«Retalhos da nossa língua» [Bagão Félix, “Público”, 04.11.14]

publicoLi notícias que nos dão conta do mal-estar relacionado com a proibição de crianças portuguesas nas escolas do Luxemburgo se poderem exprimir na sua língua materna, mesmo fora do estrito contexto das salas de aula. Atitude, ao que parece, apoiada pelo governo luxemburguês! A comunidade portuguesa neste país representa cerca de 20% da sua população e os nossos emigrantes têm dado provas insofismáveis de boa integração e excelente profissionalismo. Não faz qualquer sentido esta atitude discriminatória entre países da mesma União Europeia.

Por outro lado, e no mesmo dia, li que as novas funções de supervisão bancária do BCE que vai abranger, por agora, cerca de 120 bancos da União serão exercidas com a óbvia possibilidade de os bancos poderem escolher a sua língua oficial na relação e correspondência com o agora regulador europeu. Muitos bancos optaram pela língua do seu país, mas os nossos principais bancos optaram pelo … inglês.

O idioma português é o 5º mais falado no mundo e merecia ser mais respeitado. Sobretudo por quem o interdita ou desmerece, em versão censória ou em modelo elitista.

Se a isto, acrescermos a polémica que continua com o chamado Acordo Ortográfico, consequência em grande parte do poderio brasileiro e da indiferença de outros países lusófonos, como vai distante a célebre frase de Pessoa “a minha pátria é a língua portuguesa”.

[Transcrição integral de artigo da autoria de António Bagão Félix. “Site” do jornal “Público”, 04.11.14.]

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7 comentários

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    • Maria José Abranches on 5 Novembro, 2014 at 18:23
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    Com todo o respeito, peço desculpa, por discordar num ponto: não é por ser o 5.º idioma mais falado no mundo que o português merece ser respeitado. O português ‘tem’ de ser respeitado como língua materna de Portugal, um antigo país europeu, membro de pleno direito da União Europeia, instituição que, de acordo com os seus valores e princípios, expressos na divisa “Unidos na diversidade”, consagra e promove as diversas culturas que a integram, assim como as línguas que lhes dão corpo e em que se exprimem.

    Que a nossa História nos tenha levado aos vários continentes, onde deixámos a nossa língua – sem fazer grande coisa por ela, diga-se de passagem – é motivo de regozijo. Mas que esse facto histórico, com as dinâmicas que mais recentemente tem conhecido, diminua o valor do português europeu é, mais uma vez, não nos vermos e não nos reconhecermos como o país real que somos, preferindo-lhe uma visão grandiosa e mítica, que nos leva a atirar pela borda fora o capital patrimonial que nos pertence e de que dispomos.

    Deixo aqui uma pergunta, a propósito dos casos destacados neste artigo: o que é que Portugal e nós, portugueses individualmente, temos feito para dignificar e promover a nossa língua, o português europeu, na União Europeia, através dos tempos e agora, quando tantos enchem a boca ‘e os bolsos’ com a ‘internacionalização’ da língua portuguesa? Com a longa passagem de Durão Barroso pela Comissão Europeia, a nossa língua ganhou alguma visibilidade? Vi-o sempre empenhado em mostrar que domina perfeitamente o inglês e o francês… E sei que nos serviços da UE o AO90 já está a ser aplicado, certamente para parecermos ‘brasileiros’, sendo o Brasil, como todos sabemos, um país europeu… E lá temos agora os bancos, em mais uma atitude subserviente, a escolherem o inglês. É assim que se dá visibilidade à nossa língua?! E isto não devia mesmo ser proibido, se fôssemos um país decente, em vez dessa ‘coisinha’ complexada, AH! mas cheia de ‘baforadas’ e de arremetidas de grande nação, cheia de pergaminhos…

    Conheci de perto as dificuldades dos portugueses e seus descendentes, quando ensinei Português em França. E tive de me bater com a ausência ‘total’ de apoios do Estado português a quem se dedicava a leccionar a língua. Incrível, mas é verdade: no Outono de 1976, numa reunião de Leitores e outros professores com um responsável do Instituto de Alta Cultura, às queixas de que não tínhamos apoios nem sequer a nível de manuais, métodos, gramáticas e outros materiais didácticos, ‘Sua Exc.ª’ respondeu: “De qualquer modo, ensinar a língua não é uma tarefa de docente universitário!”

    Mas as coisas não melhoraram entretanto: em entrevista ao JL, em Julho de 2008, Carlos Reis, grande promotor do AO90, a propósito do ensino do Português junto das comunidades de emigrantes, disse que era «de encarar com cautela», «já que a actuação daquelas comunidades se fixa sobretudo na questão do ensino do Português como língua materna, o que escassamente corresponde às preocupações de uma política de internacionalização do idioma.» Esta é duma inteligência rara! O direito dos povos à sua própria língua, que o Estado deve assegurar (veja-se a nossa Constituição) é esquecido, como é desprezada a ‘imagem’ que, sobretudo na Europa, mas também no resto do mundo, damos de nós mesmos, da nossa língua e da nossa cultura!

