Momentos na Feira do Livro do Porto

Por estes dias, a recolher assinaturas na Feira do Livro do Porto (à entrada, visto que a CMP nos proibiu dentro do recinto), ouvem-se comentários muito interessantes das várias pessoas que participam com a sua assinatura nesta verdadeira causa nacional; todos esses compatriotas demonstram não só uma imensa aversão a este (des)acordo como também que vão estando a par dos verdadeiros motivos para a imposição arbitrária e prepotente do AO90.

Para além de inúmeras felicitações e votos de parabéns (“ainda bem que alguém se lembrou de fazer este trabalho“), descobrem que ainda é possível lutar contra aquela “coisa”.
É com grande satisfação que observo jovens que se dirigem a nós abrindo um enorme sorriso enquanto exclamam, contentes:”Ah! Eu nem sabia que era possível lutar contra o AO!

Só por isto já teria valido a pena organizar mais uma recolha de assinaturas num evento público.

Mas ouvimos coisas ainda mais espantosas. Por exemplo os vários comentários magoados de quem diz que “isto foi tudo um negócio para as editoras ganharem muito dinheiro“mas logo a seguir perguntam, com uma pontinha de esperança: “acha que ainda é possível voltar ao que existia antes?

Sim, é possível. E sim, esta luta vale a pena. Quando vemos, para ilustrar com outro exemplo, em plena época de campanha eleitoral para as eleições legislativas, um punhado de militantes de um Partido qualquer se afasta por momentos da sua caravana e vêm à  nossa mesa assinar a ILC, dizendo: “nós somos [socialistas mas também estamos contra o AO“.

E também o espanto de quem pergunta: “Como é que aquele senhor que está à frente do Ministério de Negócios Estrangeiros apoia isto? Ainda se fosse um economista que não percebe nada de cultura, agora um senhor que é professor de Filosofia, um homem inteligente,com tanta cultura, não percebo como se dispõe a apoiar este disparate.

Tudo isto intercalado por comentários vários, uns mais imaginativos do que outros mas todos afinando pelo mesmo diapasão: “Muito bem, vou assinar para voltarmos a ser portugueses.“; ou “Não temos nada que escrever em brasileiro“; ou ainda “Vamos manter a nossa soberania“; e também “Se for para deixarmos de escrever em brasileiro, assino já! Estamos a adoptar a escrita brasileira e a anular a escrita portuguesa” A merecer destaque especial, o comentário de uma senhora que disse: “Era o que faltava! Depois da língua, qualquer dia ainda começam a mudar a História e a dizer que foi o Brasil que descobriu Portugal e que o D. Pedro se veio exilar em Portugal “.

O mesmo acontece em relação aos cidadãos brasileiros que visitam a Feira do Livro do Porto e vêem com espanto que existe aqui em Portugal quem lute contra o AO90 (ou contra a Reforma Ortográfica, como é conhecida lá). Na sua grande maioria mostram-se solidários com a nossa luta e dizem que “aquilo” não era necessário no Brasil. Alguns avançam firmemente na nossa direcção e dizem que também querem assinar. Lá temos que lhes explicar que só os cidadãos portugueses é que podem subscrever a ILC e eles ficam muito tristes pois são profundamente contra o “acordo” e não lhe acham nenhuma utilidade nem sentido.

Uma senhora brasileira que disse ser professora de Português disse que o AO não faz qualquer sentido e só vinga porque há interesses económicos por trás da sua aprovação. “Acho muito bem que lutem pelo que é vosso. Portugal e o Brasil são dois países independentes, seguiram caminhos diferentes. O que dizem aqui em Portugal sobre o ensino da Língua Portuguesa no Brasil é uma grande mentira. Nós não podemos ensinar o Português como se ensina aqui em Portugal ou como se ensina para as elites do Brasil. Eu dou aulas a alunos muito pobres, daqueles que catam lixo durante o dia e à noite vão ter aulas de Português e para que eles aprendam alguma coisa nós não podemos usar os mesmos métodos que vocês usam aqui. Muita gente nunca frequentou a escola; o Português no Brasil aprende-se na rua muitas vezes misturado com outros dialectos ou formas de falar. O AO não resolve problema nenhum.

Outro exemplo curioso: um senhor que se aproximou para assinar e acabou por dizer o seguinte “Olhe, sabe como é que isto foi feito? Alguns políticos que culturalmente eram uma nódoa,encarregaram outros políticos mais abaixo, sabe, daqueles que reprovaram a português mas foram sempre estudando e lá acabaram por tirar um curso, de arranjarem alguma coisa para mostrar serviço. E eles reuniram-se por aí, à volta de umas cervejas e de umas picanhas e chegaram a esta asneira. Sabe, é assim que estas coisas se decidem, à volta de uma boa picanha ou de uma boa cabidela“.

