Indignação cívica [M.J. Abranches “versus” TIAC]

meuselonAO1No dia 15 de Junho de 2013 às 16:46, Maria José Abranches Gonçalves dos Santos escreveu:

Mensagem Site TIAC

De: Maria José Abranches Gonçalves dos Santos
Assunto: [your-subject]

Corpo da mensagem:
Tenho seguido com interesse as intervenções do Dr. Paulo Morais. Porque li a sua excelente entrevista ao Jornal i, procurei informar-me sobre esta Associação Cívica: pensava encontrar aqui alguma sensibilidade face ao crime que o Acordo Ortográfico de 1990 representa para a língua dos portugueses. Infelizmente fiquei elucidada: também nesta Associação se aplaude e aplica, entusiasticamente, o AO90! E aqui, além do crime patrimonial, não há corrupção? Decididamente devo ter um conceito muito exigente de democracia!
Os meus cumprimentos,

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos


Mail enviado via formulário de contacto em Transparencia e Integridade, Associação Cívica http://wp.tiac.webfactional.com

Date: Sun, 16 Jun 2013 11:00:12 +0100
Subject: Re: Formulário de Contacto Site TIAC
From: secretariado@transparencia.pt
To: mz********[at]hotmail.com

Cara Maria José Santos,

Muito obrigado pela sua mensagem.

A TIAC trabalha, em parceria com mais de 90 organizações espalhadas pelo mundo e agrupadas na rede Transparency International, para estudar o fenómeno da corrupção e propor políticas públicas para melhorar o seu combate. Assumimos para isso o conceito de corrupção como sendo o abuso de um poder delegado para benefício próprio ou de outros.

O Acordo Ortográfico é um tratado internacional. Não temos conhecimento de qualquer situação, ou suspeita, de corrupção na sua negociação ou celebração, ou seja, não conhecemos nenhum facto que nos levante suspeita de que os responsáveis pela sua preparação e negociação, em Portugal ou nos outros países signatários, tenham agido para benefício próprio ou de membros do seu grupo. Desse modo, será sempre legítimo tomar posição contra ou a favor do AO, mas não há dado algum objetivo que nos permita suspeitar de corrupção nesta matéria.

A TIAC adotou o Acordo Ortográfico na sua comunicação por razões práticas. O combate à corrupção não se fará sem sensibilização pública e mobilização cívica, que exigem um trabalho próximo com os meios de comunicação social. Dado que a esmagadora maioria dos órgãos de comunicação social em Portugal já adotou as regras do Acordo Ortográfico, compreendemos que a nossa penetração nos media seria facilitada se escrevêssemos segundo as mesmas regras ortográficas dos nossos interlocutores.

À parte esta questão prática, respeitamos inteiramente a diversidade de opiniões existentes sobre o Acordo Ortográfico, que reflete aliás a diversidade de opiniões que sobre esta matéria existem entre os próprios dirigentes, investigadores, associados, voluntários e apoiantes da TIAC.

Melhores cumprimentos,

meuselonAO1No dia 26 de Junho de 2013 às 23:47, Maria Abranches escreveu:

Ex.mos Senhores,
Começo por agradecer terem respondido tão prontamente à minha mensagem. Mas, porque tenho consciência da minha responsabilidade pessoal, que me não autoriza a  descansar à sombra da responsabilidade alheia, sinto-me impelida a partilhar convosco alguma coisa da minha já longa preocupação com a necessidade de defender a língua de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).

Como subscrevi e publicamente tenho apoiado e defendido a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (https://ilcao.com/) de que tomei conhecimento, por um artigo do “Público”, a maior parte dos meus textos já aí se encontram publicados, em nome de Maria José Abranches, pelo que utilizarei o link respectivo, sempre que for caso disso. E igual procedimento usarei para outros textos aí publicados.

O direito de qualquer povo à sua língua materna, seu património identitário soberano,  inscreve-se à cabeça  dos direitos humanos fundamentais. Por isso, ao longo dos tempos, sempre as línguas dos povos foram objecto da repressão dos poderes totalitários. A este propósito, veja-se o “Manifesto de Girona sobre os Direitos Linguísticos” ( http://proximidade.penclubeportugues.org/2011/09/manifesto-de-girona-sobre-os-direitos.html) e a posição do PEN Clube Português e Internacional  relativamente ao AO90 (https://ilcao.com/?p=10222). Recorde-se ainda o que, neste contexto, estabelece a Constituição da República Portuguesa.

