Crime! Vergonha! [crónica de Miguel Sousa Tavares, “Expresso”, 01.03.14]

MST010320145 A AR recusou, mais uma vez, rever a entrada em vigor do Acordo Ortográfico, escudando-se, em contrapartida, atrás de uma vaga resolução de efeito útil nulo. Já passou pela mão de todos os deputados e governantes uma lista impressionante de nomes de escritores, professores, académicos ou jornalistas – os que usam a língua profissionalmente – que não deixa qualquer dúvida de que apenas uma minoria, e já sem quaisquer argumentos válidos, continua a sustentar este crime. É como se, à revelia de médicos, Governo e deputados entendessem regulamentar as condições técnicas do exercício da medicina.

Mas a língua é ainda mais do que o instrumento de trabalho de quem escreve profissionalmente, pois é também um factor de unidade e identidade nacionais determinante. Há, pois, qualquer coisa de misterioso e estranho por trás da teimosia de governantes e deputados, de todos os partidos, em não ceder aos constantes apelos que de todos os lados recebem. Mais estranho ainda é nem sequer se darem ao trabalho de explicar quais as ponderosas razões de Estado que os levam a vender a língua que é a nossa. Como se isso não fosse importante. Ou como se não devessem qualquer explicação aos portugueses, mesmo depois de verem países como Angola, Brasil e Moçambique resistirem ao AO. É nestas alturas, e como último recurso, que eu gostava de ter um Presidente da República que, no uso da sua função de garante da independência nacional (de que a preservação da língua é parte indissociável), puxasse do artigo 120º da Constituição e matasse de vez esta vergonha. Mas, infelizmente, também não é o caso.

[Transcrição parcial de crónica, da autoria de Miguel Sousa Tavares, publicada no semanário “Expresso” (em papel, digitalização na imagem) de 01.02.14. Destaques e “links” inseridos por nós.]

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1 comentário

    • Maria José Abranches on 1 Março, 2014 at 23:28
    • Responder

    Mais uma vez, Miguel Sousa Tavares ergue a sua voz livre e firme em defesa da nossa língua! Oxalá o seu exemplo dê aos que se calam a coragem que lhes falta.

    Quanto às “ponderosas razões de Estado que os levam a vender a língua que é a nossa”, talvez valha a pena recordar as declarações de Telmo Correia, entre outros, na AR, de acordo com o artigo de Maria Lopes, no “Público” (e que eu confirmo porque as ouvi no canal da AR): importante é «o argumento da “noção de responsabilidade”, tendo em conta o “percurso que já foi feito” e o “esforço de entidades, editores, escolas” no processo de implementação do acordo nos últimos anos.»
    Responsabilidade perante os portugueses presentes e futuros, perante o país, não conta. Erro cada dia mais evidente da opção inicial, análise crítica do próprio AO90 e da ameaça que representa para a língua de Portugal também não importa… embora não haja tratado respeitável que possa justificar a sua ruína!

    Mas este senhor deputado disse mais:
    “Se nós temos receio sobre as dúvidas ou dificuldades que o Brasil levanta, porque levantamos também? O interesse de Portugal é liderar o acordo ortográfico.”
    É esta a nova face do neo-colonialismo português: acordo ortográfico, em força, é a palavra de ordem da nova guerra colonial!

    Para terminar: onde pára a liberdade da comunicação social em Portugal? Quantos programas ou noticiários televisivos abordaram a discussão do AO90 na AR? Quantos jornais noticiaram e comentaram o que se passou? O “Público”, sempre firme na sua defesa da língua, o “Jornal i” e … ???

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