«A “estandardização” da língua portuguesa» [“Jornal de Angola”, 26.10.12]

Constata-se, actualmente, que, por parte da maioria dos Estados, se mantem a secular tendência unificadora para reduzir a diversidade, em prol de comportamentos adversos à diversidade cultural e ao pluralismo linguístico. Para tal, tem contribuído a actual planetização da economia, cuja “teologia do mercado”, ao não servir maioritariamente as diferentes comunidades e ao impor regras deterministas que obrigam as pessoas a submeterem-se, religiosamente, às mesmas em vez do contrário, acaba por interferir na comunicação e na cultura, afectando as relações e as formas de interacção, que garantem a coesão interna de cada comunidade linguística.

A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos surge em Barcelona, em 6 de Junho de 1996, e foi promovida pelo Comité de Traduções e Direitos Linguísticos do PEN Clube Internacional e pelo Centro Internacional Escarré para as Minorias Étnicas e as Nações – CIEMEN. Tem por objectivo corrigir os desequilíbrios linguísticos, de modo a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as línguas, para além de estabelecer os princípios de uma paz linguística planetária justa e equitativa, como factor principal da convivência social. Como resultado de um largo processo de reflexão, iniciado em Setembro de 1994, e contando com a colaboração de 32 centros PEN e 64 organizações do mundo inteiro que trabalham na investigação jurídica, linguística, sociológica e na defesa dos direitos dos povos, esta Declaração tem como preocupação, em primeira instância, as comunidades linguísticas e não os Estados. Daí que se inscreva no esforço levado a cabo por instituições internacionais, com propósitos direccionados para a garantia de um desenvolvimento sustentado e equitativo para toda a humanidade.

Do ponto de vista dos princípios gerais, a Declaração Universal de Direitos Linguísticos considera que todas os idiomas são a expressão de uma identidade colectiva e uma maneira particular de perceber e descrever a realidade, pelo que devem gozar das condições necessárias para o seu desenvolvimento em todos os domínios. Refere esta Declaração, no seu artigo 7º, que “cada língua é uma realidade constituída colectivamente, logo, é no seio de uma comunidade que ela se coloca à disposição dos seus membros, como instrumento de coesão, de identificação, de comunicação e de expressão criativa”.

Entre outros princípios, no seu artigo 10º, afirma que todas as comunidades linguísticas são iguais em direitos e considera inadmissíveis as discriminações resultantes de critérios assentes no grau de soberania política, situação social, económica ou qualquer outra, assim como o nível de codificação, actualização ou modernização que as línguas tenham alcançado. Com base no princípio da igualdade, refere também que se devem estabelecer as medidas indispensáveis para que essa igualdade seja de facto efectiva e fundamenta todos os seus objectivos em princípios universais e de justiça social, que configuram muita documentação relevante do direito internacional.

Ao ser solicitado para comentar a proposta de “estandardização internacional da língua portuguesa”; ou seja, o Acordo Ortográfico de 1990 (AO), o Comité de Tradução dos Direitos Linguísticos (CTDL) do PEN Internacional, no seu Encontro de 4 a 6 de Junho de 2012, expressou uma grande simpatia pela posição do Centro Português do PEN, cujos membros, maioritariamente, se opõem ao AO. Dentre os aspectos que fundamentam a Resolução do CTDL do PEN Internacional, unanimemente aprovada no seu 78º Congresso, constam as seguintes:
– São aspectos meramente administrativos e comerciais, que estão na origem do Acordo Ortográfico de 1990, o que, sendo uma fraca base de partida, pode prejudicar seriamente, a língua portuguesa, já que um idioma não é, primariamente, um instrumento administrativo ou comercial. “Estes aspectos equivalem a actividades superficiais e utilitárias que requerem o que poderia chamar-se dialectos simplificados, tangenciais à língua viva” quando esta “favorece a criatividade, a imaginação, a iniciativa científica; “ela adapta-se ao mundo real no qual vivem pessoas com as suas múltiplas diferenças e particularidades”.
– Os membros do CTDL constataram também que “tentar centrar uma língua em prioridades administrativas e/ou comerciais é enfraquecê-la.

[Transcrição integral de artigo publicado no “Jornal de Angola” de 26.10.12. “Links” inseridos por nós.]

Imagem criada por Paula Blank

[Nota: os conteúdos publicados na imprensa ou divulgados mediaticamente que de alguma forma digam respeito ao “acordo ortográfico” são, por regra e por inerência, transcritos no site da ILC já que a ela dizem respeito (quando dizem ou se dizem) e são por definição de interesse público (quando são ou se são).]

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1 comentário

    • Maria de Jesus on 1 Novembro, 2012 at 20:38
    • Responder

    Excelente artigo! Continuem, Jornal e autores, a esclarecer, a revelarem-se seres pensantes porque sabem o quanto é ilegal e ridículo o “acordo ortográfico” – fonte de todos os desentendimentos e de posições nulas, por isso arrogantes, de conhecimento de tutelas brasileiras e portuguesas. Basta procurá-las.
    Cumprimentos

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