Como sempre tem sucedido com as nossas acções de rua, julgando eu já não ser preciso fazer novamente este aviso: a confusão entre peticão e ILC (Iniciativa Legislativa de Cidadãos) ainda é constante. Várias pessoas ficam confusas quando vêem a nossa “banca” e dizem que já subscreveram várias petições e perguntam se estamos a organizar mais uma petição; “eu já assinei tanta coisa contra o AO90 que fico confuso”;”eu já assinei qualquer coisa  contra o AO90 mas não me recordo do quê“;”ah! vou já assinar” mais/outra/esta petição!.

Este tipo de confusão tem sido constante e e lá temos que explicar várias vezes a diferença entre uma petição e uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos e o que uma e outra implicam.

Agora, na Feira do Livro do Porto, houve o caso muito estranho de uma senhora que se aproximou da mesa mas não sabia se já tinha assinado, pois “há muitos anos organizaram-se recolhas de assinaturas em vários sítios, olhe no Instituto de Recursos Educativos, por exemplo e em várias escolas secundárias daqui do Porto e eu assinei e lembro-me que muita gente também assinou, houve muita adesão e penso que foram vocês que organizaram e eu lembro-me que nessa altura também assinei“.

Perante o meu espanto, a senhora, que disse ser professora, garantiu-me, com muita segurança, que se realizaram, sim, essas várias sessões de recolha de assinaturas e que não foram para nenhuma petição mas sim para a ILC-AO. Disse-lhe que ninguém pertencente à ILC-AO teve conhecimento de tais acções de recolha, na área do Grande Porto, e a senhora ficou, também ela, muito intrigada. Disse que ia consultar o site da ILC mas tornou a garantir-me que essas recolhas de subscrições aconteceram mesmo.

Qual o número real de assinaturas recolhidas em tais acções de rua, quem as organizou (e com que direito), quem participou nelas (em nome da ILC-AO!) e para onde realmente foram enviadas — se é que foram enviadas para algum sítio — é um mistério que ainda hoje, tantos anos depois, continua por explicar.

Este episódio das assinaturas sonegadas foi uma péssima surpresa mas ainda nos estava reservada uma outra, mil vezes menor, em relevância, mas igualmente aborrecida enquanto mera coincidência.

Durante o último fim-de-semana aconteceu chegarmos como habitualmente à entrada do Palácio de Cristal para instalar o nosso posto. Habitualmente ficamos de um lado da entrada mas desta vez não o pudemos fazer porque estavam lá motas estacionadas e então tivemos de ir para o lado oposto. Junto aos bancos que ali estão, tudo aquilo era um mar de, todas lado a lado, “em espinha”. No Sábado, quando chegámos estava lá uma bicicleta na diagonal a ocupar todo o espaço junto ao banco, mesmo em cheio no sitio onde habitualmente coloco os cartazes e a mesa; essa bicicleta estava “reforçada” por uma mota grande, daquelas de estilo clássico. Também ela na diagonal. Depois a mota saiu mas a bicicleta lá ficou todo o santo dia. No Domingo, estavam várias scooters estacionadas nesse mesmo espaço e uma ou duas na diagonal, ocupando o máximo de espaço possível.

Ou seja, ao que parece, naquele exacto local o Código da Estrada não se aplica, os veículos de duas rodas podem estacionar livremente… em cima do passeio! Para os responsáveis da Câmara Municipal do Porto e para a organização da Feira do Livro, a ILC-AO não pode recolher assinaturas dentro do recinto mas o facto de o passeio público, em toda a entrada do recinto, estar atravancada de motas, motorizadas e bicicletas, bem, esse é o lado para que os ditos responsáveis dormem melhor. Para a Polícia Municipal,  tão pressurosa no cumprimento de “ordens superiores”, obrigando-nos, na edição de 2018, a desmontar a nossa “banca” de recolha de assinaturas, haver dezenas de viaturas estacionadas em cima do passeio é uma coisa de somenos ou, se calhar, não vale mesmo nada — nem um só agente (da PM ou da PSP) apareceu por aquelas bandas.

Tentemos ser optimistas, no entanto, e vejamos as coisas pelo lado bom: apesar de tudo, mesmo sucedendo-se estes incidentes curiosos, a verdade é que os cidadãos portugueses, contra a violência do “acordo”, os abusos de poder dos “acordistas” e a prepotência do “acordismo”,  continuam a dar conta do recado: nesta luta ninguém se deixa intimidar, ninguém se sujeita à ditadura do ridículo, ninguém desiste da Língua Portuguesa.

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