Retomando o vosso terceiro parágrafo, eu diria que os tratados internacionais não estão, nem nunca estiveram, por definição, ao abrigo de pressões, influências e até negócios de toda a ordem. Quanto ao que agora nos ocupa, sugiro a leitura deste artigo de dois Professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (https://ilcao.com/?p=7354#comments), assim como da intervenção do ex-Ministro da Cultura, Dr. José António Pinto Ribeiro – aquando da sua audição pelo Grupo de Trabalho sobre o AO90, da 8.ª Comissão da Assembleia da República (https://ilcao.com/?p=11330#comments) – que também já figuram na referida ILCAO. E, para concluir este aspecto da questão, aconselho também a audição da Professora Isabel Pires de Lima, no mesmo Grupo de Trabalho da AR (https://ilcao.com/?p=11164&cpage=1#comment-22829).

Reflectindo sobre o vosso quarto parágrafo, permito-me algumas observações:

– sem falar da problemática, que continua, sobre se o AO90 está ou não em vigor, nada no contexto actual  “obriga” os media a aplicá-lo, antes de terem passado seis anos sobre a data do depósito do instrumento de ratificação do II Protocolo Modificativo ao AO90 (13 de Maio de 2009, segundo o Aviso do MNE n.º255/2010),  resultando essa aplicação unicamente de decisões e interesses próprios, que nada têm a ver com o respeito com que deveriam tratar a língua que lhes permite existir e o público a quem se dirigem;

– por outro lado, há meios de comunicação social que, apesar da “moda”, preferem respeitar-nos e à nossa língua, mantendo a ortografia em vigor, que decorre do Acordo de 1945, que o Brasil não respeitou; e aqui merece particular destaque o “Público”, que  tomou posição contra o AO90 e que se tem empenhado em manter viva a discussão que este assunto impõe;

– como explicar e “aceitar” que os media se empenhem activamente na defesa do caos ortográfico e na destruição do esforço de alfabetização dos portugueses levado a cabo nas últimas décadas?

– o que têm feito esses media para promover o debate e dar visibilidade à oposição “real” que este AO90  suscita junto das camadas mais amplas e variadas da população, a começar pelos especialistas e intelectuais que se lhe têm sistematicamente oposto?

– como se justifica que, vivendo nós em democracia, nunca o AO90 tenha sido tema de debate em nenhuma das inúmeras eleições (presidenciais, legislativas, autárquicas) que aqui ocorreram desde 1990?

– que razão pode levar uma instituição livre e independente, como a TIAC, a caucionar a opção feita por alguns  meios de comunicação social (não é a “esmagadora” maioria e ainda que fosse…) de “impor” (porque é disso que se trata) o AO90 aos cidadãos portugueses, sem a isso serem legalmente obrigados e desprezando totalmente o sentir da generalidade do público a quem se dirigem?

– como é possível que uma instituição com os objectivos da TIAC possa acreditar que o caminho para a “sensibilização pública e mobilização cívica” se fará, “por razões práticas”, pactuando com este ataque à nossa língua materna, feito em nome de interesses e objectivos “políticos” e económicos obscuros e contraditórios?

A propósito do vosso último parágrafo, ocorre-me sublinhar que o que está em causa é a defesa do português, na sua versão europeia, norma partilhada – com as peculiares e enriquecedoras variantes regionais –  por todos os países da CPLP, com excepção do Brasil; não se trata pois de uma simples questão de “opiniões pessoais”, mas de responsabilidade colectiva: esta língua é património nacional, europeu e universal, de que nos cabe usufruir de modo “responsável”, por respeito para com aqueles que nos antecederam e no-la legaram e para com aqueles que nos sucederem e a quem a deixaremos em herança.

Correndo o risco de abusar da vossa paciência, deixo aqui o link para um dos meus textos, que poderá ajudar a compreender o que está em jogo, embora não se possa substituir à indispensável leitura dos pareceres especializados sobre o AO90, nem à opinião inúmeras vezes expressa por universitários e outras personalidades respeitáveis da área da cultura:

“A Herança”: https://ilcao.com/?p=6272#comments

Com os meus cumprimentos,

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

P.S.: Reservo-me o direito de eventualmente dar a conhecer esta correspondência.

Date: Thu, 27 Jun 2013 11:38:48 +0100
Subject: Re: Formulário de Contacto Site TIAC
From: secretariado@transparencia.pt
To: mz********[at]hotmail.com

Cara Maria José Santos,

Respeitamos inteiramente as suas posições e as suas críticas e celebramos o seu ativismo na defesa da sua causa. A posição da TIAC e as razões que a sustentam ficaram explícitas na comunicação anterior.

Sinta-se à vontade para, se o entender, divulgar esta correspondência pelas formas que entender.

Melhores cumprimentos,
TIAC

[Transcrição de troca de correspondência havida entre Maria José Abranches e a TIAC – Transparência e Integridade, Associação Cívica.]

