3000 impressos de boa vontade — o outro lado da militância em papel

À medida que caminho para o fim do levantamento dos dados da “minha” caixa não posso deixar de sentir uma preocupação crescente, tendo em conta o número, também ele crescente, de boletins de subscrição mal preenchidos.

Já era de prever que aparecesse um pouco de tudo mas nem tudo se pode prever:

  • nomes escritos com letra ilegível
  • nomes com iniciais
  • pessoas que pensam que os caracteres de controlo do Cartão de Cidadão são o número de eleitor
  • freguesias e concelhos que “não combinam”, isto é, a freguesia indicada pertence a outro concelho que não o inscrito no boletim
  • pessoas que preenchem o campo do BI… e do CC
  • pessoas que preenchem o campo do BI e o do CC… com números diferentes
  • pessoas que preenchem tudo bem mas… esquecem-se de assinar
  • pessoas que… só assinam, não preenchem nada
  • pessoas que indicam um concelho como freguesia de recenseamento… diferente do concelho inscrito no campo respectivo
  • subscrições repetidas, enviadas mais do que uma vez e/ou por mais do que uma via
  • números de BI/CC incompletos (algarismos a menos), impossíveis (algarismos a mais) ou totalmente em branco
  • declarações de subscrição “de autor”, isto é, de pessoas que não gostaram da declaração que está no impresso e portanto criaram uma nova, com as suas próprias palavras…

E um longo etc…

Felizmente, trata-se de casos residuais. Claro que representam, ainda assim, um atraso considerável no tratamento dos respectivos dados. Os dados de um boletim bem preenchido, com letra legível, podem ser registados em menos de sessenta segundos. Mas basta uma freguesia ilegível — e sabemos como Portugal é pródigo em toponímia esquisita — para que nos vejamos obrigados a recorrer ao Google para tentar decifrar uma subscrição. Nestes casos, o tempo de recolha de dados de um único boletim pode facilmente subir para cinco ou dez minutos ou até mais do que isso.

Mas o caso mais preocupante — precisamente porque deixou de ser residual — é o da omissão, pura e simples, do número de eleitor.

Ao princípio — com os primeiros quatro ou cinco casos — não dei muita importância. Mas, à medida que esse estranho fenómeno se multiplicava, entrando na ordem das dezenas de subscrições, comecei a ficar verdadeiramente intrigado.

Antes de prosseguir, e para não correr o risco de confundir ainda mais o leitor, devo sublinhar que me refiro ao levantamento dos dados das subscrições da ILC em papel, anteriores à alteração da Lei 17/2003. Antes da alteração, a subscrição de uma ILC obrigava à inscrição do nome, número de BI ou CC, o Nº de Eleitor e freguesia e concelho de recenseamento; agora são apenas necessários o nome, número de BI ou CC e a data de nascimento.

Continuando: o meu espanto, dizia, não parava de crescer. O que levaria uma pessoa a preencher só alguns campos do boletim e a metê-lo, mesmo assim, num envelope, enviando-o para o endereço postal da ILC? Era como se alguém quisesse fazer um bolo-rei… e optasse por meter a forma no forno apenas com metade dos ingredientes — na expectativa de ver sair dali um bolo-rei impecável, já com brinde e tudo.

Um dia, cruzei-me com a assinatura de uma pessoa amiga. Primeiro, claro, a satisfação de mais um amigo partilhando a nossa posição sobre o AO. Mas depois, a surpresa: também ela tinha o boletim mal preenchido, com um traço — um traço resoluto, diga-se — sobre o campo destinado ao número de eleitor. Telefonei-lhe de imediato: também tu?!? E ali confirmei uma suspeita: por incrível que possa parecer, o mecanismo de funcionamento de uma ILC, sendo simples, não é familiar para uma boa parte da população. Não sendo uma prática corrente no nosso país, muitas pessoas nunca subscreveram uma ILC e, quando o fazem, fazem-no geralmente pela primeira vez. No caso da ILC-AO, muitas pessoas pensaram que “riscar o que não interessa” se aplicava também ao número de eleitor quando, obviamente, se referia apenas ao binómio BI/CC. Este “obviamente” é que não era, afinal, assim tão óbvio… mesmo tendo em conta que as instruções para o preenchimento fazem parte do próprio boletim.

Claro que o caso em apreço ficou logo ali resolvido, e já de acordo com a nova redacção da Lei. Com a autorização da pessoa em questão, acrescentei à mão a respectiva data de nascimento no boletim, ficando com os dados todos certinhos. Mas… que fazer com todos os outros casos, nesta fase de recolha de dados?

Pessoalmente, acho que pelo menos uma parte das assinaturas em que o número de eleitor está em falta deve ser considerado válido — em especial quando há a indicação da freguesia e do concelho de recenseamento. Parece-nos que esta é a atitude correcta porque, em boa verdade, estamos efectivamente perante um subscritor da ILC que tentou de facto juntar a sua voz a esta luta — simplesmente, interpretou mal (ou não leu) as instruções para o preenchimento do boletim. Não é justo descartar estas subscrições, tanto mais que, no contexto actual, os dados de eleitor desapareceram dos requisitos.

