Temos boas e más notícias…

Assembleia da República, 10 de Julho de 2017

10 de Julho de 2017, 10 horas da manhã. A Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico regressou à Assembleia da República, desta vez para um encontro com o Dr. Jorge Lacão, Vice-Presidente da AR e coordenador do Grupo de Trabalho para o Parlamento Digital.

Em causa estavam questões com que esta iniciativa cívica tem vindo a debater-se desde a publicação da Lei Orgânica 1/2016, que redefiniu a Lei 17/2003, alterando as regras e requisitos para o exercício desta forma de cidadania.

Recordamos que, em Agosto do ano passado, a Lei Orgânica 1/2016 revogou a necessidade do número de eleitor para a subscrição de uma ILC e abriu a possibilidade de a recolha de assinaturas poder ser feita “em linha”, através de uma “plataforma” electrónica criada e gerida pelos serviços parlamentares. A recolha de subscrições por via digital, como se imagina, só pecou por tardia e foi recebida de braços abertos. Já a fórmula encontrada para a sua implementação foi de imediato contestada pela ILC-AO. Desde logo porque a redacção da Lei Orgânica 1/2016 apontava para uma recolha de assinaturas que teria lugar, em exclusivo, num portal a criar para o efeito na própria Assembleia da República, ou seja, o destinatário passaria a ser também o depositário e o gestor das Iniciativas Legislativas de Cidadãos, limitando-se os subscritores a “ir lá” assinar e os respectivos promotores a “perguntar” pelo processo.

Mas não era esta a nossa única objecção: também o método de validação proposto, em que se fazia depender o reconhecimento da subscrição de uma ILC de um (enorme) “pormenor” técnico: o certificado electrónico do Cartão de Cidadão. Como é do domínio público, o referido portal ainda não foi criado e o acesso ao Certificado Digital contido no Cartão de Cidadão implica a utilização de um terminal físico (um leitor de cartões externo ligado ao computador), coisa que praticamente ninguém tem.

Deste modo, e em “dose dupla”, sendo aparentemente facilitadora, a Lei Orgânica 1/2016 introduzia novos e graves constrangimentos no processo.

Neste contexto, não podemos deixar de saudar duas das notícias recebidas na reunião de anteontem, em que vimos atendida essa parte das nossas objecções. Com efeito, comunicou-nos o Dr. Jorge Lacão que o Grupo de Trabalho fez já aprovar uma nova redacção da Lei 17/2003, contemplando essas duas nossas questões. Assim, através do Projecto de Lei 527/XIII, aguarda-se a publicação no Diário da República da nova redacção da Lei 17/2003. Trata-se da terceira alteração a esta Lei, a segunda no espaço de menos de um ano. Com as novas disposições, desaparece a necessidade do recurso ao Certificado Digital inserido no Cartão de Cidadão — a validação das assinaturas passará a ser feita pela validação do endereço de e-mail utilizado pelo cidadão para efectuar a subscrição. Desaparece, também, a perspectiva de o Portal de Subscrição ser um exclusivo da Assembleia da República. Conforme nos explicou o Dr. Jorge Lacão, compete à Assembleia da República assegurar essa possibilidade, para quem assim o entender, mas o Parlamento não irá limitar o uso de outros portais, sejam eles criados pelos promotores das ILC ou outros. A nosso ver, este novo entendimento faz todo o sentido. Uma ILC deve poder controlar de princípio a fim a recolha, o tratamento e a validação a priori das suas subscrições, desde que satisfaça os critérios exigidos — técnicos e éticos — de rigor, confidencialidade e lisura de processos, nos termos da lei. O cenário anterior, em que os promotores de uma ILC teriam forçosamente de depender dos serviços, do pessoal e dos procedimentos da AR — o local onde as ILC são entregues e votadas — para saber do andamento da sua própria Iniciativa parecia-nos, no mínimo, estranho.

Em rigor, o que significa isto? Trata-se, sem dúvida, de (mais) uma vitória desta ILC e, por extensão, de todas as que se lhe seguirão. Por uma razão muito simples: ao contrário de certos maus augúrios, são efectivamente válidas todas as assinaturas que temos vindo a recolher através do nosso próprio sistema electrónico. A “plataforma” a criar pela AR será tanto de recolha de assinaturas como de submissão das assinaturas recolhidas por outros meios. Fica assim expressamente legitimada a campanha que temos vindo a fazer e que reiteramos: subscreva a ILC-AO aqui!