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14 comentários

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    • Maria Oliveira on 28 Junho, 2013 at 19:35
    • Responder

    Pois por mim, os senhores da T.I.A.C. acabam de se transformar em mais um óbito. Até podiam representar o próprio J.C. e Maria, “sua santa mãe”, mas pelo que me diz respeito, acabam de morrer. Não gosto de meias-tintas.

  1. Uma saudação especial para Maria José Abranches, por mais uma demonstração de coragem e de persistência da sua parte…

    … E o que fica aqui exemplificado é, novamente, a tendência «Maria vai com as outras» revelada por tanta gente nesta questão: «Dado que a esmagadora maioria dos órgãos de comunicação social em Portugal já ado(p)tou as regras do Acordo Ortográfico, compreendemos que a nossa penetração nos media seria facilitada se escrevêssemos segundo as mesmas regras ortográficas dos nossos interlocutores.» Perdoem-me a brejeirice, mas a haver «penetração» ela é de outro tipo…

    Não são capazes, ou têm medo, de pensar e de agir por si próprios. E não se apercebem de que o colaboracionismo que exibem neste âmbito lhes tira toda e qualquer autoridade moral para protestarem e actuarem, depois, contra seja o que for.

  2. Dá um ar moderno poder vir a escrever “corrução” e ter a desculpa de que foi uma aplicação demasiado zelosa do acordo.

    • Maria José Abranches on 29 Junho, 2013 at 22:33
    • Responder

    Muito obrigada, Octávio dos Santos, pelas suas palavras e também pela “persistência” com que se tem manifestado contra o AO90! É preciso “acordar” esta gente, denunciar este sonambulismo…

    Concordo muito em especial com o seu último parágrafo: esse “colaboracionismo” contamina irremediavelmente toda e qualquer actuação, por mais meritória que esta possa ser… Mostra-me como escreves e dir-te-ei quem és!

  3. Concordo plenamente com o exposto e devo acrescentar, em abono da verdade, que nunca aderi nem admito que se adira, a um ‘tratado’ (não passa disso) que não tem lógica alguma, pois não passa de uma adulteração à nossa lingua portuguesa.
    Vamos continuar a combater com todos os meios e com toda a coragem.
    PARABENS!

    • Elmiro Ferreira on 30 Junho, 2013 at 4:34
    • Responder

    Felicito-a, Maria José Abranches, pelo empenho e coragem na luta contra os “acorditas”. Estes, da “Transparência e Integridade”, pelos vistos demonstram alguma dificuldade de entendimento, tratando-se de escrever o nome de Maria José Abranches. Aliás, sem querer generalizar, há associações ditas de defesa disto e daquilo, mas quanto à Língua materna, o maior bem, o mais estimável e que sempre deve merecer o nosso respeito, aí escondem-se atrás dos tratados, celebrados à sombra dos gabinetes, abastardam-na.
    É também o caso da DECO, defesa dos consumidores que são todos os portugueses, ela não vê qualquer interesse na defesa da sua Língua. E não só não a defende, como ainda se aplica em seguir a “banda” do AO90.
    É de muita coragem que precisamos, a exemplo de Maria José Abranches e outros, para varrer essa coisa dita “Acordo Ortográfico”.

    • raul mesquita on 30 Junho, 2013 at 4:35
    • Responder

    Estou em perfeita sintonia com a D. Maria José Abranches e surpreende-me que responsáveis do TIAC venham dizer que “a maioria” dos jornais utiliza o aborto ortográfico sobretudo, porque temos uma lista Longa de nomes de profissionais da escrita que recusam a aplicação de tal disparate.
    Convém também lembrar que nem todos os países de língua portuguesa estão dispostos a rectificar o dito “Acordo”. Sugiro a leitura de um excelente artigo do Jornal de Angola que diz todo o contrário que o senhor do TIAC.
    O problema maior que vejo em todo este projecto — que mesmo os brasileiros não querem — é um de subserviência nacional. Os nossos “progressistas” avançaram na modiificação da Língua sem sequer pedirem opinião aos es+ecialistas.
    Ensino nos níveis 7, 8 e 9 e nunca na vida mostrarei aos alunos outra forma de escrever que a verdadeira Língua Portuguesa de que me orgulho.
    Quem deve estar pasmado é Fernando Pessoa…o tal que disse que a minha Pátria é a Língua Portuguesa.
    Pobre Fernando! O que estão a fazer à nossa Língua! Perdoai-lhes Senhor…

    rm

    • Maria do Carmo Vieira on 30 Junho, 2013 at 9:00
    • Responder

    A grande diferença entre acordistas e não acordistas está claramente evidenciado no texto da professora Maria José Abranches: apresenta argumentos inteligentes que não se baseiam no diz-se, diz-se, nem, como tantas vezes acontece, na ignorância. A minha profunda gratidão, pois, à Colega.

