«Tudo sobre a língua brasileira e o Brasil» [“blog” «Brasiliano», 26.02.14]

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Assim como o Português saiu do Latim, pela corrupção popular desta língua, o Brasileiro esta saindo do Português. O processo formador é o mesmo: corrupção da língua mãe.”
Monteiro Lobato

 

 

 

O QUE NÃO SABEMOS DA NOSSA LÍNGUA?

Publicado em fevereiro 26, 2014 por Editor
Marcos Bagno

Dia desses, uma das minhas assinantes no Facebook me perguntou o que nós, brasileiros em geral, não sabemos sobre a nossa língua. Respondi, brevemente, mas acho que valeria a pena discorrer um pouco mais a respeito do tema. É que, de fato, a ignorância geral quando o assunto é língua deixa qualquer especialista na área de cabelo em pé. Já avançamos tanto em outros campos da vida social, política, cultural. Já abandonamos tantos mitos e superstições que prejudicavam o bom convívio em sociedade, mas quando se trata das línguas em geral e da nossa em particular ainda vivemos em plena Idade Média.

Treze anos atrás, publiquei um livrinho chamado Preconceito linguístico: o que é, como se faz, que hoje está em sua 53a edição. Ele se tornou uma espécie de “leitura obrigatória” nos cursos de Letras, Pedagogia e mesmo em Jornalismo. Ali eu descrevo o que chamo de “mitologia do preconceito linguístico”. Depois de todos esses anos, se tivesse de escrever o livro de novo, teria de fazer exatamente como fiz em 1999. Talvez acrescentasse agora essa ideia do que não sabemos da nossa língua.

Não sabemos, por exemplo, que o português brasileiro é uma língua plena, em todos os sentidos da palavra, diferente do português europeu. Diferente. Nem melhor nem pior, porque não existe hierarquia entre as línguas. Todas se equivalem, todas são perfeitas para a manutenção da coesão social dos povos que as falam. Depois de meio milênio de implantação do português quinhentista em terras brasileiras, é claro que a língua passou por mudanças inevitáveis e adquiriu caráter próprio. Temos uma gramática só nossa. Uma gramática que, aliás, surpreende os estudiosos do mundo todo por causa das característica únicas que o português brasileiro apresenta no conjunto das línguas românicas, isto é, das línguas derivadas do latim.

Um exemplo simples: o português brasileiro é a única língua da família que eliminou completamente (na fala) os pronomes oblíquos “o”, “a”, “os”, “as”.Quando alguém nos pergunta: “Você comprou o livro que indiquei?”, nós respondemos, simplesmente: “Comprei”. Em qualquer outra língua da família (italiano, francês, espanhol, galego, sardo, catalão etc.), se a pessoa vai responder usando o verbo, usará obrigatoriamente o oblíquo, respondendo algo como: “Sim, eu o comprei”. Nós, porém, dispensamos o pronome. A única língua que fazia isso era… o latim! Em latim não existiam pronomes de 3a pessoa, nem retos nem oblíquos. Os falantes do latim “clássico” respondiam somente com o verbo. Como e por que demos essa volta completa e fechamos o ciclo das mudanças retornando precisamente a um uso da língua-mãe? Esse é o tipo de curiosidade que deveríamos ter sobre nossa língua, em vez de ficar perdendo tempo com asneiras como se é certo ou errado dizer “presidenta”. Isso é o que a escola deveria ensinar, e não perder tempo com coisas que não existem, como a suposta diferença entre “adjunto adnominal” e “complemento nominal”, que eu mesmo até hoje não entendi (talvez porque não exista).

Outra coisa fundamental seria divulgar e ensinar que o português brasileiro é a 3a língua mais falada no Ocidente (atenção: no Ocidente, não no mundo), depois do espanhol e do inglês. E com a projeção internacional do Brasil hoje no cenário mundial, é uma língua que atrai cada vez mais atenção e interesse. Só a nossa “grande” mídia escrota continua a achar que brasileiro fala tudo errado e que só em Portugal se fala certo. Idade Média total!

Reprodução integral do texto de Marcos Bagno.
Fonte: http://marcosbagno.org/2013/08/13/o-que-nao-sabemos-da-nossa-lingua/

[Reprodução integral de “post” do “blog” Brasiliano, publicação de 26.02.14, citação de texto de Marcos Bagno. A citação de topo foi copiada e “colada” do mesmo “blog”. A imagem é do “Museu da Língua Portuguesa” de S. Paulo, Brasil.]

Nota de ILC AO
Confrontar este texto com, por exemplo, o teor da carta de Mário Vilalva, Embaixador do Brasil em Portugal, enviada à Assembleia da República portuguesa em 20 de Fevereiro de 2014: «Embaixador reitera posição do Brasil de cumprimento do acordo ortográfico».

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1 comentário

    • Jorge Pacheco de Oliveira on 28 Fevereiro, 2014 at 9:27
    • Responder

    Se é certo ou errado dizer “presidenta” ? Depende. Se for uma assaltante de bancos a chegar ao cargo diz-se “presidenta”. Se não for, diz-se presidente.

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