Como propagandear a “necessidade” de um absurdo? Assim.

mentiraARNALDO NISKIER

Somos um país sério?

Quase 200 milhões de brasileiros aderiram ao Acordo Ortográfico e o governo adia sua entrada em vigor para nada

A história do marechal Charles De Gaulle tornou-se clássica. Num dado momento, lançou a dúvida: “O Brasil é um país sério?”. Muitos de nós ficamos chocados. Isso feriu o orgulho nacional.

Agora, a frase voltou à tona, a propósito da decisão do governo de adiar para 2016 a entrada em vigor do decreto assinado em agosto de 2008, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a propósito do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa. Mais três anos, para nada.

Houve uma adesão quase unânime do lado brasileiro.

Os nossos irmãos portugueses e algumas nações luso-africanas, como Angola e Moçambique, por interesses variados, resistiram à adoção, que tem por finalidade essencial a simplificação da escrita do nosso idioma. Nada mais do que isso. E com um claro objetivo estratégico: postular assim a oficialização do português como língua de trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU), o que eleva o nosso status internacional.

Também aqui há os recalcitrantes, que só agora se manifestam. Silenciaram em 1990, quando o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi assinado, e em 2008, quando se estabeleceu o prazo fatal para a unificação pretendida.

Somos obrigados a ler até alguns absurdos, como o comentário de que isso se fez de forma burocrática, sem audiências públicas, ou por “reformadores de plantão”. Aqui, uma clara agressão à memória de um dos grandes brasileiros que se debruçaram sobre o assunto, como é o caso do acadêmico Antonio Houaiss.

Antes de ser cassado, por motivos políticos, dedicou parte ponderável da sua vida, como filólogo consagrado, à discussão interna e externa dessa problemática. Só colheu aplausos.

O Brasil aderiu com entusiasmo ao acordo. Livros, jornais e revistas passaram a ser escritos com as novas normas. Centenas de concursos públicos, como é o caso do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem (4 milhões de jovens), foram realizados com essa marca, aparentemente irreversível.

São quase 200 milhões de brasileiros que hoje escrevem de forma simplificada. Mudar esse quadro não foi desrespeitoso?

Numa prova eloquente da sua modernidade, o nosso país aceitou as recomendações da Academia Brasileira de Letras (ABL), no que tange às suas 200 mil escolas. Mesmo as do interior, como se atesta na Olimpíada de Língua Portuguesa, deixaram para trás os tempos de voo e enjoo com acento circunflexo.

De mais a mais, o que muitos desconhecem, há um decreto presidencial em pleno vigor, datado de 1972, que dá à Academia Brasileira de Letras as prerrogativas de ser a última palavra em matéria de grafia. Os mal informados ou mesmo os ignorantes desconhecem isso e aí só nos resta lamentar esse retrocesso.

«ARNALDO NISKIER, 77, doutor em educação, é membro da Academia Brasileira de Letras e presidente do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE-RJ). É autor do livro “Memórias de um Sobrevivente” (Nova Fronteira)»

[Transcrição da… transcrição do “site” Ciberdúvidas (Portugal)]

[Original publicado no jornal “Folha” (Brasil)]

[Imagem (cópia) do “blog” Olhar Comportamental, “post” com o título “Mentira – Como detectar“.]

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7 comentários

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    • Hugo X. Paiva on 16 Janeiro, 2013 at 23:32
    • Responder

    Quer dizer: mais ou menos idêntica. Primeiro, porque dessas 250 milhões de pessoas apenas uns 15% são vagamente alfabetizadas. Desses 15%, pelo menos 10% é de nacionalidade portuguesa

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2009/01/090102_ivanlessa.shtml

    • Manuela on 17 Janeiro, 2013 at 12:55
    • Responder

    Ele, Arnaldo Niskier, está cheio de marra ao fazer este comentário. A Língua é Portuguesa e quem devia tomar a frente sempre é Portugal. Nós falamos um Português muito diferente, no meu entender já era para ter a Língua Brasileira.
    ” ….Aqui, uma clara agressão à memória de um dos grandes brasileiros que se debruçaram sobre o assunto, como é o caso do acadêmico Antonio Houaiss…..”. Como assim? O Houaiss é dono da Língua??
    A culpa é nossa, portugueses, que deixamos eles tomarem a frente num “pepino” desses e ainda acatamos de joelhos. Não é senhores deputados??

    Tomem vergonha na cara e acabem logo com essa porcaria, já que a população de Portugal não quer.

  1. Pois é, caro Arnaldo Schwarzenegger (perdão, Niskier), “são quase 200 milhões de brasileiros que hoje escrevem de forma simplificada”. Tão simplificada que nem parece português. Depois temos a questão, por sinal falaciosa, que tem a ver com o número de falantes do português no Brasil: 200 milhões… Alguém, minimamente lúcido, acredita nisso? Será que a língua falada naquele país ainda é português? Assistindo aos episódios da Gabriela e de outras novelas, falando com cidadãos brasileiros (cá ou lá) ou, simplesmente, consultando os jornais, não parece. E depois do desconchavado AO90, que nada uniformiza, as diferenças nos dois lados do Atlântico serão ainda maiores. Infelizmente.

    • Jorge Teixeira on 17 Janeiro, 2013 at 14:35
    • Responder

    O Arnaldo Niskier é claramente uma pessoa mal informada. Por motivos de trabalho tenho bastante contacto com Brasileiros que vivem no Brasil, e, fora documentação de organismos oficiais, nenhum deles escreve segundo o AO90. Todos escrevem segundo o formulário ortográfico de ’43.

    • Maria Miguel on 18 Janeiro, 2013 at 12:19
    • Responder

    Vejo gravidade nesta “lei” de “1972, que dá à Academia Brasileira de Letras as prerrogativas de ser a última palavra em matéria de grafia”.
    Não conferi tal facto, mas, perante tanta informação transmitida por interessados em negócios engendrados pelos próprios interessados, já não acredito em afirmações legais, constitucionais: fáceis de argumentar porque poderão ter sido feitinhas à medida… Porém, se assim é, daí a gravidade: os pareceres serão encomendados e pagos a quem redigir o documento mais conveniente. Onde fica a opinião dos restantes (na maior parte, os mais sábios para fundamentarem pareceres) utilizadores da Língua?
    E como é que terão sido seriados os elementos que integram estas comissões decisoras? Por factores independentes, íntegros, inteligentes, respeitadores do que não lhes pertence por testamento ou herança? Por conta-partidas? Perguntar não ofende! O que ofende é a ausência de respostas com nexo.
    Ó clemencia! Que chegues tu rapidamente além e aquém!
    Bem-haja

    • Jorge Teixeira on 18 Janeiro, 2013 at 15:07
    • Responder

    Essa “lei” de 1972, a existir, será mais um aborto produzido pelo vício legislativo de países como o Brasil e Portugal, onde o valor da Liberdade nunca foi respeitado. Não há um único país com a Liberdade inscrita nos seus valores nucleares que tenha organismos que “legislem” a língua e a ortografia. Nenhum. Nesse aspecto dever-se-ia tentar copiar os bons exemplos (os E.U.A.) e não os péssimos (a Alemanha).

    • Hugo X. Paiva on 18 Janeiro, 2013 at 21:15
    • Responder

    Para quem andou a gritar ao mundo que ninguém é dono da língua, não está mal não senhor. Em questões de língua o Brasil que se sirva como quiser, desde que seja para consumo interno.

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