Exmos. Srs.
Professores de Português,
Segundo noticiaram os jornais em Dezembro do ano passado, o Governo determinou que no próximo ano lectivo (2011/2012) irá já leccionar-se segundo o Acordo Ortográfico de 1990. Esta deliberação afecta todas as disciplinas mas, naturalmente, são os professores de Português que estarão no centro das atenções.
Considerando que:
O AO90 recolheu pareceres negativos das mais variadas instituições (Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário, Comissão Nacional da Língua Portuguesa, Associação Portuguesa de Linguística, Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, Departamento de Linguística da Fac. de Letras de Lisboa, etc.) e de muitos linguistas credenciados.Considerando ainda que:
O AO90 é, globalmente considerado, com as suas incoerências, e com o aumento das homofonias e homografias, uma norma que serve PIOR a Língua Portuguesa do que a que vigora actualmente.Pergunto-me se não poderão os professores de Português lutar para que se mantenha no programa de ensino, no mínimo, uma referência às duas normas que, no fundo, o Acordo Ortográfico não apaga completamente e continuarão a existir. Esta referência seria integradora e estabeleceria pontes entre culturas, ao contrário do actual acordo, que mutila.
Além disso, e porque o saber não ocupa lugar, daria expressão a uma coisa que já todos fazemos de forma espontânea: aprender que eles dizem esporte e nós dizemos desporto, nós dizemos registo e eles dizem registro.
[…]
Atenciosamente,
Rui Valente
Coimbra
[Esta carta foi enviada pelo autor a diversas entidades relacionadas com os professores.]
4 comentários
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Resposta da Vice-presidente da Associação de Professores de Português… sem comentários!
“Caro Colega
Como deve saber, existe uma obrigatoriedade para a entrada em vigor do novo acordo ortográfico , já no próximo ano letivo.
Assim, e apesar de haver muitos colegas que discordam, ele tem de ser aplicado.
Também me parece que, por vezes, o acordo não é lido com atenção. Na realidade, uma das observações que o colega faz (“Registro/ registo) não está contemplada. A unificação está ligada esssencialmente à acentuação e ao uso do hífen. Tudo o mais se mantem inalterado.
De qualquer forma, se tiver outras dúvidas, não hesite em entrar em contacto com a Associação.
Os melhores cumprimentos
Edviges Antunes ferreira (vice-pres)”
Ao uso de hífen?? Hein? Então as duplas grafias já existiam, as palavras sem ‘c’ que serão pronunciadas de maneira diferente também não são nada de novo, enfim… Como bem disse, sem comentários…
“Por vezes, o acordo não é lido com atenção.” Uma das vezes é a da vice-presidenta Edviges Antunes ferreira [sic]. Casa de ferreira, espeto de pau.
Cumpts.
Contra a subserviência acrítica da actual Direcção da APP:
ACORDO ORTOGRÁFICO:
“ S O S ”
pelas matrizes profundas
da Língua Portuguesa…
pela promoção da “literacia”
cultural e científica…
pelas crianças e pelos jovens
transformados em “cobaias” indefesas…
Essa sinistra “guilhotina” liquidatária das matrizes profundas da Língua Portuguesa,
esfingicamente instalada e escondida na Base IV do actual acordo ortográfico (1990),
deveria constituir a nossa nuclear preocupação pela defesa da «Madre Língua»!…
– 1 –
A desassossegada e fulcral preocupação que o actual acordo ortográfico/1990 não pode deixar de suscitar reside no facto de impor uma «grafia» (repare-se bem: uma «grafia»!…) fono-cêntrica ou orali-cêntrica, assente na volátil e efémera “substância” dos «sons», dos «fonemas» («verba volant»), e não, na “substancialidade” estruturante, consistenciante, estabilizadora e permansiva das «letras», dos «grafemas» («scripta manent») de que, pelo menos desde os gramáticos, retóricos, dialécticos e filólogos clássicos (e.g.: Dionísio de Trácia, Apolónio Díscolo, Marco Terêncio Varrão, Marco Fábio Quintiliano, Valério Probo, Élio Donato, Prisciano Cesariense…), as regulae, as gramáticas, os dicionários e as antologias têm sido a expressão concreta, garantística e profiláctica .
– 2 –
Na verdade, contrariando o princípio enunciado pelo clarividente linguista brasileiro Luiz Carlos Cagliari , segundo o qual, «a grafia tem como objetivo maior permitir a leitura, e não, representar uma pronúncia», “escrever como se pronuncia” (como se fala…) passou a ser o leitmotiv teleológico e condutor deste novo acordo!…
– 3 –
Mas, com um tão mal engendrado e tão contraditório “pacto acordatário”, o que é que afinal se pretende normalizar, regulamentar, uniformizar e estabilizar: é a «pronúncia», ou seja, «o modo oral» de realização da língua, que se concretiza através dos actos de falar e de ouvir, ou é «o modo escrito» de realização dessa mesma língua, que se concretiza através dos actos de escrever e de ler?…
– 4 –
Se é «a pronúncia», há que elaborar, então, um acordo que, com toda a propriedade, deverá passar a chamar-se «acordo ortoépico» ou «acordo ortofónico», e não, «acordo ortográfico»; esse acordo, tomaria como referencial um «padrão fonético-fonológico» o mais alargado possível, com a intervenção elaborativa dos melhores foneticistas e fonologistas da CPLP (e recuperando eventualmente a parte melhor do trabalho a esse nível realizado pela comissão liderada por Gonçalves Viana para o acordo de 1911…), por forma a poder vir a funcionar como uma espécie de «unicode ortofónico» ou de «alfabeto fonético-fonológico universal» para toda a CPLP.
