(citações de) «Uma reforma falhada» [João Guisan Seixas, GT AO90]

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Transcrevemos seguidamente algumas citações do texto de João Guisan Seixas com o título “Uma reforma ortográfica que gera mais excepções das que resolve é uma reforma falhada“, publicado em “Contributos” na página do Grupo de Trabalho parlamentar sobre o AO90.

Esta selecção de citações curtas não segue um critério rígido, destinando-se apenas a ilustrar com alguns exemplos um documento cuja leitura na íntegra recomendamos vivamente.

«Defender a “nova ortografia” por ser nova, e desqualificar a actual por ser “velha” (velha de 68 anos, mas para uma ortografia, é ser adolescente), é uma forma de raciocínio irracional.»

«Esvaziar a língua culta de cultura (fazer uma língua escrita em função de que as pessoas possam adquiri-la sem terem hábitos de leitura) é como esvaziar a piscina de água para facilitar a aprendizagem a pessoas que não sabem nadar.»

«Para as pessoas que se movem nessa maionese mental [privilegiar a língua oral sobre a escrita] pensar que uma mudança na escrita possa condicionar uma mudança na pronúncia, é heresia elitista merecedora do maior dos anátemas.»

«Eu considero, alias, que custa mais a assimilar que “fato” não leva “c” e “factual” sim. Ou que um “noctâmbulo” que resolveu trabalhar como guarda “noturno” já não sabe onde colocar o “c”.»

«Os utentes de uma língua escrita não devem saber nada de etimologia, nem de semântica. A língua escrita só deve tributo à língua falada, à fonética… Não faltava senão dizer, num populismo apenas um poucochinho mais radical, que os utentes de uma língua escrita não têm por que saber ler e escrever…»

«Eu sei que haverá quem negue isto taxativamente [alteração da pronúncia por via da queda das consoantes ditas mudas] e mesmo com certa suficiência doutoral. Na linguística há modas, e toda a moda tem necessariamente a sua dose de imbecilidade, ou então não era moda.»

«O argumento não deixa, porém, de ser engraçado: como isto acontece em meia dúzia de casos nalguma das dessas línguas [queda dos “c” e “p” ditos mudos], vamos fazer com que aconteça, no português, em mais de mil casos, e a respeito de todas elas! Esperemos que os médicos não mandem decapitar as pessoas, a partir de agora, por padecerem dores de cabeça.»

«Devemos ensinar os nossos alunos a vencerem as dificuldades. Se eliminarmos as dificuldades, o que vão eles aprender? O que é melhor, colocar tapetes rolantes ou pistas de atletismo, e mesmo alguns obstáculos nelas, para que conseguir que os seus corpos se desenvolvam?»

«O AO converte o português numa ilha foneticista no meio das principais línguas de cultura internacional, que, não por acaso, mantêm, pelo menos neste aspecto, um critério marcadamente etimologista.»

«Eu conheci um brasileiro que dizia que, quando abria um livro escrito à portuguesa, mal chegava à primeira ocorrência da palavra “facto” deixava de entender o que ali estava escrito e largava o livro. Como, mesmo depois do AO, os autores não brasileiros vão continuar a escrever “facto”, acho que este senhor (e como ele milhões de brasileiros) vão continuar a largar os livros “de facto”.»

«Se o que se pretende é, sob o disfarce da pseudo-unificação ortográfica, que o resto dos falantes de português do mundo passem a escrever e falar exactamente igual que os brasileiros, que se diga. Por que, se não, não se sabe muito bem o que adianta o enorme incómodo e confusão que provoca o acordo ortográfico que se pretende impor. »

«Então, serão as coitadas das consoantes ditas mudas, e não as políticas culturais (ou a sua falta, por exemplo a escassa valorização da função docente no Brasil, ou o escasso interesse de Portugal pela lusofonia, que contrasta com o da França pela francofonia) um empecilho para o acesso dessas massas de população à cultura? [acerca das populações com difícil acesso à educação] »

«No meu processador de texto, na ferramenta de correcção ortográfica, encontro 5 normas diferentes de alemão, 16 de árabe, 5 de chinês, 21 de espanhol, 15 de francês e 18 de inglês, línguas todas que têm as portas abertas em muitos organismos internacionais em que o português não as tem. De português só aparecem duas. É esse realmente o problema?»

«Eu sou profundamente internacionalista, não considero nenhum ser humano estrangeiro e portanto dificilmente posso ser xenófobo (digamos que “por falta de mercado”). Eu sou contra o AO precisamente por universalismo. O AO tenta ser um pano feito de remendos de vários nacionalismos, que não cobre nem uns nem outros. Uma norma realmente universal é feita de um tecido único.»