    Admiradora da frontalidade e do espírito crítico do Dr. Paulo Morais surpreendeu-me a argumentação tão provincianamente apresentada, para além da lamentável ostentação de ignorância em relação ao deplorável processo que acompanhou este AO. Não é próprio de quem cultiva um saudável e libertador espírito crítico e de quem procura informar-se para falar à vontade sobre o assunto. Ignorância, ignorância e mais ignorância, à mistura com alguma ingenuidade, e sobretudo gosto em extasiar-se perante a ignorância e a estupidez em que assenta o AO – eis o que ostenta a resposta da TIAC. Dr. Paulo Morais, aconselhava-o vivamente a estudar e a reflectir sobre o que se passou em relação ao AO. Saberá, por exemplo, que o Ministério da Educação foi totalmente contrário à aplicação do AO e que o seu parecer foi deitado ao lixo? Não o perturba esta situação e muitas outras afins? Convidava-o a reflectir e a estudar o assunto, pois a argumentação apresentada demonstra que, lamentavelmente, nada conhece. Essa postura não se lhe adequa.

    • Maria Fernanda Pinto on 30 Junho, 2013 at 12:56
    • Responder

    Não acredito que ainda haja gente dentro de Portugal que manifeste uma total desenvoltura, quanto ao futuro da língua portuguesa! Desenvoltura ou ignorância?
    Vivo há 40 e tal anos em Paris, nunca tendo deixado de “empregar” a minha língua. Assisto aqui, no ramo do ensino, às mais trágicas explicações sobre o tal A.O. recusado por Angola, Moçambique e pelo Brasil se tiver “tento na bola”!!! Tive a ocasião de dizer em público, este mês, a um senhor responsável pelas “Kólturas” linguísticas, que para exemplo, quando aprendi francês em Lisboa, não me ensinaram nem o francês do Québec, nem do Mali, etc; mas o francês de França (que teve a inteligência de registar o dicionário, não fosse algum “taradinho moderno” querer “negociá-la” a troco de um bem monetário). Disse também que as duas línguas latinas que nós temos é a portuguesa e a francesa. Nesta última ninguém toca, porque protegida. Na portuguesa, os “chicos espertos e modernistas”, querem fazer algo de…indefinido! Troca por…vamos saber tudo dentro em pouco, muito pouco, e então vai ser bonito, caros compatriotas vendedores!!!
    O Ministério da Educação foi totalmente contrário à aplicação do AO e a T.I.A.C (?) não está ao corrente? Safa!!! Vive numa ilha sózinha?

  4. Para Maria José Abranches em especial, e para todos os leitores e colaboradores deste sítio da ILC, deixo, como mais um exemplo neste âmbito, uma recente entrada de Pedro Quartin Graça no Estado Sentido, e na qual comentei…

    http://estadosentido.blogs.sapo.pt/2896762.html

    … Neste caso com a particularidade de o autor do «manifesto» em causa não ser conhecido (eu, pelo menos, não sei quem é) – aliás, já o tinha recebido antes por correio electrónico. Mas, mais uma vez, a mesma contradição, e a ignorância, por parte de certas pessoas, de que um «protesto» também passa – também começa – pela forma em que se escreve…

    Para Elmiro Ferreira em particular, que muito bem lembrou o caso – vergonhoso – da DECO…

    http://mil-hafre.blogspot.pt/2011/01/uma-mensagem-para-deco.html

    • Jorge Teixeira on 1 Julho, 2013 at 11:32
    • Responder

    Acho curioso que os senhores da TIAC não atentem na definição de corrupção que perfilham. Cito: “Assumimos para isso o conceito de corrupção como sendo o abuso de um poder delegado para benefício próprio ou de outros.”

    Ora o que é o AO90 senão um abuso do poder delegado no Governo para benefício apenas dos seus patronos? Não é isto corrupção, segundo a definição perfilhada pela TIAC?

    • Luis Monteiro on 1 Julho, 2013 at 12:24
    • Responder

    Na minha ótica….nem sei que ouvir(?)

    • Maria Fernanda Pinto on 4 Julho, 2013 at 23:23
    • Responder

    No meu comentário de há 4 dias, resultado de uma plémica recente, nomeei duas línguas latinas o português e o francês. Resultado, como alguém me fez lembrar a minha incorreção, apresento as minhas desculpas à Itália e à Roménia!

    • Maria Fernanda Pinto on 4 Julho, 2013 at 23:25
    • Responder

    corrijo: polémica

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