– 5 –
Se, pelo contrário, o que realmente se pretende normalizar, regulamentar, uniformizar e estabilizar são «as práticas escritas» da língua, com especial destaque para o «vocabulário», então, há que pensar num acordo verdadeiramente «ortográfico», num normativo que faça jus ao qualificador que o caracteriza, distingue e identifica, isto é, num outro documento que não só deixe de ser um “monumento” à incongruência epistemológica e à incompetência linguística, filológica e pedagógico-didáctica, mas que também, e acima de tudo, preserve e respeite a essência grafémica da língua escrita e que não guilhotine nem liquide os constituintes “genómicos” ou “adeânicos” das raízes lexicais que integram as bases genealógico-genéticas eruditas, provenientes do latim e do grego, na medida em que são o suporte ou sustentáculo do património lexical mais rigoroso, mais denso e mais expressivo das principais línguas românicas, património esse que também é transversal ao inglês e ao próprio alemão.
– 6 –
Cabe sublinhar que essas bases ou matrizes clássicas eram escrupulosamente respeitadas e preservadas pelo anterior acordo ortográfico de 1945 até aos limites da consensualidade possível que, àquela data, foi exemplarmente construída pelos filólogos e linguistas das duas delegações negociais: a portuguesa e a brasileira…
– 7 –
Deve salientar-se, ainda e a propósito, que este acordo de 1945 (apesar de se afastar, à semelhança, por exemplo, da língua espanhola…, do modelo ortográfico mais rigorosamente etimologista e tradicional dos «ph», dos «th» e dos «y», que esteve em vigor até 1911 e que foi seguido pacificamente, até então, por Portugal e pelo Brasil…), era, efectivamente (dentro dos limites da perfeição possível…), um normativo bem elaborado, obra de prestigiados filólogos e académicos portugueses e brasileiros, de que se destacam dois grandes nomes de referência: Rebelo Gonçalves, do lado de Portugal, e Sá Nunes, do lado do Brasil.
– 8 –
E a questão que, à partida, se coloca é a seguinte: o acordo ortográfico de 1945 (revelador de uma sintonia fundamental com o espanhol e demais línguas românicas…) alguma vez dificultou o processo de alfabetização escolar e de aprendizagem da escrita e da leitura, alguma vez impediu o pluralismo e a polifonia das pronúncias mais diversas em Portugal, no Brasil, em toda a CPLP e na diáspora, alguma vez travou o normal curso da “evolução” da língua portuguesa ou obstaculizou a sua projecção e dignificação no mundo ou o alargamento dos mercados e o respectivo dinamismo negocial, argumentos estes de que se servem os devotos defensores do “pronúncio-cêntrico” actual acordo, de modo acrítico, sofístico e demagógico? …
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Importa, igualmente, interrogarmo-nos quanto às razões que terão impedido a não realização do prometido «debate aprofundado», a não publicação do previsto «Vocabulário ortográfico da língua portuguesa», questionarmo-nos, em suma, sobre o porquê da marginalização, silenciamento ou ostracismo de pareceres e estudos tão importantes, tão consistentes e tão bem fundamentados como são, entre outros, os dos Profs. Óscar Lopes, Maria Helena Mira Mateus, Ivo de Castro, Inês Duarte, António Emiliano, Maria Filomena Gonçalves, etc…, etc…
– 10 –
Do mesmo modo, se afigura pertinente desmascarar a ostentatória postura de quantos citam, como balofo ornamento de uma pretensa cultura poético-literária, o famoso exergo pessoano — «Minha pátria é a língua portuguesa» —, exergo esse, usurado de modo amnésico, se não mesmo ignaro, quando esquecem ou desconhecem que, logo a seguir a essa tão vulgarizada como banalizada fórmula, o seu heterónimo autor textual, Bernardo Soares, inscreveu, nesse mesmo andamento sintáctico, afirmações relacionadas com a expressão escrita da língua portuguesa e com a questão da «ortografia», carregadas de tão fino simbolismo como são as seguintes:
«As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas (…). Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal (…). Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto (…) a página mal escrita (…), a ortografia sem ípsilon (…). Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha» .
