escrito de comunicar.
Como se sabe, em inglês, escreve-se «knowledge», «know», «unknown» [un-known], palavras todas elas, “ortografadas”, como se pode ver (como se pode ler), com um «k». Só que este «k» não se pronuncia. Então por que razão será que este «k» se ortografa?… Será que os largos milhões que assim procedem são «analfabetos», são «iletrados»?… Não será, pelo contrário, que pelo menos os mais esclarecidos de entre eles sabem que aquele «k» que se «grafa», que se «escreve», embora não se pronuncie, está lá bem grafado para sinalizar (sublinho: para sinalizar) visualmente que a raiz destes vocábulos («knowledge», «know», «unknown»…) é a mesma e fundamental raiz indo-europeia «gno- / gne- / gn-// kno- / kne- / kn-» (em sânscrito: «jna-»; em russo: «zna-t»…) que está presente em lexemas como «gnosis», «gnose», «gnómico», «agnóstico», «diagnóstico», «prognóstico», «ignorar», «cognoscere» (> «conhecer», por via popular), «cognição», «cognitivo», «ignaro» e em seus outros inúmeros cognatos…
Ora essa raiz, pelo facto de ser raiz, tem o poder morfo-semiogénico de inseminar em a toda aquela família lexical o mesmo e fundamental significado «adeânico» (adjectivo derivado de «adn»…), o significado identitário de «conhecer», que é transversal a todos aqueles vocábulos…
Se assim não é, então por que razão é que este dito «acordo» não suprime o grafema «h» inicial em palavras como «hábito», «homem», «honra», «humanidade», etc…, ou o grafema «u» em palavras como «queda», «queimar», «quente», «tanque», etc., uma vez que estes grafemas não se pronunciam?… Que coerência é esta, que «acordo», ou antes, que «desacordo» é este, que só veio fomentar a «discórdia» e gerar a confusão?!… Pobres das crianças e dos jovens que estão a ser iniciados como cobaias indefesas na aprendizagem deste analfabético e iliterácico novo «acordo», por “ditatorial” decisão de dirigentes políticos irresponsáveis e incompetentes!…
Por que razão, minimamente plausível, se impõe «por decreto» a supressão dos grafemas «c» e «p» nas sequências grafémicas «ct», «pt» e similares situadas no interior de centenas e centenas de vocábulos fundamentais para a promoção da cultura científica e sapiencial e para as terminologias especializadas, imprescindíveis à formulação dos conceitos que estruturam e organizam o conhecimento mais rigoroso, afastando a língua portuguesa das práticas escritas das línguas mais importantes na comunicação e divulgação desse mesmo conhecimento, como é o caso paradigmático da língua inglesa?…
Então a língua portuguesa, uma língua implantada em todos os continentes, não tem o direito de participar nas dinâmicas de divulgação científica e sapiencial, lexical e terminológica da grande inter-comunicação à escala mundial?…
Desempenhando o léxico especializado um papel fundamental nesse processo inter-comunicativo, tem algum cabimento (se se ponderar bem esse crucial e estratégico aspecto…), afastarmo-nos das línguas mais globalizadas, como é o caso do inglês, do espanhol e do francês?…
E quais vão ser as consequências para a didáctica racional e inteligente desse vocabulário, em que a técnica, entre outras, da análise morfémica e etimológica das palavras (raiz, prefixos, sufixos…) continua a ser uma técnica insubstituível, segundo o entendimento dos melhores especialistas na matéria?…
Fernando Paulo Baptista
Nota:
[*] «A História teve início com a Invenção da Escrita. O primeiro capitulo abre-se na Mesopotâmia, no vale do rio Tigre e Eufrates, por volta de 4000 a.C. Os sumérios, primeiro povo da Civilização Mesopotâmia, inventaram a escrita.© (Cf. por exemplo:
http://www.civilizacaoantiga.com/2009/05/invencao-da-escrita.html
http://www.submundos.com/forum/cultura/a-invencao-da-escrita-e-evolucao/
[Transcrição integral de texto da autoria de Fernando Paulo Baptista, publicado neste mesmo “site” em forma de comentário em 03.07.12.]
2 comentários
Mais um bom documento a mostrar o que se passa hoje em dia. Já vi pessoas a escrever contacto como “contato” quando essa palavra se mantêm igual com o novo acordo. É a confusão total. Na televisão já chamam quem a assiste de “telespetadores”. Que confusão total onde todos, mas TODOS cometem erros crassos! Uma vergonha!
Exmº Fernando Baptista:
O meu bem-haja pela clarividência, desassombro e frontalidade do seu texto, um bálsamo para as almas dos verdadeiros Portugueses que não gostam de mudar de apelido (e apelida, no caso da Maria Machadão).
Pena é que estejamos, mais uma vez, a deitar “pérolas aos porcos”, pois a subida adjectivação que usa no seu formidável escrito, peca por omissão no que respeita a essa quadrilha de “Irmãos Metralha” da nossa cultura: esqueceu-se de lhes chamar ignaros, pois que disso não passam.
Parabenteio-o mais uma vez, e peço-lhe que continua a escrever textos destes, que fazem bem ao ânimo das pessoas que têm orgulho na sua herança (irança, para breve) cultural.
Cumpts