Carta aberta aos governos de Angola e de Moçambique [por António de Macedo]

CARTA ABERTA AOS GOVERNOS DE ANGOLA E DE MOÇAMBIQUE

Sem menosprezo pelos restantes países da comunidade lusófona, dirijo-me especialmmente a Angola e a Moçambique porque foram os únicos países, até agora — que eu saiba —, cujos parlamentos (Assembleia Nacional de Angola e Assembleia da República de Moçambique) ainda não ratificaram o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).

Tive notícia que o conceituado escritor angolano José Eduardo Agualusa e o não menos conceituado escritor moçambicano Mia Couto decidiram aderir, recentemente, ao AO90. São decisões pessoais e sem dúvida respeitáveis que não me cabe comentar.

Em declarações proferidas em Braga, Agualusa teria dito que «o acordo não tem importância nenhuma, é irrelevante», porque «o que conta mais é o absurdo de haver duas ortografias» (Correio do Minho, 23 de Junho de 2012).

Por sua vez Mia Couto é favorável à ratificação do AO90 por parte de Moçambique porque «o país não podia ficar uma ilha e à margem da nova situação provocada pela vigência da ortografia aprovada pela maior parte dos países da CPLP» (Expresso, 8 de Junho de 2012).

Em que pese a estas intenções mais poéticas do que realistas, o duro facto é que o AO90 vem consagrar duas ortografias — pelo menos — bem diferenciadas: uma para Portugal e outra para o Brasil, com singular menoscabo pelas eventuais peculiaridades ortográficas dos restantes países da CPLP, que provavelmente terão de aderir ou a uma, ou a outra — a menos que surjam terceiras e quartas alternativas para os casos específicos de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor…

Alinharei em seguida três grupos de palavras com a ortografia que lhes é consagrada, pelo AO90, quer para o Brasil, quer para Portugal:

No Brasil:

(1) objeto, exato, exceção, diretiva, adotar, ato, afetivo, atividade, ator, elétrico, direção, ótimo, seleção, coleção, etc.

(2) contato, fato, seção, prêmio, oxigênio, colônia, atômico, etc.

(3) acepção, abjecção, objectar, táctica, decepção, antisséptico, conjectura, anticonceptivo, insecto, retrospectiva, infectar, aspecto, perspectiva, recepção, percepção, receptivo, respectivo, etc.

Em Portugal:

(1) objeto, exato, exceção, diretiva, adotar, ato, afetivo, atividade, ator, elétrico, direção, ótimo, seleção, coleção, etc.

(2) contacto, facto, secção, prémio, oxigénio, colónia, atómico, etc.

(3) aceção, abjeção, objetar, tática, deceção, antissético, conjetura, anticoncetivo, inseto, retrospetiva, infetar, aspeto, perspetiva, receção, perceção, recetivo, respetivo, etc.

Chamo a atenção para as semelhanças e diferenças: são de facto dois modelos bastante distintos do AO90, a pensar exclusivamente no Brasil e em Portugal, como se mais nada existisse no espaço lusófono. Dois modelos perfeitamente enquadrados: um delineado para o Brasil, outro delineado para Portugal. E já nem discuto nem repiso a falácia da tão apregoada «uniformização» ortográfica.

Quando José Eduardo Agualusa (angolano) e Mia Couto (moçambicano) declaram a sua adesão ao AO90, será que sabem ao que é que estão a aderir? Ao modelo do AO90 para Portugal, ou ao modelo do AO90 para o Brasil?

Perante estes dois modelos vigentes do AO90 escusado será dizer que a atitude correcta seria a suspensão imediata do Acordo, atendendo aos «estrangulamentos» e «constrangimentos» denunciados na Declaração Final da VII Reunião dos Ministros da Educação da CPLP (30 de Março de 2012), na qual se reconhece a necessidade de se proceder a um «diagnóstico» relativo a esses mesmos constrangimentos e estrangulamentos inevitáveis na aplicação do AO90.

Em consequência, dirijo-me publicamente aos governantes de Angola e de Moçambique, e especialmente a estes dois pelas razões já invocadas, porque, caso venham a ratificar o AO90, vão ter de optar necessariamente por um dos dois modelos atrás referidos, com especial atenção às soluções que terão de encontrar na delicada área do ensino, a menos que se decidam por alguma forma de modelo misto, adequado a cada um dos países lusófonos, o que sem dúvida acarretaria mais confusos males do que bens.

Pergunto por que se não aproveita, mui sensata e simplesmente, a porta deixada aberta pelos próprios Ministros da Educação de todos os países da CPLP, e se suspende o Acordo até que os estudos do diagnóstico proposto estejam concluídos, deliberando-se então em conformidade?

António de Macedo

 

[Carta enviada pelo autor à ILC, por email, com autorização de publicação.]

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6 comentários

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    • Pedro Marques on 13 Julho, 2012 at 1:28
    • Responder

    Olhe que não secção conforme se tem escrito, e conforme vem nas legendas e na maioria dos textos segundo o novo acordo ortográfico (ortografia assassina da língua portuguesa, mais propriamente)

    • Pedro Marques on 13 Julho, 2012 at 1:35
    • Responder

    Também é preciso dizer que para além dessa nova ortografia, que infelizmente muita gente se está a prontificar a usar, existe também a brasileira, a ortografia portuguesa em vigor ao45 e resultado desta estupidez já anda a crescer o número de pessoas que anda a escrever a ortografia portuguesa sem os respectivos acordos ortográficos.