– 11 –
Mas estas palavras, não só põem em inquestionável e mais do que justificado relevo o “modo escrito” da língua, mas também estão em clara e flagrante sintonia com a lapidar argumentação que Fernando Pessoa desenvolveu no contexto do seu lúcido e frontal combate contra o acordo ortográfico de 1911, acordo, também ele «pronúncio-cêntrico», que, como sabemos, «liquidou», sem apelo nem agravo, a tradicional grafia etimológica do «ph» de «pharmacia», do «th» de «theatro» e do «y» de «lagryma» , afastando, assim, a grafia do português da grafia do inglês, que era a outra sua predilecta língua de criação poético-literária, com a qual estava estreitamente familiarizado desde a infância:
«… O problema da ortografia é o da palavra escrita, nada tendo essencialmente que ver com a palavra falada (…). A tradição cultural, quanto à palavra escrita, é a tradição etimológica (…). A nossa ortografia, quando, lentamente, se foi fixando, fixou-se numa ortografia etimológica, baseada, é claro, no latim. (…) Como a pronúncia da palavra é só da palavra falada, e se produz por sílabas, a palavra escrita nada tem com a pronúncia dela. (…) A letra e não a sílaba é a «unidade» na palavra escrita».
– 12 –
Mas, ainda no que diz respeito ao acordo ortográfico de 1945, o Brasil, como se sabe, também o subscreveu e ratificou, tendo então sido expressamente reconhecida a sua qualidade técnico-científica e filológica .
– 13 –
Há, porém, um irrasurável dado de facto que não tem sido tido na devida conta e que é o seguinte: o referencial da prática ortográfica em todo o mundo, mesmo com o seu tradicional conservadorismo etimológico, continua a ser, queiramos ou não, a língua escrita inglesa, não só porque é a língua de maior implantação mas também, e sobretudo, porque é a «língua franca» da grande comunicação e divulgação científica e sapiencial à escala planetária: basta pensar no que se passa com a respectiva produção bibliográfica especializada em todo o mundo e com a Internet!…
– 14 –
E face ao argumento de que «as línguas são realidades vivas que evoluem» (argumento invocado, de modo tão trivial quanto acrítico, pelos defensores do actual acordo para o justificarem a qualquer preço…), será que a pervivência dessa “grafia etimológico-tradicional” no inglês, no francês e no alemão tem impedido o normal curso da evolução destas línguas?… Não deveria haver maior rigor intelectual quando se recorre a este tipo de argumentação?…
– 15 –
Depois (e focalizando-nos agora no plano mais estritamente histórico-linguístico…), é ou não é verdade que a língua inglesa, não sendo considerada propriamente uma língua românica ou neo-latina, preserva intactamente as bases genealógico-genéticas greco-latinas, clássico-eruditas, que representam a fonte de mais de 80% das terminologias especializadas?…
– 16 –
O que significa que é o “paradigma” genealógico-genético, filológico-etimológico (que, enquanto filólogo, tento defender com fundamentos e com argumentos de natureza epistemológica, científico-linguística, histórico-filológica e pedagógica, e não com preconceitos de natureza ideológica, subjectivista, sentimental ou meramente opinativa…), o que significa, repito, que é esse “paradigma” aquele que melhor pode garantir não só as duas vias de formação lexical — a via popular e a via erudita —, mas também a proximidade inter-lexical e sémio-discursivo-textual do português com o inglês e com as principais línguas românicas (comparar a Base VI do anterior acordo ortográfico /1945 com a Base IV do actual acordo ortográfico /1990).
– 17 –
Não é por acaso, portanto, que o inglês é, hoje, reconhecidamente, o grande «sucessor» ou «herdeiro» do latim e do grego em todo o mundo, línguas que, apesar de catalogadas de «mortas», continuam a ser a fonte do maior número das raízes lexicais das terminologias científicas e especializadas e a alimentar os processos de «neologia», de «léxico-génese» e, mais especificamente, de «término-poiese», raízes, em suma, que são reconhecidas e consagradas pelas organizações internacionais de legitimação e normalização terminográfica.
– 18 –
Assim sendo, também não é por qualquer capricho de tipo «clubístico» ou de conservadorismo «tradicionalista» ou «anti-evolução», que luto, sobretudo, pela indispensável e urgente reformulação da Base IV do actual AO/1990. E quando digo que os Políticos e Académicos de Portugal e do nosso estimado Brasil deviam repensar tudo isto, não por é menos consideração por eles que o digo. Devo confessar, a propósito, que, além de familiares meus, tenho, em vários dos seus estados, inúmeros amigos que são professores universitários e investigadores, inclusivamente, na área da «Tele-medicina» e da «Tele-saúde», de cujo movimento internacional tenho o privilégio de ser membro honorário…
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A minha preocupação nuclear decorre, portanto, do facto de entender que a Língua Portuguesa, pela sua universalidade e implantação intercontinental, justifica situar-se, cada vez mais, «na linha da frente», entre as principais línguas de comunicação e divulgação científica, tecnológica e sapiencial especializada. Mas, com esta «orto-orali-grafia» ou «orto-pronúncio-grafia», receio bem que alguma vez consiga chegar a conquistar também, como aliás bem merecia, o “estatuto” internacional de «língua franca» da Ciência e do Saber!…
– 20 –
Por isso é que, nessa perspectiva, a questão das terminologias se afigura crucialmente decisiva e não creio que os países de língua inglesa (Inglaterra, EUA, Canadá, Austrália, África do Sul, etc.), onde estão implantadas as melhores universidades do mundo, vão alterar a sua ortografia de raiz e tradição clássica filológico-etimológica para uma ortografia orali-fónica e anti-genealógica.
