«Sob o signo da idiotice» [por Maria do Carmo Vieira]

FORUM EM LETRAS – 14 de Abril de 2015

Maria do Carmo VieiraVivemos sob o signo da idiotice, etimologicamente da «ignorância». Uma ignorância cultivada sobremaneira entre pessoas adeptas do imediato, ocupando visíveis cargos de poder, e que orgulhosamente se extasiam perante o seu vazio cultural e a sua insensibilidade face à justiça social, considerando seus inimigos todos os que ousam pensar por si próprios porque põem em causa, quantas vezes, os seus interesses. Nós, os professores, somos testemunhas dessa gritante falta de sensibilidade e de cultura, porque é disso que se trata, ostensivamente hasteadas com a reforma de 2003 no ensino, nomeadamente no ensino da Língua Portuguesa. Com efeito, em nome da facilidade, de uma apregoada alegria na sala de aula, do funcional e do utilitário, estes últimos com forte apego às exigências de mercado, a Literatura foi menosprezada, com destaque substancial para a poesia; também em nome da uniformização da nomenclatura gramatical, que havia sido posta em causa pelo Generativismo, impôs-se, em 2004, a massacrante TLEBS que, estéril, aspirou, no entanto a substituir a Gramática, mantendo-se do 1º ciclo ao secundário, com o disparate das suas designações e a confusão das suas descrições; no mesmo esquema de arrogância e de ouvidos surdos ao coro de críticas e à forte polémica suscitada, decretou-se em 2008 o dito Acordo Ortográfico de 90, paciente e hipocritamente engendrado nos bastidores, cuja barbaridade de argumentos veio sublinhar, de novo, a ignorância e a falta de cultura reinantes, o que é inegável pela leitura da Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).

Porque somos professores e não perdemos ainda, apesar de tantas imposições, de tantas ameaças e de tanta estupidez, o sentido de ensinar, o que significa que não abdicamos da responsabilidade de responder criticamente a tudo o que ponha em causa a qualidade do ensino da língua portuguesa aos nossos alunos, apenas nos resta desobedecer colectivamente. Sabemos, com efeito, que só dominando bem a língua materna, os nossos alunos poderão pensar e exercer o seu espírito crítico; não o permitindo, somos responsáveis pelas nefastas consequências daí advenientes. Em suma, dizemos aos mentores deste Absurdo Acordo Ortográfico e aos políticos que na sua ignorância o implementaram, contrariando a vontade da esmagadora maioria dos portugueses, que, em nome da dignidade que nos assiste e que por isso mesmo não tem preço, não queremos «que nos libertem do pesado encargo de pensar».

Maria do Carmo Vieira

[Texto recebido da autora, por email, em 15.04.15. “Links” adicionados.]

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2 comentários

    • Maria José Abranches on 23 Abril, 2015 at 16:10
    • Responder

    Obrigada, cara Maria do Carmo, por mais uma vez fazeres ouvir a nossa voz:

    “Porque somos professores e não perdemos ainda, apesar de tantas imposições, de tantas ameaças e de tanta estupidez,o sentido de ensinar, o que significa que não abdicamos da responsabilidade de responder criticamente a tudo o que ponha em causa a qualidade do ensino da língua portuguesa aos nossos alunos, apenas nos resta desobedecer colectivamente.”
    E ainda:
    “(…) em nome da dignidade que nos assiste e que por isso mesmo não tem preço, não queremos «que nos libertem do pesado encargo de pensar».”

    Aproveito para dar a conhecer um exemplo concreto de quem não abdica desse corajoso “encargo de pensar” (com a autorização da autora, Directora de Centro de Formação, texto publicado no facebook):

    ««
    COGITAÇÃO NOCTURNA à laia de pré-forum contra o AO

    Eu ando à espera que me venham prender e torturar, por continuar a escrever correCtamente e a assinar coisinhas e coisinhos, muita burocraciazinha de gestão, sempre como direCtora.
    Ainda ninguém me amordaçou… nem me torturou com pingos… nem tive aqueles medooooooos, nem os suores frios que levam à obediência cega.
    Assim, ainda tenho esperança. …
    Tenho esperança que as DidáCticas, os ProjeCtos, as ACtas e as DireCções recuperem o C nas nossas escolas. E, já agora, que recuperem o Norte. O Norte e o Sul, o Este e o Oeste, que o Matemático tem deixado isto à deriva.
    Não tenho nada contra a Matemática, mas já contra trogloditas, sim.
    À Matemática, que é fofinha, até me apetece pôr-lhe um C antes do T, embora sem qualquer lógica que me valha, só mesmo para avacalhar o assunto.
    Mas não gosto dos fatores económicos e sociais com que os políticos enfeitam os seus discursos, principalmente aqueles que fazem a apologia de um futuro repleto de projetos abjetos (pronuncie-se, neste último parágrafo, fâtores, replêto, projêtos e abjêtos).

    13.04.2015

    Ana Madeira

    »»

    • Maria do Carmo Vieira on 24 Abril, 2015 at 21:58
    • Responder

    Talvez não seja muito apropriado que um reencontro se dê num comentário, mas o momento assim mo exigiu e por isso um bem-haja à professora e amiga, Maria José, por nos ter dado a conhecer as palavras de outra colega resistente, Ana Madeira, a quem deixo um forte abraço de amizade e a alegria de continuarmos a festejar o Norte e o Sul, o Este e o Oeste!
    Carmo Vieira

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