Sou um Velho do Restelo com vinte e dois anos de idade, estudante de línguas e linguísticas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e afirmo com toda a certeza que os afrontamentos ao Acordo Ortográfico de 1990 não o são, na sua esmagadora maioria, por aversão à mudança. Nem tudo o que é novidade é bom.
A língua Portuguesa não precisava de uma revisão ortográfica. A língua mais poderosa do mundo, o Inglês, nunca necessitou de se adaptar às suas variantes, aliás, uma das razões da sua força reside exactamente no respeito pela identidade linguística de cada país anglófono. O comummente apresentado argumento da “simplificação” da língua também não passa de uma falácia. O Japonês e o Chinês dispõem de milhares de caracteres diferentes, que as crianças aprendem com a menor das dificuldades. O Inglês e o Francês, ambos línguas de força pelo mundo fora, apresentam um cariz etimológico que em nada dificulta a aprendizagem. Ao contrário do que os defensores desta reforma ortográfica querem fazer parecer, a existência de consoantes mudas (falsamente mudas, no caso do Português Europeu) em nada são um entrave à aprendizagem da língua.
O Acordo Ortográfico não trouxe nenhuma vantagem a Portugal, apenas fez levantar um sentimento de ressentimento para um povo que, já alvo de tanta chacota e sofrimento, se viu obrigado a entregar a própria língua às mãos de um punhado de linguistas que não reflectem a vontade de milhões de Portugueses.
Na minha faculdade são muito poucos os alunos que escrevem com o Novo Acordo, e ainda menos aqueles que concordam ou se identificam com ele. Os poucos que se convertem não o sabem utilizar, nem nunca saberão, com a quantidade absurda de duplas-grafias, excepções, e puros erros que o Novo Acordo introduziu.
Outro efeito nefasto desta reforma ortográfica, mais subtil mas não menos assustador, é a perda da presença de Portugal na Internet. A dificuldade em encontrar uma webpage nacional, ou até simplesmente escrita em Português Europeu (seja esse Português com Novo Acordo ou não), é muitíssimo elevada. Pelo que até um dos argumentos iniciais a favor desta reforma, o fortalecer da presença do Português de Portugal na Internet, acabou por originar exactamente o oposto.
Não é nada tarde para se voltar atrás. Se o fizer, o governo ouvirá apenas os cidadãos a suspirarem um aliviado “até que enfim”, e as crianças que por esta reforma foram lesadas aprenderão as regras correctas num período de tempo múltiplas vezes mais rápido do que a adopção do Acordo demorará. Pois, aliás, a maioria da população nem sequer se dará ao esforço de aprender as novas regras.
O caminho de regresso não é difícil, difícil é caminhar em frente, contra tudo e todos, contra um povo que, de tão cansado que está, apreciaria poder voltar a ter orgulho no seu país, não sentir que à venda estão até as palavras que falam e escrevem.
Mário Coelho
[Transcrição integral de texto da autoria de Mário Coelho no “fórum” do Grupo de Trabalho parlamentar sobre o AO90.]
9 comentários
Passar directamente para o formulário dos comentários,
Caro Mário,
Obrigada por uma tão madura apreciação de tantos dos fundamentos pelos quais todos nós devemos rejeitar – e mostrar publicamente que o fazemos – o “Acordo” Ortográfico que, como está à vista, mais não veio do que instalar o caos ortográfico, depois de séculos de laboriosa construção e aperfeiçoamento de uma norma. O poder político tem de saber voltar atrás, como o fez na barragem do Foz Côa. Excelente o exemplo das outras línguas.
Perfeito na sua simplicidade e certeira clareza. Obrigado, Mário Coelho.
Mario Coelho: assinar, divulgar, é o caminho a apresentar à faculdade de letras. Em nome da erudição, e contra a imbecilização progressiva do aluno. Não queremos para nós o cenário pedagogico que vigora nas faculdades brasileiras. O levantamento das nossas escolas, contra a peste “AO”, é necessario à sobrevivencia de uma mente livre a pensar em português.
Muito bem!