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Os académicos e universitários e os dirigentes políticos destes países, porque são lúcidos e prudentes, sabem bem que constitui uma «regra de ouro» inalterável e irrevogável (como é próprio da «escrita» científica e sapiencial mais elaborada, mais estruturada, mais consistente e mais responsável) garantir e promover a precisão, o rigor, a segurança, a estabilidade, a mono-referencialidade, a univocidade e a intercomunicabilidade conceptual, lexical e terminológica entre as comunidades científicas de todo o mundo …
– 22 –
Este entendimento traduz uma convergente sintonia com a perspectiva que subjaz aos processos de término-poiese e de término-grafia, tal como ressalta das seguintes e autorizadas palavras de uma das mais prestigiadas especialistas na matéria, María Teresa Cabré :
«Para la terminología, considerada (…) en su proyección como sistema de comunicación entre especialistas, la grafía de las unidades léxicas tiene una importancia capital, ya que los procesos de normalización no actúan sobre la pronunciación de los términos, sino precisamente sobre su forma escrita» .
– 23 –
Entre as principais estratégias de aprendizagem do vocabulário em geral, mas, sobretudo, do vocabulário de maior relevância cognitiva e densidade semântica, situa-se a “análise morfémica” como imprescindível técnica de “decomposição recomposição” e interiorização inteligente e racionalmente ancorada, através da tomada de consciência do significado e do valor dos três fundamentais constituintes da estrutura significante de um lexema: a raiz, os prefixos e os sufixos…
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Ora a raiz das palavras tem em tudo isto uma importância determinante: um só exemplo (em representação dos milhares que, em análoga consonância, poderiam, igualmente, ser aqui convocados…) bastará, a meu ver, para o demonstrar e justificar. Vejamos, então, o que se passa com a palavra ‘espectroscopia’:
– 25 –
Nos textos científicos e técnicos, não é indiferente escrever ‘espectroscopia’ ou ‘espetroscopia’ (a primeira com «c» antes do «t», a segunda sem esse «c»): é que, em inglês (como, aliás, em espanhol, em francês e em alemão), «escreve-se», conservando o «c» da raiz, ou seja, ‘spectroscopy’ (em inglês), ‘espectroscopía’ (em espanhol), ‘spectroscopie’ (em francês), ‘Spektroskopie’ (em alemão). E o mesmo se passa com a escrita dos demais termos da mesma família de ‘espectroscopia’. Se não, vejamos:
Em inglês: specter spectral spectre spectrogram spectrograph spectrographic spectrography spectrometer spectroscope spectroscopic spectroscopical spectroscopy spectrum…
Em espanhol: espectral espectro espectrógrafo espectrograma espectroscópico espectrografico espectrografía espectroscopía espectroscopio…
Em francês: spectre spectroscopie spectrographe spectrographie spectromètre spectrométrie spectroscope spectroscopie…
Em alemão: spektrale Spektrograf Spektrometer Spektroskop Spektroskopie Spektrum…
Em português (pelo anterior acordo de 1945): espectral espectro espectrógrafo espectrograma espectroscópico espectrográfico espectrografia espectroscopia espectroscópio…
Em português (pelo actual acordo de 1990): espetral espetro espetrógrafo espetrograma espetroscópico espetrográfico espetrografia espetroscopia espetroscópio…
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O problema que, agora, se nos coloca, ao nível da intercomunicabilidade lexicológica e da normalização terminográfica, é o seguinte: por que motivo é que se escreve dessa maneira naquelas tão importantes e influenciadoras línguas, conservando a letra «c» antes do «t» (que é, importa sublinhá-lo, um «c» genómico ou adeânico da raiz da palavra), quando o que seria mais lógico, mais natural e mais “simplificador” era suprimir esse grafema que até nem se pronuncia?!… Ter-se-á ortografado assim, por um mero e caprichoso pretexto de «conservadorismo» anti-evolução e/ou de intransigente obstinação «complicativa» e «dificultativa», ou não terá sido, antes, como já atrás ficou sublinhado, em razão de uma sensata, prudencial e estratégica preocupação epistemológica com a precisão, o rigor, a segurança, a estabilidade, a mono-referencialidade, a univocidade e a intercomunicabilidade conceptual, lexical e terminológica entre as comunidades científicas de todo o mundo?…
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A resposta afigura-se óbvia e clara: mantém-se o grafema «c» da raiz, porque, dessa forma, fica bem patente, sem qualquer margem para dúvida ou ambiguidade, o facto de todos estes termos técnico-científicos serem formados por um comum e isogénico constituinte de base (oriundo do indo-europeu) — «spek- [> spik- ] / spok (> por metátese: skep- / skop-») —, mediatizado pelo latim e pelo grego, ou seja, a raiz latina «spec- / spic- » e a sua cognata grega «scep-/ scop-» .