    Mas há mais: a presença ‘galopante’ do inglês na vida pública nacional, desde o uso e abuso de termos desse idioma nas publicações e intervenções públicas ou na publicidade, sem que haja ao menos o cuidado de os explicar em português; a promoção do inglês nas universidades, a pretexto de que isso ‘internacionaliza’ o nosso ensino e atrai mais alunos estrangeiros; o empenho em introduzir o ensino do inglês nos primeiros anos do ensino básico, quando as crianças não dominam ainda minimamente a leitura, a escrita e a ‘gramática’ (sobre as ‘inovações’ neste domínio, nem é bom falar…) da sua língua materna…

    Só mais uma observação: em Lagos, onde resido, há inúmeras situações em que só o inglês é usado (nas publicidades, nos restaurantes, cafés e bares, etc;)… É verdade que esta região há tempos andava a chamar-se ALLGARVE!!! É assim que nos promovemos: começando logo por macaquear a língua, que está ali a jeito, à disposição da ignorância, do desrespeito e da incultura de quem, de momento, detém o poder! E isto sem que a ‘intelligentsia’ nacional se sinta minimamente interpelada!

  1. «Com a longa passagem de Durão Barroso pela Comissão Europeia, a nossa língua ganhou alguma visibilidade? Vi-o sempre empenhado em mostrar que domina perfeitamente o inglês e o francês…»

    O Inglês, o Francês e o… “brasileiro”.

    http://youtu.be/kOY9e6C1YUk

    • Fernando on 5 Novembro, 2014 at 19:08
    • Responder

    Se o “brasileiro” vingar definitivamente, como tudo indica que vai acontecer, penso que optarei também pelo Inglês como língua a utilizar nos computadores e na configuração de outros equipamentos. Sim, porque defendo ser tal escolha um mal menor quando comparada com a capitulação perante a ignomínia “cozinhada” e imposta a um povo manso e pachorrento por um punhado de escroques. É que dói-me mais ver a escrita da “minha” língua estropiada…

    • Jorge Tavares da Silva on 6 Novembro, 2014 at 11:02
    • Responder

    Subscrevo em grande parte o texto da Maria José Abrantes (Olá Zé), mas não concordo com o 5° lugar do nosso idioma, também avançado por Bagão Félix. Na realidade, é o Brasileiro que serve de locomotiva aos milhões de locutores da nossa ultra deformada língua portuguesa. Além disso, com quase cinquenta anos de vida na Bélgica, dos quais vinte no Secretariado-Geral da União europeia, confirmo que a passagem de J. M. D. B. à cabeça da Comissão, não foi minimamente útil, nem para o nosso idioma nem para o nosso país.
    O que se verifica é haver cada vez mais locutores que falam Portugueiro ou Brasilês, sem muitas vezes se darem conta do que realmente dizem.
    Seria altura, ou talvez até tarde demais, de defender a existência de duas linguas distintas: Português e o Brasileiro, com o que isso implica em termos de semântica, de gramática, de semiótica e de Cultura.

    Bem hajam!

    • Maria José Abranches on 6 Novembro, 2014 at 15:13
    • Responder

    Olá Jorge! Ainda bem que te manifestaste e nos trouxeste a tua visão ‘de experiência feita’. Mas olha que eu sou Abranches (ah! ah!)… Não é aliás a primeira vez que me trocam o nome. Obrigada!

  2. Confirmo inteiramente o que escreve MJA nos últimos parágrafos do seu texto. A presença “galopante” do Inglês na vida pública nacional assume, no caso concreto do Algarve, contornos de domínio galopante. Ele prevalece em tudo o que é sítio: na publicidade, na restauração, nos transportes públicos, etc. Aqui, um dos requisitos para se obter emprego (se não o requisito principal) é o domínio perfeito da língua inglesa. O domínio – falado e escrito – da língua materna não interessa para nada… Chega a ser rídículo, pois até para o comércio tradicional se exige que o candidato “speak english fluently”.
    Isto parece uma província de Inglaterra, não uma região de Portugal. Até os adolescentes, nas suas inspiradas conversas, recorrem cada vez mais a palavras e expressões de origem inglesa. E quando mandam àquela parte um colega (ou um professor) fazem-no utilizando o internacionalmente célebre “Fuck you!”.

    • Jorge Pacheco de Oliveira on 7 Novembro, 2014 at 4:09
    • Responder

    Eu concordo com a maior parte do que escreveu Maria José Abranches, mas não comungo da preocupação em relação à “presença galopante” do inglês.

    Já aqui disse que, em minha opinião, o inglês deveria ser adoptado como segunda língua oficial do nosso país e ensinado nas escolas desde a mais tenra idade. Os miúdos não sofrem nada com isso. Antes pelo contrário.

    Tenho dois netos que na escola e com os amigos falam francês (na Suiça) mas em casa falam também português e inglês. A minha filha e o marido são portugueses. Ele é professor e dá aulas de Economia em inglês. A minha filha domina muito bem o francês e o inglês, e como o rapaz nasceu nos Estados Unidos e é cidadão luso-americano, os pais procuram manter viva a ligação à língua inglesa. A miúda mais pequena acaba por falar também inglês, ambos acham divertido e nenhum deles dá sinais de perturbação.

    Mas atenção : não obstante propor a adopção do inglês como segunda língua oficial, não deixo de defender que a nossa língua materna seja respeitada e ensinada com todo o rigor, o que passa por evitar as confusões com o brasileiro, e daí a necessidade de revogar definitivamente o malfadado AO que os nossos políticos e alguns académicos nos querem impor.

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