Estas eram as boas notícias que tínhamos para vos dar. Bem… quais são então as más notícias?

A verdade é que a reunião de anteontem teve também o seu momento de absoluta surpresa, quando percebemos que a nova redacção da Lei 17/2003 irá ressuscitar… a necessidade do número de eleitor! Por arrasto, deduzimos que volta a ser necessária, também, a indicação da Freguesia e do Concelho de recenseamento, tendo conta que um mesmo nº de Eleitor pode repetir-se por várias Freguesias.

COMO???

É verdade, leram bem: o “cartão de eleitor” foi extinto e o recenseamento eleitoral passou a ser automático mas os dados do cartão extinto voltam a ser necessários para subscrever uma ILC.

Mas… como é isto possível? E porquê?

Diz-nos o Dr. Jorge Lacão que, aparentemente, é possível um cidadão ter mais de 17 anos e não estar recenseado… sendo que, como se sabe, a faculdade de subscrição de uma ILC está reservada a cidadãos nacionais devidamente recenseados. Deste modo, para excluir a remota possibilidade de uma ILC ter um subscritor maior de idade mas não recenseado, eis que regressa o nº de Eleitor.

Esta “inovação”, que significa na prática um tremendo retrocesso, não é de todo compreensível. Na verdade, com os dados fornecidos pelos subscritores já é possível determinar se um determinado subscritor estava ou não apto para subscrever uma ILC e, por conseguinte, invalidar essa subscrição, se for o caso. Por outro lado, a simples existência de um número de eleitor significa que o seu portador é maior de idade e, por conseguinte, a sua data de nascimento não é precisa para nada.

Trata-se, de facto, de informação redundante, que obriga à duplicação de esforços. E, naturalmente, volta a ser a barreira que sempre criticámos — ninguém sabe de cor o seu número de eleitor. Mais um obstáculo à recolha de subscrições.

O que é que isto implica? Desde logo, ficam sem efeito os votos de parabéns expressados nestas páginas pelo fim do número de eleitor, que tanto dificultava a recolha de assinaturas em papel. Mas este retrocesso significa também que tanto o portal digital criado por nós como o novo formulário para recolha de assinaturas em papel passarão a estar desactualizados a partir do momento em que a nova Lei entrar em vigor. A alteração do formulário em papel é de fácil resolução — já a modificação do formulário electrónico traz-nos à memória o pesadelo que foi implementar o actual, cumprindo apertadas regras de segurança e de validação das subscrições.

A Lei 17/2003, na sua primeira forma, exigia os dados de eleitor; a Lei Orgânica 1/2016 aboliu esse requisito (ver Art.º 6.º, alínea c) ;  agora o Projecto de Lei n.º 527/XIII (ver o mesmo Art.º 6.º, alínea c) repõe a exigência do número de eleitor.

A única garantia que esta alteração da Lei 17/2003 nos dá é que também ela será efémera. A desmaterialização do Cartão de Eleitor foi um primeiro passo para o seu completo desaparecimento. Em rigor, o Nº de Eleitor não serve sequer para o exercício do direito de voto: nessa circunstância, é o Cartão de Cidadão que se utiliza. O Nº de Eleitor serve apenas para localizar a nossa mesa de voto. É certo que a existência de um Nº de Eleitor comprova o recenseamento do seu portador — mas, como vimos, essa condição pode demonstrar-se sem o recurso a esse dado.

É confusão a mais para esta ILC — aparentemente, a única em curso e, portanto, a única a ver-se em bolandas com tantas alterações consecutivas e contraditórias.

Aqui estamos nós, como sempre, a desbravar caminho para as ILC seguintes. O problema é que, enquanto fazemos isso, gastamos tempo que não temos para lutar pela Língua Portuguesa. Às vezes até parece que não, mas é para isso que aqui estamos.

Adenda (14Julho2017): o recenseamento eleitoral é feito de forma automática a partir dos 17 anos de idade e não dos 18, como se depreende do texto. Nada disto altera a questão de fundo: a data de nascimento e o número de identificação civil são suficientes para atestar a maioridade do subscritor e para determinar se este está ou não recenseado — logo, o regresso da exigência do nº de Eleitor não faz sentido.

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1 comentário

    • alberto barroso on 12 Julho, 2017 at 10:51
    • Responder

    Em bom português, são uma cambada de empata-fodas!

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