a) A primeira destas duas variantes radiciais — spec-— está presente no verbo latino «specio, -is, -ere, spexi, spectum», que é um vocábulo morfo-semanticamente relacionado com largas dezenas de outros vocábulos portugueses (uns de uso corrente e vulgar; outros, de uso especializado e erudito) pertencentes à mesma família lexical (arúspice aruspicina aruspício aspecto aspectual áuspice auspiciar auspício auspicioso circunspecção circunspecto conspecto conspícuo despeita despeitar despeito despiciência despiciendo despiciente especial especialidade especiaria espécie especificar específico espécime especiosidade especioso espectacular espectáculo espectador espectante espectar espectral espectro espectoscópio especulação especulador especular especulativo espéculo espelho espia espião espiar expectante expectar expectativa expectatório frontispício inspeccionar inspecção inspector insuspeição insuspeito introspecção introspectivo intuspecção perspectiva perspectivar perspectivismo perspicácia perspicaz perspicuidade perspícuo prospecção prospectar prospectivo prospecto prospector respectivo respeitar respeito respeitoso réspice retrospecção retrospectivo retrospector suspeição suspeito suspicácia suspicaz…), sendo que todos estes vocábulos (que ultrapassam a centena…) são portadores do significado “adeânico” fundacional e transversal a todos eles, de «olhar atentamente para, observar bem…».
b) A segunda variante (a raiz grega scep- / scop-, formada por metátese interconsonântica [sp > sc] a partir da supra-referida raiz indo-europeia) está presente em lexemas gregos como episcopéo, epíscopos, sceptikós, scéptomai, skopéo, scopê, scopiá, scopós e é igualmente portadora do significado fundamental de «olhar atentamente para, observar bem…».
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Foi a partir do seu isogénico enraizamento genético-genealógico nessa ancestral matriz morfo-semântica que o termo ‘espectroscopia’ (em inglês: ‘spectroscopy’) foi criado para designar, caracterizar, tipificar e definir, com o indispensável rigor conceptual, «o estudo científico, técnico e tecnológico baseado na observação atenta, pormenorizada e rigorosa das interacções entre a radiação electromagnética e a matéria constituinte de uma dada amostra submetida a análise espectral; estudo que se desenvolve através de um processo operatório, potenciado por específicos e sofisticados recursos técnico-tecnológicos que permitem detectar e observar, com cuidadosa e minudente exigência, os fenómenos de oscilação dos campos magnéticos e eléctricos, de absorção ou emissão de energia radiante, a variação de densidade espectral, etc., foto-cromaticamente gravados ou registados nos espectogramas» ; é este tipo de estudo que está na origem de métodos e técnicas de diagnóstico como a «ressonância magnética».
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Repare-se que, em inglês (como aliás também nas outras línguas europeias mencionadas…), são três os “termos-conceito” que ressaltam imediatamente e de forma óbvia e clara, por estarem intimamente relacionados entre si e apresentarem a mesma grafia genético-etimológica clássica (greco-latina) e a mesma estruturante raiz genómica «spec-»: «spectrum», «spectroscope», «spectroscopy» (em português, pelo acordo de 1945: espectro, espectroscópio, espectroscopia)…
– 30 –
Se quisermos consolidar essa base morfo-semântica comum a estes três termos, podemos recorrer à listagem das dezenas de vocábulos acima inventariados (ver, supra, 27 a)) e organizá-los, de modo radicado, reticulado e constelado ou, também, em pódio e em pirâmide. Desse modo, a didáctica do vocabulário (léxico-didáctica) promove, reforçadamente, uma aprendizagem das formas significantes e dos respectivos conteúdos eidético-conceptuais e noemático-semiósicos fundamentais que estão em causa nas terminologias especializadas e no léxico em geral, mas promove-a, de modo inteligente e racional, e não apenas através da simples memorização desprovida de qualquer esteio de racionalidade iluminante…
– 31 –
Se este tipo de exercício for feito, gradualisticamente (step by step), ao longo de toda a escolaridade (desde o ensino básico até ao ensino universitário inclusive…), acabaremos por compreender e reconhecer melhor (nomeadamente com o inestimável contributo reflexivo do grande linguista M.A.K. Halliday …) o seguinte:
i) «foi a linguagem científica que construiu para nós o vasto edifício teorético do conhecimento moderno» («scientific language has construed for us the vast theoretical edifice of modern knowledge» [Halliday: 2004, 182]);
ii) «a linguagem da ciência é, por sua natureza, uma linguagem na qual as teorias são construídas; as suas características especiais são exactamente aquelas que tornam possível o discurso teorético» («the language of science is, by its nature, a language in which theories are constructed; its special features are exactly those which make theoretical discourse possible» [Halliday: 2004, 207]);
