Revisionismo para totós

sentido_proibidoNesta matéria, só não vê quem não quer ver. Carlos Enes, o deputado que presidiu ao Grupo de Trabalho parlamentar sobre o AO90, escreveu uma série de 5 artigos “de opinião” – 4 apenas para tomar balanço e por fim chegar a este último, qual salto em comprimento – tentando demonstrar a inevitabilidade da “revisão” do “acordo”.

Trata-se, realmente, de uma espectacular explicação (mais clara do que isto, bem, só fazendo um desenho) da “estratégia” revisionista de que já aqui (e aqui e aqui e aqui e ainda aqui) falámos.

Isto é, em suma e em esquema, essa estratégia explicada aos totós… e aos que se fazem de totós, quer dizer, a quem porventura ainda não entendeu o que se está a passar e a quem anda por aí a fingir que não entendeu ainda.

Esquematizemos, portanto.

1. Primeiro, desvia-se o enfoque, iludem-se os motivos, perverte-se a verdade:
«Mas as objecções dos opositores que mais tocam o cidadão comum relacionam-se com questões técnico- linguísticas.»

2. Depois, enumeram-se os “erros flagrantes”:
«permite um excesso de facultatividades, ou seja, a possibilidade de escrever a mesma palavra de forma diferente – ex. peremptório/perentório; introduz divergência, em casos onde havia a mesma grafia – ex. aspecto (pt) e aspeto (br); revela incoerência nos critérios de anulação das consoantes mudas – elimina o p de Egipto, o c de espectador, mas não elimina o h de haver; a hifenização, ao seguir a adopção de critérios “já consagrados pelo uso”, permite que cor-de-rosa se grafe com hífen, mas cor de laranja fique sem hífen; no campo da acentuação, o Acordo prevê casos de dupla acentuação (ténis/tênis), mas o mais contestado é a abolição dos acentos nas palavras homófonas: – para (do verbo parar) que se confunde com para (preposição). Mas aqui critica-se o facto de se manter o acento circunflexo na forma verbal pôr, para distinguir da preposição por. Do mesmo modo estipula-se a obrigatoriedade do acento em pôde para se distinguir de pode, mas facultativamente em dêmos (presente do conjuntivo) para se distinguir de demos (pretérito perfeito do indicativo). O mesmo critério facultativo aplica-se a louvámos (pretérito perfeito do indicativo) para distinguir de louvamos (presente do indicativo)

3. Por fim, aponta-se a “solução óbvia”, fazendo-a passar por única, inevitável e… evidente:
«Um tema complexo, que tem provocado amplas discussões, mas que merece ser aprofundado, corrigindo o que for necessário corrigir, mas seguir em frente.»

Ou seja…

Todas as movimentações mais recentes indiciam claramente que é isto e só isto o que se prepara nos bastidores, nos “passos perdidos”, no remanso dos gabinetes, nos esconsos e nos “mentideros” da política. O que se está a “cozinhar”, sejamos claros, claríssimos, ainda mais explícitos do que antes, é a “revisão” do AO90. Não é outra coisa qualquer, é só isto mesmo: uma “revisão” meramente cosmética em que se eliminarão as “aberrações”, os “casos mais flagrantes”, o que significa, em suma, eliminar as novas duplas grafias e… mais duas ou três coisinhas só para disfarçar.

Ora, como sabemos, isto representaria na prática o seguinte: os portugueses, os angolanos, os moçambicanos, os cabo-verdianos, os são-tomenses, os guineenses e os timorenses passariam a ser obrigados a memorizar a forma como se pronunciam determinadas palavras num país que não é o seu (o Brasil, evidentemente) antes de as poderem escrever na sua própria Língua!

Caso estas movimentações vão avante, se a tese revisionista vingar, se de facto um “novo” AO90 “revisto” e aumentado for impingido a 7 dos 8 países da CPLP, fica desde já, aqui e agora, o alerta: percebemos a estratégia, não queremos nada isso.

Revisão? Não, obrigado.

É preciso repetir isto mais quantas vezes?

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[As citações neste texto (corrigidas em Português onde era de corrigir) são de um artigo da autoria do deputado Carlos Enes publicado no jornal “Açoriano Oriental” de 08.01.14.]

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3 comentários

    • Jorge Pacheco de Oliveira on 15 Janeiro, 2014 at 20:32
    • Responder

    Parece evidente que não nos interessa nenhuma revisão do AO, mas unicamente a sua revogação, cancelamento, anulação, chame-se o que se quiser.

    O slogan terá que ser este: “AO nem vê-lo”.

    Pode ficar apenas a promessa : daqui por cem anos voltaremos ao assunto.

  1. É impossível cozinhar o que já é uma mistela. O revisionismo não lhes levará longe. Só há um caminho, a abolição, aniquilação. Guilhotina com isso.

  2. A teimosia costuma ser sinal de burrice. E já que está mal, teima-se no erro. Merecemos tão maus deputados?

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