A questão que levanta, da Internet, é importantíssima. As páginas de Portugal quase desapareceram no que diz respeito ao Direito! O mesmo se passará com outras matérias. Sendo hoje a internet um auxilidar importante de estudo os alunos portugueses estão sujeitos – e alguns sem disso se darem conta – a usarem, por exemplo, artigos da wikipedia brasileira (porque, no essencial, é exactamente isso), com artigos que vão do vagamente inteligível até à pura agramaticalidade!
É espantoso como tudo isto não incomoda Crato ou o secretário de estado da cultura!
Cara Ana Isabel Buescu :
Não convinha misturar os assuntos, pois no caso de Foz Coa o recuo do governo português foi uma grandessíssima asneira…
Há aqui um ponto importante, que é a demagogia estar a recorrer ao argumento “já se ensina nas escolas às criancinhas, agora não se pode alterar porque as pobres crianças tinham de aprender de novo”. Isto é uma pura mentira, porque:
1. Não se está a ensinar o AO90 às criancinhas. O que se está é a improvisar um ensino perfeitamente disparatado, dado que nem a coisa é tão desprovida de sentido que não pode ser ensinada de forma coerente.
2. As crianças podem ser re-treinadas nas regras correctas de forma muito fácil, dado que a ortografia correcta é sistemática, coerente e providencia um conjunto de regras que faz sentido. Qualquer pessoa, e especialmente crianças, podem evoluir de forma indolor do chorrilho de asneiras para a ortografia correcta graças à estrutura da ortografia correcta. A adaptação será rápida, eficaz e indolor.
Obrigado, ‘Velho do Restelo’, pelas tuas jovens e sábias palavras! Na verdade “O Acordo Ortográfico não trouxe nenhuma vantagem a Portugal, apenas fez levantar um sentimento de ressentimento para um povo que, já alvo de tanta chacota e sofrimento, se viu obrigado a entregar a própria língua às mãos de um punhado de linguistas que não reflectem a vontade de milhões de Portugueses”. Um punhado de lunáticos, acrescento, que à revelia de tudo e todos ofereceram o nosso maior legado – a Língua – a uma potência estrangeira. Sim, porque o Brasil é (há muito tempo) uma nação independente, com uma realidade económica, social e cultural bem diversa da nossa. Isso nota-se nas páginas dos livros (sobretudo técnicos), na comunicação social e, como muito bem aponta Sc, na wikipedia, com textos “que vão do vagamente inteligível até à pura agramaticalidade!”
Oxalá possamos inverter este processo, trazendo de volta o ‘nosso Português’, a língua falada e escrita pelos nossos pais, que será também a dos nossos filhos.
Excelentes de facto os exemplos de outras línguas. Eu destacaria apenas as línguas “irmãs” vindas do latim como a nossa: a etimologia é, em todas elas, importantíssima, permite manter laços de afinidade e familiariedade (p.e., com regras acordesas tornar-se-à muito mais difícil aprender francês, e mesmo espanhol) e, mais que isso, permite sistematicamente a associação de palavras de uma mesma família.
A esse respeito, mesmo o inglês tem consoantes mudas, sabiam?! Claro que sabiam, mas os “acordeses” provavelmente não: vejam p.f. este video, excelente exemplo: http://www.youtube.com/watch?v=YvABHCJm3aA&feature=youtu.be
Já agora: tomando o inglês, francês ou espanhol como bons exemplos do que se deve (não) fazer com uma língua: nenhuma delas se escreve como há 500 anos atrás (tentem ler Shakespeare no inglês “original”), mas nenhuma delas precisou de acordos para tal: as línguas evoluem naturalmente, qual árvore absorvendo a benfazeja chuva: querer aplicar-lhe à força um acordo é decepá-la.
Caro Jorge Pacheco de Oliveira,
Sem querer entrar em polémica, eu não misturo os assuntos, longe disso; o que digo é que há precedentes no facto de o Governo Português, em matéria sensível, polémica e aprovada, ter voltado atrás. Isto é independente da matéria em análise.
Saudações anti-acordistas e, recentrando no que interessa, mais uma vez parabéns ao Mário Coelho