iii) «o discurso científico é uma forma da mais alta energia semiótica» («scientific discourse is a very high-energy form» [Halliday: 2004, 182]) proporcionada pelo sistema linguístico;
iv) «a energia semiótica do sistema linguístico irrompe da léxico-gramática» («the semiotic energy of the system comes from the lexicogrammar» [Halliday: 2004, 54]) e, portanto, «todo o discurso é, por assim dizer, potenciado pela energia léxico-gramatical» («all discourse is powered by grammatical energy, so to speak» [Halliday: 2004, 182]);
v) é na léxico-gramática (e mais focadamente no léxico…) que reside «o coração da linguagem» («the heart of language» [Halliday: 2003, 194]) e «a fonte da sua energia semiótica» («the source of its semiotic energy» [Halliday: 2003, 276]), constituindo, assim, «a casa do poder semiogénico de uma língua» («the semogenic powerhouse of a language» [Halliday: 2003, 248]), poder que transforma o léxico no “centro nevrálgico” da construção de todas as significações e de todos os sentidos, numa palavra, de todo o conhecimento, uma vez que é ele o insubstituível codificador, ordenador, sistematizador e informante noético-noemático e semiósico e, assim, o imprescindível sustentáculo operatório da acção verbo-comunicativa interpretante e expressante …
vi) «criar um termo técnico é, em si mesmo, um processo gramatical» («creating a technical term is itself a gramatical process» [Halliday: 2004, 207]);
vii) para existir enquanto termo, uma forma linguística (uma unidade lexical) tem que designar um conceito integradamente incluído num específico e bem demarcado “domínio de pertença” noético-gnosiológico e sistémico-conceptual (científico, sapiencial, cultural… e.g.: matemática, física, astronomia, geologia, botânica, biologia, zoologia, medicina, direito, filosofia, economia, linguística, engenharias, metalurgia…) e determinado por uma definição (cf. Bessé ): 2000, 182-184);
viii) «os termos técnicos são uma parte essencial da linguagem científica; sem eles, seria impossível criar um discurso do conhecimento organizado» («tecnical terms are an essential part of scientific language; it would be impossible to create a discourse of organized knowledge without them» [Halliday: 2004, 201]);
ix) «os problemas com a terminologia técnica surgem, por via de regra, não propriamente dos termos técnicos em si, mas das complexas relações que eles mantêm uns com os outros» («the problems with technical terminology usually arise not from the technical terms themselves, but from the complex relationships they have with one another» [Halliday: 2004, 162]);
x) «os termos técnicos não podem ser definidos isoladamente» («technical terms cannot be defined in isolation»), uma vez que «cada um deles é para ser entendido como parte integrante de um quadro de referência mais vasto, sendo, assim, definido em referência a todos os outros» («each one is to be understood as part of a larger framework, and each one is defined by reference to all the others» [Halliday: 2004, 162]);
xi) «ser alfabetizado em ciência significa ser capaz de compreender a linguagem técnica que está a ser usada» («to be literate in science means to be able to understand the technical language that is used» [Halliday and Martin: 1993, 168]), capacidade que não pode deixar de ser desenvolvida, de modo articulado e integrado, no quadro estratégico e programático dos objectivos educacionais e formativos de um “projecto de cidadania” que perspective a literacia humanístico-cultural, artística, científica e tecnológica como “a pedra angular” potenciadora de uma intervenção consciente e responsável na transformação qualitativa da vida em comunidade ;
xii) «uma compreensão das raízes das palavras (…) ajuda-nos a todos a dominar quer os termos científicos quer os não-científicos e a tornarmo-nos mais proficientes no uso da linguagem» («an understanding of the roots (…) helps us all master both scientific and nonscientific terms and become more proficient in the use of language»… [Herr: 2008, 3-4 ]);
xiii) finalmente, «aprender ciência é, no fundo, aprender a linguagem científica» [«learning science is the same thing as learning the langage of science», [Halliday, 2004, 138]), pelo que tem pleno cabimento evocar aqui o sugestivo título que a famosa especialista em «Linguagem Científica» — Bertha María Gutiérrez Rodilla —, Professora Catedrática da Faculdade de Medicina da Universidade de Salamanca, escolheu para nomear a sua substanciosa e alumiante obra «La ciencia empieza en la palabra» .
– 32 –
Mas a aprendizagem da linguagem científica conhecerá outra consistência, outra coerência, outra segurança e outra fecundidade, se tiver como orientação e como suporte estratégico-metodológico aquilo que, convergentemente, nos é proposto pelos melhores especialistas em didáctica das línguas e, mais especificamente, em léxico-didáctica: o domínio seguro dos constituintes ou elementos genómicos de todo e qualquer lexema ou termo — a raiz, os prefixos e os sufixos — e a sua articulação transversal, em rede e em constelação, com os lexemas da mesma família morfo-semântica e genética (genealogia da língua…).