«Ora eu acho estranho que os portugueses achem normal que o Brasil defenda os seus interesses particulares na hora de negociar um acordo ortográfico, mas não consideram legítimo que Portugal faça o mesmo.»

«Para começar, esta é uma dialéctica completamente demagógica [sobre o exemplo de pharmácia] que parte da crença irracional de que qualquer coisa nova é boa e qualquer coisa velha é má. É como se, para desautorizar os protestos ecologistas contra a construção de um auto-estrada que invade uma zona de criação de espécies em perigo, a empreiteira os acusasse de serem iguais aos retrógrados que, no século XIX, se opunham à construção dos caminhos de ferros.»

«Hoje em dia o português de Portugal é língua de prestígio e padrão linguístico em toda a lusofonia excepto o Brasil.»

«Alguns meios colocam este anúncio: “Este texto está escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico”. Eu não sei de que apocalipse nuclear, ou catástrofe natural nos abriga o AO.»

«Se a partir de agora toda essa fonte de conhecimento vai ficar inutilizada [sobre o conjunto de bibliotecas dos países lusófonos] por um capricho de uns filólogos (em muitos casos com declarados interesses editoriais) acho que não é motivo de brincadeira. É uma intervenção séria que não se deveria realizar se não fosse por algum bem superior, que não é esta falsa unificação cheia de grafias duplas.»

«Como o ódio à cultura subjaz, como dissemos, na destruição sistemática dos “grupos cultos”, não estranha que isto se considere um mal menor da parte dos que a defendem. Para que precisam essas palavras de “c” ou “p” se não se pronunciam? Para que precisam essas pessoas de bibliotecas se não as usam? Se isto não é um programa propositado de analfabetização, é um acto de uma inconsciência arrepiante.»

«Aprender a fina arte da escrita histórica da língua acho que é um bom treino. Transcrever a pronúncia como em taquigrafia é uma óptima introdução ao pensamento reducionista, pai de todos os disparates da história da humanidade, entre os quais este Acordo.»

«Uma norma deve ser, antes de um reflexo de como pronunciam os falantes de hoje, um modelo para a pronúncia dos falantes de amanhã. E se tentarmos seguir dois modelos ao mesmo tempo corremos riscos de ficar zarolhos. É como se o código da estrada “unificado” de Inglaterra e os EUA dissesse: “pode-se circular, quer pela esquerda, quer pela direita segundo se vir fazer à maior parte dos utentes que circulam pela via…”»

João Guisan Seixas

Professor de Língua Portuguesa e escritor

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6 comentários

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  1. Gostei. Interessante e irónico ao mesmo tempo. A ironia, tal como a caricatura ou a vulgar anedota, podem ser armas preciosas contra a besta que nos querem impingir.

  2. Excelente! Vale a pena ler na íntegra, decididamente. Bem, valeria a pena ler só pela expressão “maionese mental”… 🙂 Mas aqui se demonstra uma vez mais que quem é contra o AO90 é porque já se deu ao trabalho de pensar sobre o assunto e não se ficou pela publicidade enganosa.

  3. Os defensores do acordo sabem apenas invocar, erradamente, o PH de pharmácia e dizer que é novo e bonito e bem-cheiroso. Quem pensa, depressa descobre que de novo não tem nada e de bonito e bem-cheiroso ainda menos.

    Este texto resume bem as diferenças entre os acordos, especialmente no que toca à pronunciação das vogais. Abertas quanto a palavra termina em mente ou zinho ou quando antes de c ou p. NO AO90 são abertas se fizerem parte da lista que é preciso empinar.

  4. A partir de agora, os meus computadores vão estar todos em inglês… não quero um tablet com Acordo Ortográfico ou o Windows 8 com “aspetos” e “atualizações”…

  5. Tese esclarecida. Completa e resumida q.b. e muito bem argumentada. Desfaz todos os mitos do famigerado caco gráfico. Os senhores deputados só por cegueira ou fatal falha de raciocínio podem ficar sem entender o erro enorme deste disparate cacográfico. Não os teno todos nessa conta, embora o risco não seja de desprezar.
    Deve ler-se e reler-se.

    • Jorge Teixeira on 12 Março, 2013 at 12:42
    • Responder

    @Gonçalo o meu telemóvel é Android, e uso-o em inglês porque em “português” é absolutamente horrível.

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