Em todo o caso, o certo é que o aviso, tantas vezes repetido pelo João Pedro Graça (o primeiro subscritor da ILC-AO), sempre fez todo o sentido: é preciso um número de assinaturas muito superior ao mínimo exigido — não só esse número funcionaria como demonstração de força da oposição ao AO, como serviria também como forma de suprir uma eventual quota de assinaturas não validadas.

Obviamente, quando chegar a hora de entregar a ILC-AO no Parlamento, teremos as assinaturas que tivermos. E quando o levantamento das assinaturas em papel estiver completo, a pesquisa e a confirmação de dados passará a ser possível — abrindo a possibilidade para que possamos ainda rever alguns destes problemas nas assinaturas.

Ma temos de reconhecer que esta história encerra uma lição. É certo que é inteiramente verdade tudo o que disse a Hermínia, no seu artigo mais recente: se possível, uma subscrição em papel é um testemunho ainda maior da militância das pessoas, da sua generosidade e da sua determinação na luta contra a imposição forçada de um Acordo Ortográfico que ninguém pediu.

Mas parece-me agora evidente que há um reverso da medalha nesta forma de Iniciativa Cidadã, pois há que ter em conta mais este inconveniente da subscrição em papel. Ao contrário do formulário online, o papel “não se defende”, isto é, aceita tudo o que lhe queiram inscrever… ou deixar de inscrever.

Com o novo formulário online, erros como este já não ocorrem assim tão facilmente: o formulário encarrega-se de avisar o subscritor da existência de um campo em branco ou mal preenchido e, no fundo, funciona como um auxiliar durante o rápido processo de subscrição.

Se ainda não experimentou, esta é a altura ideal para o fazer. Se já assinou, dê a conhecer esta ligação aos seus amigos, familiares e colegas.

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2 comentários

    • Luís Afonso on 16 Novembro, 2016 at 11:18
    • Responder

    Olá.

    Perante o exposto, fica uma sugestão – que não passa disso mesmo, uma sugestão que me veio à ideia «a quente», assim que li o texto:

    Sei que têm apelado a que quem fez o preenchimento em papel não o volte a fazer por via electrónica, a fim de evitar duplicações, e por isso se estão a dar ao monumental trabalho (que aqui saúdo e agradeço) de lançarem todos esses dados. Mas, perante o que acabei de ler, sugeria precisamente o contrário: que apelassem a quem já subscreveu a ILC-AO em papel para que volte a fazê-lo por via electrónica.

    O meu raciocínio é o seguinte:
    – se os dados já tiverem sido lançados por vós, quando o subscritor o tentar fazer electronicamente, o sistema não o aceitará (embora não saiba se o dito sistema está preparado para isso – este seria o «calcanhar de Aquiles» desta minha sugestão), avisando o subscritor de que já está registada, correctamente, a sua subscrição;
    – como o sistema «se protege», como referido no texto, é mais provável que as subscrições electrónicas fiquem correctamente preenchidas pelos próprios subscritores, e, nesse caso, quando forem vocês lançar os dados que têm em papel de alguém a quem, entretanto, tenham pedido para o fazer novamente ‘on-line’, o sistema não permitirá que o façam (o que também vos pouparia trabalho e tempo).

    Não sei se a ideia pode ajudar, mas foi sugerida de boa vontade. 🙂

    Mais uma vez, obrigado pelo vosso trabalho e dedicação.

    Um abraço à Equipa.

    1. Caro Luís, obrigado pela sua sugestão e pelas suas palavras.

      A questão que levanta é complexa. Neste momento, temos duas bases de dados distintas: a que estamos a fazer à mão, com o levantamento dos dados das subscrições em papel, e a que se vai construindo automaticamente, com as subscrições online.

      Quando o levantamento das subscrições em papel estiver completo o nosso objectivo é, precisamente, exportá-lo para a base de dados online. Se essa operação correr bem, as possibilidades que se abrem são muitas — o universo de subscritores passa a ser pesquisável e será possível responder às pessoas que, regularmente, nos perguntam se já subscreveram a ILC ou se está tudo bem com a sua subscrição. Eventualmente, poderemos até conseguir resolver alguns dos problemas que descrevo no texto.

      Outra possibilidade poderá ser a que refere. Se alguém não souber se já subscreveu ou não a ILC bastar-lhe-á… tentar subscrever e ver o que acontece.

      Claro que o primeiro passo é mesmo completar o levantamento que temos vindo a fazer. Tem sido um trabalho complicado mas, finalmente, começamos a aproximar-nos da recta final. Até lá, quaisquer questões sobre as subscrições podem continuar a ser-nos dirigidas através do e-mail assinaturas@ilcao.com

      Espero ter esclarecido, por agora, a sua questão. Naturalmente, voltaremos a este assunto. Quando o levantamento estiver concluído esse acontecimento será devidamente anunciado nestas páginas.

      Um abraço,

      Rui Valente

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