***
Depois de tudo isto, poderá ainda parecer aos defensores do “simplismo” e do “facilitismo” pronúncio-cêntrico que a supressão de um “mero grafema” integrado nas sequências «ct» e «pt» (entre outras) da esfíngica Base IV do actual acordo ortográfico (1990) é «uma questão irrelevante e sem importância» que mais parece uma caprichosa implicância (“caturrice”, “embirração”…) do filólogo do que uma muito séria preocupação, por um lado, com uma léxico-didáctica inteligente, coerente, radicada e teorética e metodologicamente sustentada e, pelo outro, com o rigor próprio da conceptualização do conhecimento científico e com a harmonização e sintonização noético-terminológica de todo o ordenamento sapiencial…
Pois bem, pensemos seriamente na situação-conjectura de uma receita médica ou de um relatório clínico (e poderia, igualmente, tratar-se de um acórdão jurídico ou de um projecto de engenharia…) em que apareçam termos técnico-científicos de especialidade médico-farmacológica ortografados segundo a orientação anti-filológica, anti-etimológica e anti-genealógica, consagrada na liquidatária Base IV do atabalhoado, incongruente, desestabilizador e caotizante novo acordo ortográfico!…
Pode acontecer que, em consequência dessa confusionista e “esquizofrénica desarmonia” de origem ortográfica, um medicamento criteriosamente pensado e seleccionado na esperançosa expectativa de curar o doente, ao ser prescrito e formalizado naquela receita médica, em cumprimento da turbulenta e babélica “dis-ortografia” agora em vigor, se venha a transformar, através da leitura e da interpretação farmacêutica, numa fatídica “cicuta de morte”…
E porque a complexidade ou a lacunaridade dos contextos, por um lado, e o ritmo urgentivo das situações emergenciárias, pelo outro, não são facilmente controláveis ou domináveis, pode muito bem acontecer que um relatório clínico, por causa das confusões ou contaminações terminológicas motivadas por semelhanças homofónicas ou parafónicas do tipo “recepção / receção” (em Teoria da Comunicação: «a recepção da mensagem foi perfeita»), “recessão” (em Economia: «a situação de recessão na Europa mantém-se»), “ressecção / resseção” (em Medicina Cirúrgica: «foi bem conseguida a ressecção do tumor»), venha a induzir terapias gravemente distorcidas, com as inerentes consequências, eventualmente fatais…
É assim que não posso deixar de partilhar memorialmente com todos a “lição” que me foi dado aprender em torno do famosíssimo “efeito borboleta” dos paradigmas meteorológicos, através da sugestiva, esclarecedora e formativa “parábola/alegoria” que plasma, figurativamente, a «dependência sensível das condições iniciais» que, como se sabe, é a designação técnico-científica daquele «efeito» metaforicamente identificado e universalizado pelo cinetismo etológico-alar de tão grácil e alucinado insecto:
«Por um prego, perdeu-se a ferradura;
Por uma ferradura, perdeu-se o cavalo;
Por um cavalo, perdeu-se o cavaleiro;
Por um cavaleiro, perdeu-se a batalha;
Por uma batalha, perdeu-se o reino!»
Só que o «reino» que, nesta fábula (ao mesmo tempo tão simples e tão eloquente…), em crescente gradação se foi perdendo, pode muito bem ser o intransferível, incomparável e maravilhoso reino da nossa própria VIDA!…
EM CONCLUSÃO:
O actual acordo ortográfico, além dos graves erros e incongruências de natureza científica de que enferma, vai implicar, no processo da sua generalizada entrada em vigor, um ainda não calculado nem quantificado impacto financeiro, consubstanciável nos avultadíssimos investimentos que, num planeamento e numa gestão de recursos responsável e prudente (providente…), não deveriam deixar de se conjecturar e ponderar, desde já, sobretudo em tempos de tanta austeridade: desde a reescrita e informatização do enorme legado bibliográfico e do vasto acervo documental e arquivístico, até às novas edições e à formação de professores e demais quadros técnicos em todas as áreas da vida social e comunitária: Sistema Educativo, Comunicação Social, Justiça, Saúde e por aí fora… Importa ter bem presente que a comunicação verbal, com especialíssimo destaque para a comunicação escrita (esta, pelo seu reconhecido e inquestionável poder estruturomorfo e organogénico…) é ubíqua, mexendo com tudo e com todos…
Mas esse investimento ainda se justificaria, se dele adviesse qualquer espécie de vantagem ou benefício não só para o progresso da Educação, da Cultura e da Ciência e, assim, para o desenvolvimento da Cidadania, mas também da intercomunicabilidade luso-poligráfica (mais do que luso(poli)fónica… e muito mais ainda do que luso-brasileira!…), mesmo à custa da tensão conflitual e das clivagens divisionistas que tão preocupantemente já se fazem sentir, contrariando inequivocamente, portanto, o alegado objectivo acordatário de uma convergente «unificação» no espaço da CPLP… Mas, infelizmente, nada disso está a acontecer…