  1. Novo acordo= Dialêto d’um díáléto. [dialeto dialecto]
    Textos do Spinozza/ Agostinho da Silva no novo acordo= CIRCO.
    Portugal= 9.8 milhões de pessoas.
    Portugal tem mais escritores Universais que muitos paí’z’es com 10* a sua população.
    O 1º escrito filosófico no novo acordo = Miguel Esteves Cardoso. Que é contra.
    -Começou muito bem! lolol

    A Base d’um povo= Escrita. Quem pensar que é a economia anda ALUCINADO.
    Neste momento falámos um dialeto d’um dialecto do Português. (PT-BR+ PT-BR)
    As crianças estão a aprender um dialeto, e não gostam.
    -E se fosses tú?

    Outra vêz:
    A base d’um povo=

  2. -Um brinde ao Miguel Esteves Cardoso!!! 😀

  3. Portugal está banhado por Inteligência. Urgente: todos reunidos, com as associações de estudantes, traremos o Português de volta.

    A maior parte dos que cegamente adoptaram, o abortês, porque acordo não o é, foi por imitação, por desconhecimento total do assunto, por moda e com medo de questionarem para não serem considerados analfabetos.
    Quando o não questionar é que é, neste caso, um sintoma de “não saber”.
    Brindes a todas as mentes acordadas!!!!!!!!!!!!!!

    • Hugo X. Paiva on 2 Dezembro, 2012 at 3:08
    • Responder

    Carissimo Sr. Macedo:é verdade que Mia Couto disse isso,mas, também disse:

    “Tendo sido o acordo ortográfico ou o processo de elaboração deste uma das primeiras iniciativas de reflexão comum sobre a língua, fica patente o olhar desconfiado dos africanos, sobretudo de Angola e Moçambique, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista político, cujas sequelas persistem até hoje, embora com menor intensidade”, considerou.

    Publicado em 06/05/2010

    Disse ainda:
    Eu não sou a favor. Considero que alguns dos motivos que foram invocados para a reforma ortográfica não são verdadeiros. E acho que é uma discussão com a qual os portugueses, principalmente, ficaram muito nervosos, porque, para Portugal, mexer na língua é uma coisa muito sensível. Algumas pessoas de Portugal acreditam que a língua é a última coisa que eles têm, que é a primeira e última coisa que têm, é um sentimento imperial da sua própria presença no mundo que foi posto em causa. Mas a minha questão não é essa. É que eu sempre li os livros dos brasileiros e nunca tive problema nenhum, nunca tive dificuldade nenhuma. Para vocês, que estão a ler meus livros em português de Moçambique, existe alguma dificuldade particular por causa da grafia? Ou a dificuldade é o resto e essa é a única coisa que não é difícil?

    Eu acho inclusive que haver uma grafia que tem alguma distinção, um traço de distinção pode trazer um outro sabor a uma escrita. E os brasileiros conhecem muito pouco de Moçambique, de Angola ou de São Tomé. Às vezes eu ando na rua e tenho uma dificuldade enorme para explicar quem eu sou. Na verdade, isso eu não sei explicar, mas a dificuldade é para explicar de onde eu venho. Quando falo que não sou de Portugal, sempre fica uma coisa difícil. Fazem as perguntas mais estranhas sobre o que pode ser Moçambique, se é um país que fica perto do Paraguai, por exemplo. Então a distância entre nós não é um problema que deriva da ortografia, deriva de outras coisas, de política, de uma falta de interesse, de um distanciamento. Isso não será resolvido mudando o acordo ortográfico.

    E ainda:
    Como vê o acordo ortográfico? Acho que temos que fazer uma defesa daquilo que é a cultura moçambicana a dois níveis. O primeiro é a defesa das línguas nacionais, indígenas de Moçambique, ou línguas bantu, já que permitem que a nação moçambicana não rompa com aquilo que é o seu próprio tempo. Se há uma ponte com o passado e com uma larga parte do presente, é através dessas línguas. Por outro lado, também é preciso assumir a língua portuguesa como uma língua de pertença, uma língua nossa. Essa língua dá acesso ao futuro e a um outro presente, porque há cada vez mais, nas zonas urbanas, moçambicanos só falantes de português. Há que resolver aqui alguma coisa de base psicanalítica, pois nós temos as línguas nacionais e o português é uma língua também da moçambicanidade, tanto quanto as outras. E não se pode pôr em confronto estas línguas nacionais, colocando entre aspas as primeiras, porque em termos de cobertura geográfica não são nacionais e esta outra, o português, que, não sendo nacional do ponto de vista do registo histórico, é a língua da nação moçambicana, já que permite que os moçambicanos falem uns com os outros. Aí não podemos ter vacilações e andar ao sabor de argumentos políticos e defender só as línguas de origem bantu, porque parecem mais nacionalistas. Não podemos esquecer que, se nós tivermos deficiências na comunicação em português, é a moçambicanidade que fica em jogo.

    Para terminar:
    Quando começa a escrever um livro, sabe como vai terminar? Nunca sei. Sou extremamente caótico. Geralmente, as personagens conduzem-me, não sou capaz de construir uma narrativa. A certa altura, são as personagens que eu ponho no mundo que me contam a história.

    Quando decide que a história chegou ao fim? Quando encontro a frase inicial, sei que estou a acabá-la.

    ……………//…………..

    Espero que não interprete como sendo de má fé, a minha observação, porque não é o caso.
    Um abraço Lusitano.

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