Na verdade, afora o evidente favorecimento de interesses económicos circunscritos a um ou outro poderoso e influente grupo editorial luso-brasileiro, afiguram-se muito mais graves do que tudo isso as consequências pedagógico-didácticas e cognitivas decorrentes da gravíssima “mutilação”, pela recorrentemente por mim citada Base IV, das matrizes clássicas greco-latinas que sustentam a formação de mais de 80% do vocabulário especializado e erudito, directamente envolvido nos processos de ensino/aprendizagem e no estudo da Ciência, da Técnica, da Tecnologia, das Humanidades e demais áreas sapienciais, tal como é reconhecido pela generalidade dos especialistas em Terminologia e Terminografia?…
Pensando em apenas mais um clarificador exemplo, cabe questionarmo-nos com toda a frontalidade quanto ao seguinte: como é que um professor de Português ou um professor de Matemática vão promover articuladamente a aprendizagem de vocábulos da mesma família (bissectriz, secante, co-secante, secção, sector, dissecar, dissecção, dissectivo, dissector, intersectar, ressectoscópio, etc., etc…), se é suprimido um elemento fundamental do «genoma» ou «adn» morfo-semântico — neste caso, a letra c da raiz sec —, grafema que é comum a todas estas palavras?…
Se, tal como prescreve a Base IV do acordo, suprimirmos a letra «c» que vem grafada antes da letra «t» na palavra «bissectriz» (de modo a ficar escrito bissetriz sem c…), com base no argumento “oralista” de que esta letra não se pronuncia, como é que se vai explicar aos alunos que este vocábulo tem a mesmíssima raiz morfo-sémio-genética — sec- — que está presente em secante, em sector ou em intersectar, vocábulos estes cujo significado conceptual assenta na ideia de «cortar»?… Ou seja, que a bissectriz [bi + sectriz] é a linha que “corta” em duas partes iguais, que dissecar [< dis + secare] é o acto de “cortar” em pedaços, para se poder distinguir claramente, etc., etc.?…
Será que os alunos vão ter que limitar-se a decorar, cegamente e desenraizadamnete, o significado destas palavras?… Será que não lhes assiste o direito a uma aprendizagem inteligente, racionalmente sustentada, a partir da raiz respectiva, com a combinatória dos prefixos e dos sufixos, na base de que as palavras que integram esta família lexical são portadoras do mesmo “adn” morfo-semântico, portador da mesma informação “genética” de “cortar”, comum a todas elas?…
Depois, quando verificamos que nos países mais desenvolvidos a nível educacional, cultural, sapiencial, científico, tecnológico e académico em geral e universitário em particular, como paradigmaticamente acontece com os EUA, se aposta cada vez mais na produção, entre outros, de bons dicionários etimológicos, de bem organizados «thesauri» semântico-temáticos e de modelares manuais propedêuticos ao estudo das Ciências (vejam-se, por exemplo, Norman Herr: The Sourcebook for Teaching Science, San Francisco / California / USA, Jossey – Bass, 2008; Timothy Rasinski, Nancy Padak, Rick M. Newton, Evangeline Newton: Greek & Latin Roots: Keys to Building Vocabulary , Huntington Beach (CA /USA), Corinne Burton, Shell Education, 2008), nós, por cá, aceitamos e permitimos pacificamente que as nossas crianças e os nossos jovens indefesos sejam submetidos à autêntica “ditadura” anti-genealógica, anti-genética, anti-filológica e anti-etimológica de um “normativo simplista” destinado à alfabetização elementar que foi utilizado no Brasil, ao longo do séc. XX, não para promover a “literacia” científica, cultural e sapiencial — que é o grande desígnio educativo e formativo à escala mundial para o século XXI —, mas para orientar e dinamizar as “campanhas de alfabetização” da multidão multiétnica dos seus milhões de adultos analfabetos…
Esta base IV afasta, a partir da raiz das palavras, a ortografia da língua portuguesa da ortografia das principais línguas de comunicação científica — inglês, francês, espanhol, alemão… — que respeitam, na sua escrita, as matrizes clássicas do vocabulário.
O actual acordo ortográfico, ao confundir “sons” com “letras”, “fonemas” com “grafemas” e ao impor objectivamente a ditadura da “pronúncia” sobre a “escrita”, potencia, no espaço nobre da sala de aulas, o desenvolvimento do «blá-blá-blá» de uma oralidade improdutiva e estupidificante do ponto de vista pedagógico, didáctico e gnosiológico, porquanto centra em meras actividades de leitura parafrásica, direccionada, quando muito, para a linearidade sincrónico-horizontal dos nexos sintáctico-lexicais das estruturas de superfície, subalternizando o estudo “arqueológico”, filológico-etimológico e genético-genealógico no quadro das complexas interacções «sistema processo», «sintagma paradigma» e «texto contexto(s)».
Desse modo, fica gravemente comprometida, com as consequências sófico-epistémicas de toda a ordem, a hermenêutica dos fluxos semiósicos que irrompem, entre catábase e anábase, da fundura diacrónico-vertical e infra-estruturante do léxico mais denso, mais rigoroso e mais expressivo, inseminado e disseminado na textura erudita dos textos escritos em que se tem vindo a modelizar, a plasmar e a configurar semiósico-dircursivamente, pelas mãos da genialidade criadora dos nossos Escritores, Pensadores, Académicos, Cientistas e Investigadores, o Legado Perene da Grande Cultura Poético-Literária, Sapiencial e Científica, referência irrasurável da nossa identidade de Povo e de País, singularmente simbolizada na obra imorredoira da figura tutelar de Luís de Camões, obra escrita naquela língua que, «com pouca corrupção, (…) é a latina»!…